Antecedentemente à data oficial, nossa redatora Carolina Zweig exprime, através de uma homenagem à Hedy Lamarr, os desafios e a importância das mulheres no ramo da ciência.

O dia 11 de fevereiro foi definido como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Neste quesito, a UNESCO visa destacar “o potencial inexplorado de meninas e mulheres brilhantes interessadas em ciência, tecnologia, engenharia e matemática, mas que optam por não estudar ou seguir carreiras nesses campos devido a vários obstáculos que enfrentam”. É com esse objetivo que a Gazeta Vargas faz hoje uma homenagem a Hedy Lamarr: inventora da tecnologia precursora da telefonia celular e do Wi-Fi e protagonista do primeiro orgasmo feminino em primeiro plano nas telas.
Uma vez em Hollywood, foi considerada a mulher mais bonita da história do cinema - mas muito antes disso já era considerada superdotada. Filha de uma pianista e um banqueiro e nascida com o nome de Hedwig Eva Maria Kiesler em Vienna, na Áustria, ela cresceu no meio culto e intelectual. Em paralelo ao seu trabalho de atriz em filmes europeus, iniciou a carreira de engenharia aos 16 anos.
Embora fosse uma mulher burguesa judia, havia se casado com um rico industrial do setor bélico, Friedrich Mandl, que por sua vez providenciava as armas para os regimes fascistas de seus amigos próximos, Hitler e Mussolini. Enquanto durou este primeiro casamento, Lamarr era espancada e teve sua carreira acadêmica e atividade artística interrompida. As cenas protagonizadas em Êxtase (1933), que haviam originado a fama e polêmica de Lamarr, atormentavam o marido. Para evitar que fossem vistas por outros homens, Mandl gastou $280,000 dólares ($5.42 milhões em dólares de 2018) em uma tentativa de comprar todos os exemplares existentes do filme para destruição. Durante esse período presa em casa, ela mergulhou no estudo da engenharia e se aproveitou dos fornecedores e clientes que seu marido recebia para extrair informações sobre tecnologia bélica.
Em 1937, ela conseguiu fugir vestida de empregada doméstica. Chegando em Londres, conheceu Louis B. Mayer, empresário da Metro Goldwyn Mayer. Ao iniciar sua carreira em Hollywood, adotou o nome de Hedy Lamarr e se popularizou pela sua beleza, tornando-se inclusive inspiração para o desenho da Branca de Neve de Walt Disney.
Além de tornar-se uma grande estrela de cinema, ela começou a trabalhar com o compositor George Antheil em um sistema secreto de comunicação. Enquanto ensaiavam juntos, ocorreu-lhes uma invenção que funcionava em 88 frequências, como se fossem teclas de um piano. O espectro alargado por salto de frequência (FHSS, a sigla em inglês) tornava possível a transmissão de informações sigilosas entre dispositivos com menor risco de intercepções e interferências - e assim os Estados Unidos teriam uma vantagem estratégica na guerra que nenhum outro país tinha.
O sistema foi patenteado em 1940 a nome de Hedwig Eva Maria Kiesler, e foi oferecido gratuitamente ao exército americano como uma maneira de contribuir para as forças aliadas. Não obstante, foi recusado e ridicularizado.
Posteriormente, ao perceber que o regime nazista continuava em expansão na Europa, Lamarr se ofereceu ao serviço de inteligência americano para o desenvolvimento de tecnologias bélicas. Mais uma vez obteve uma resposta negativa. Disseram-lhe que poderia contribuir mais para os Estados Unidos utilizando sua fama e beleza na propaganda e venda de títulos de guerra. Ela aceitou a proposta: aquele que comprasse $25,000 em títulos de guerra ganharia um beijo de Lamarr – e assim foram arrecadados 7 milhões de dólares em uma única noite.
Duas décadas depois, em 1962, a tecnologia desenvolvida por Lamarr e Antheil foi aplicada pela primeira vez - mas sem reconhecimento dos inventores. Foi em apenas em 1997 que eles foram distinguidos pelo seu trabalho pela Electronic Frontier Foundation. Naquele ano, o “Oscar dos inventores”, o Prêmio Bulbie, foi para a dupla mas Antheil já havia falecido e Lamarr se recusou a recebê-lo.
Na Segunda-Guerra Mundial, os Estados Unidos se colocaram como uma das frentes para barrar a expansão do eixo. A potência liberal gastou $3,35 trilhões de dólares no conflito. No entanto, não era tão liberal para aceitar a contribuição voluntária de Hedy Lamarr. A tecnologia FHSS que Lamarr desenvolveu, pioneira e inicialmente ignorada, veio a ser a base da telefonia celular, do Bluetooth, do GPS e do Wi-Fi. E, se tivesse sido desenvolvida por outro, talvez tivesse mudado - e quem sabe antecipado - o desfecho da guerra.
E não podemos esquecer: se essa é a história de uma mulher branca e burguesa, ainda por cima a mais bonita do cinema, o que será de todas as outras?
Quer saber mais? Assista Bombshell: The Hedy Lamarr Story (2017).
Comments