Composto por 11 ministros, o Supremo Tribunal Federal é a mais alta instância do poder judiciário. No sábado, 30 de setembro, a até então ministra do STF Rosa Weber, desocupou sua cadeira no Tribunal após atingir os 75 anos, idade constitucional limite para integrar a Corte, deixando-o nas mãos de nove homens e uma mulher, apenas. Para além disso, o cargo de Presidente do STF, ocupado por Rosa desde 2022, foi assumido pelo ministro Luís Roberto Barroso, enquanto a vice-presidência foi destinada ao ministro Edson Fachin.
Neste momento, que a princípio parece ser apenas mais uma etapa do processo de formação do Supremo, fica vaga uma cadeira da Corte, que será preenchida de acordo com a indicação do Presidente da República, após respectiva aprovação do Senado. A indicação de Luiz Inácio Lula da Silva, que pauta em seus discursos a diversidade e representatividade com muita ênfase, determinará o futuro do STF, e em que grau ele continuará falhando em representar a população.
No início do mês de agosto, o ministro Cristiano Zanin, também indicado pelo atual presidente, tomou posse da vaga do ex-ministro Ricardo Lewandowski, mais de 3 meses após sua aposentadoria, em 9 de abril de 2023. A indicação de Luiz Inácio Lula da Silva foi fortemente questionada, e a atuação de Zanin até o momento, em grande parte, frustrou o eleitorado, que esperava uma indicação que garantisse, no âmbito do judiciário, posicionamentos condizentes com o discurso progressista do presidente.
Contudo, é importante ressaltar que os ministros não devem fidelidade ao presidente que os indicou. Assim, apesar de ser compreensível que o líder do executivo indique de acordo com seu viés ideológico, visto que alguns julgamentos do STF impactam a população como um todo, não há regra que obrigue o ministro indicado e o presidente que o indicou a agirem com conformidade. Além disso, nota-se que a legislação brasileira não estabelece prazo para a indicação de Ministro sucessor quando uma cadeira do Supremo se torna vaga. Consequentemente, nada indica quando Lula, ainda pressionado pelas críticas quanto à indicação de Zanin, anunciará um nome para ser votado como sucessor de Rosa Weber - ao que parece, o Presidente ainda está montando sua lista de cotados.
Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal é um órgão importantíssimo para a sociedade, contudo, essa importância não é necessariamente óbvia. Para gerar a consolidação de entendimentos a serem aplicados pelo poder judiciário, a Corte tem uma capacidade exclusiva de estender os efeitos de seus julgamentos para a sociedade como um todo quando considerar necessário. Em um processo comum, a decisão do juiz gera efeitos apenas para as partes envolvidas, mas, no caso do STF, os efeitos de algumas decisões se tornarão vinculantes à toda a população. Assim, esse tribunal torna-se responsável por proteger os interesses constitucionais das minorias sociais a partir das decisões que vinculam a sociedade brasileira, exercendo o que chama-se de atuação contramajoritária.
Justamente por esse motivo a representatividade interna é tão significativa, afinal, como seria possível garantir os interesses de minorias em um tribunal que é reflexo direto das desigualdades? A Corte, existente no Brasil desde 1891, já contou com mais de 160 homens brancos, enquanto apenas 3 mulheres brancas e 3 homens negros puderam ocupar cadeiras de ministros. Em um país onde 56,1% da população é negra e 51,1% mulher, de acordo com o IBGE, percebe-se que as proporções de composição do Supremo Tribunal Federal são muito inadequadas à realidade social.
Considerando que esse pequeno grupo de onze ministros é também responsável por garantir a proteção constitucional das minorias, é extremamente importante que sua composição reflita - ou tente refletir -, as proporções da população para que consiga representá-la de fato. Mais de um quarto da população do Brasil é composta por mulheres negras, segundo dados do IBGE, entretanto, elas só ocupam 0,4% dos cargos altos nas 500 maiores empresas do país, segundo pesquisa do Instituto Ethos que revela a exclusão sistêmica desse grupo social. Além disso, segundo a Folha, apenas 7% dos juízes de primeira instância são mulheres negras, e na segunda instância, o número cai para 2%. Por isso, a ocupação de uma cadeira no STF por uma mulher negra seria um importante passo para uma reforma na composição do judiciário como um todo, incentivando e aumentando a diversidade nos tribunais.
Fora o aspecto da representação proporcional da população, cabe ressaltar também que o Supremo julga temas que impactam majoritariamente a população negra, como por exemplo a descriminalização do aborto e do porte de drogas, como aponta a advogada e codeputada no mandato coletivo da Bancada Feminista do PSOL, Paula Nunes. Assim, entende-se como necessária a indicação de uma figura capaz de representar, pelo menos em parte, os interesses dessa parcela da população dentro do Tribunal. No entanto, enquanto por um lado o presidente é pressionado para tomar uma decisão nesse sentido, por outro, é questionada a legitimidade de uma escolha baseada em raça e gênero, alegando se tratar de uma "pauta identitária", argumento que a jornalista Bianca Santana julga desqualificado, reiterando que a política só é feita através das diversas pautas identitárias que a compõem.
Nesse sentido, cabe ao Supremo Tribunal Federal, como força contramajoritária, consolidar entendimentos que protejam os direitos e interesses das mulheres negras em um país tão desigual. A aposentadoria de Rosa Weber criou para Lula uma grande oportunidade para contribuir de forma inédita com a pluralidade pela qual tanto preza, indicando, pela primeira vez em 130 anos, uma mulher negra para o cargo de ministra do Supremo Tribunal Federal. Se concretizada, essa mudança ultrapassará seu mandato, gerando consequências estruturais em todo o judiciário e dando esperança à uma população que não encontra representação na Justiça atual.
Autoria: Flora Pimenta e Sofia Vilutis
Revisão: Artur Santilli e Laura Freitas
Imagem da capa: Antonio Junião, Ponte Jornalismo
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