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A TRILHA DA TOCHA PARALÍMPICA


Por Pedro Moura da Cunha Matos


Se alguém te perguntar quem são Trischa Zorn e Daniel Dias você sabe responder? Agora, aposto que você ao menos ouviu falar dos nomes Michael Phelps e César Cielo. A semelhança entre esses nomes é a profissão, todos são atletas olímpicos de natação. Contudo, existe uma grande diferença entre eles, os primeiros nomes citados possuem muito mais medalhas que os segundos. A coleção de ouros de Zorn é de 32 medalhas e a de Daniel chega a 25, a maior medalhista do mundo e o maior medalhista brasileiro, respectivamente, até mesmo fora de suas modalidades. Portanto, a grande questão é: por que as 23 medalhas de ouro de Phelps e a única de Cielo são muito mais reconhecidas e prestigiadas? A resposta é simples, Trischa Zorn é deficiente visual e Daniel Dias nasceu com malformação dos membros superiores e inferiores. Ambos conseguiram suas conquistas extraordinárias nos Jogos Paraolímpicos, o que os deixam no esquecimento da maioria.


Os jogos paralímpicos, mesmo que desvalorizados pela mídia, são um espaço para que pessoas com deficiência e, por isso, discriminadas pela sociedade, tenham a oportunidade de demonstrar seu valor e talento como atletas em condições de equidade entre adversários. Apesar de exercer uma função social genuinamente valiosa para diversas minorias, a história do evento tem início em uma época triste para a história da humanidade. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, muitos civis e veteranos voltaram a viver suas vidas com ferimentos graves que adquiriram durante os tempos de guerra. Os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido responderam a essa nova realidade com a criação das primeiras modalidades esportivas focadas em integrar deficientes físicos. Em 1944, ganhou destaque o caso do Dr. Ludwig Guttmann que, a pedido do governo britânico, abriu um centro de reabilitação de lesões vertebrais no Hospital de Stoke Mandeville, onde parte do tratamento envolvia a prática de esportes - a princípio, de maneira recreativa, mas que com o tempo se tornou uma competição entre os pacientes.


Quatro anos após a abertura do centro de reabilitação, inspirado pelos Jogos Olímpicos de Londres de 1948, Guttmann criou os Jogos de Stoke Mandeville no mesmo dia do evento de abertura das Olimpíadas daquele ano. Essa seria a primeira competição em que apenas pessoas em cadeiras de rodas poderiam participar. Apesar de que na primeira edição apenas 16 homens e mulheres competiram na modalidade de arco e flecha, a competição rapidamente ganharia destaque dentro da realidade dos esportes olímpicos. Com o apoio do Comitê Olímpico da Itália, país que sediaria em sua capital as Olímpiadas de 1958, os Jogos de Stoke Mandeville foram renomeados para Jogos Paralímpicos e se tornaram uma competição realizada quadrienalmente com regras e normas que se desenvolveriam ao longo dos anos. A criação do Comitê Paralímpico Internacional em 1989, com sede na cidade alemã de Dusseldorf, uma Organização Internacional responsável pela coordenação dos jogos, marcou — finalmente — a profissionalização de esportes focados unicamente em integrar uma parte da população mundial que até então fora negligenciada.


A existência de um evento profissional a nível mundial dedicado àquelas pessoas que nascem com deficiências que os desfavorecem na prática esportiva é um símbolo de esperança. De quatro em quatro anos, quando a tocha paralímpica é acesa, uma chama arde no coração de todos aqueles que sonham em superar o que sempre foi tido como impossível e se tornarem grandes atletas. O esporte vive de representatividade, quando a seleção de futebol do seu país é campeã da Copa do Mundo, quando a ginasta vestida com as cores da sua bandeira consegue a pontuação mais alta, quando o piloto que luta pelas causas raciais com as quais você se identifica atravessa a linha de chegada em primeiro ou quando sua amiga faz uma grande jogada de xadrez nos jogos internos da escola você também se sente vitorioso. Assim, quando um atleta paralímpico com a mesma deficiência de um grupo de pessoas levanta uma medalha de ouro, todos esses milhões de torcedores se tornam medalhistas olímpicos. Histórias como a de Alessandro Zanardi, um ex-piloto que perdeu suas pernas fazendo aquilo que amava, mas que em 2016 se reergueu e nos Jogos Paralímpicos do Rio conseguiu a medalha de prata na prova de ciclismo de estrada. São eventos pontuais, mas que impactam milhões de pessoas ao redor do mundo.


É evidente a importância representativa que os Jogos Paralímpicos carregam para, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 1 bilhão de pessoas, que vivem com algum tipo de deficiência, porém uma grande trilha ainda deve ser traçada para que direitos sejam alcançados. O simples fato de a maioria dos brasileiros nunca ter ouvido falar de Daniel Dias, o maior medalhista da história do país por uma grande margem, demonstra que muito ainda deve ser feito. Nesse sentido, a ONU estabeleceu como parte da Agenda 30 o compromisso de promover a inclusão social, econômica e política de todas as pessoas com deficiência. No campo social, mais especificamente dentro do lazer e do esporte, os objetivos da ONU só serão alcançados se esses esportes se expandirem além dos Jogos Paralímpicos. Restringir a realidade esportiva de mais de 1 bilhão de pessoas a 24 modalidades é um insulto, portanto, devemos trabalhar para integrá-los. Defender seus direitos, lutar por financiamentos equânimes, assistir às competições e reconhecer o feito de Trischa Zorn, uma mulher cega que mesmo cercada de preconceitos e machismo conseguiu se tornar a maior atleta que esse planeta já viu, é o mínimo que podemos fazer.


Revisão: Cedric Antunes Imagem de capa: Mariana Hashimoto


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Referências:


Comitê Olímpico Brasileiro (COB): https://www.cob.org.br/pt/

Convention on the Rights of Persons with Disabilities (Nações Unidas): https://www.un.org/development/desa/disabilities/convention-on-the-rights-of-persons-with-disabilities.html

International Paralympics Committee (IPC): https://www.paralympic.org/

Rede do Esporte, portal oficial do governo brasileiro para jogos Olímpicos e Paralímpicos: http://rededoesporte.gov.br/

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