A primeira memória que tenho de você é no banco de trás do carro do meu pai, deitada no meu colo tão quieta e inofensiva, cabia na minha mão. Os anos se passaram e você já não cabia mais no meu colo e nem se coubesse iria se deitar, porque a cachorrinha inofensiva havia transformado-se no que nós lá de casa apelidamos carinhosamente de Diabo da Tasmânia. As pessoas, às vezes, me perguntavam por que tinha uma cachorra que mordia. Não acredito nessa fala, como se animal de estimação fosse uma fruta de supermercado onde se escolhe a perfeita. Você era assim e pronto, eu respeitava que você não gostava de carinho na cabeça e insistir era puro egoísmo.
Eu não te via assim, “a cachorra que mordia”, você era os passeios no final de tarde em que me arrependo de não ter ido sempre que pude, era a bolinha babada que insistia tanto que jogassem pra você buscar repetidamente que sinto que não joguei o suficiente, era a companhia debaixo da mesa de almoço que comia a gordurinha da carne que eu não gosto de comer e que deveria ter te dado mais vezes, você era a comemoração que fazia quando alguém da família chegava em casa mesmo que tivessem ficado fora por trinta minutos. Você era aquela bola de pelo que bloqueava o caminho na cozinha e que deixava minha mãe louca, mas como ela sente falta de você lá agora. Era quem ficava correndo ao redor da piscina quando a gente nadava, talvez por instinto protetor. Meu pai mesmo entrou na piscina uns dias atrás e disse que você era a única coisa que faltava ali. Você foi pra mim a demonstração de amor por outros meios além do toque, Milão.
Eu não consegui estar com você quando adoeceu, aconteceu tudo tão rápido. Tentei voltar para São José assim que deu, mas já era tarde. Cheguei em casa e, dessa vez, não teve comemoração. Fui te abraçar e você já não mordia mais — e como eu torci para você virar e abocanhar minha mão. Eu me despedi e lembrei do nosso último momento, no último domingo. Nós duas na grama do quintal, eu te joguei a bolinha algumas vezes e pensei como você costumava correr mais rápido até um tempo atrás e como, depois de um tempo brincando, você parou de pedir que jogasse a bolinha toda babada porque tinha cansado. Sentou na grama na minha frente, me olhou e eu senti seu amor, sua felicidade e gratidão, sem nenhum toque, e é assim que lembro de você na nossa última vez.
Autoria: Anônimo
Revisão: Gabriela Veit e André Rhinow
Arte: Pinterest
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