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AS HISTÓRIAS INSEPARÁVEIS DO BRASIL E DO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO



No dia 25 de março de 1922, instigados pela recente vitória comunista na Revolução Russa, um pequeno grupo de operários com histórico de militância no movimento anarquista reuniu-se em Niterói, determinados a criar uma verdadeira organização de massas no Brasil que propusesse uma alternativa revolucionária ao sistema capitalista. Nascia o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 2022, o PCB comemora seus cem anos de existência, durante os quais participou ativamente de grandes eventos da história brasileira, como a campanha pela criação da Petrobras, a resistência à ditadura militar e a luta pela formulação da Constituição de 1988. No âmbito intelectual, seus militantes influenciaram a cultura brasileira e o modo de pensar o Brasil, com figuras como Caio Prado Júnior, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Tarsila do Amaral, Oscar Niemeyer e tantos outros.


A fundação do PCB refletiu tendências nacionais e internacionais de questionamento do sistema capitalista, representadas no Brasil pela indignação perante a crise política, a situação social precária dos trabalhadores e o entusiasmo diante do triunfo bolchevique na Revolução Russa. Após a Greve Geral de 1917 no Brasil, liderada por anarquistas e sindicatos em protestos contra a alta dos preços causada pela Primeira Guerra Mundial e em prol dos direitos do proletariado, a queda da monarquia czarista na Rússia incentivou muitos militantes de movimentos anarquistas e grevistas a se aproximarem dos ideais comunistas e a criarem grupos e organizações simpatizantes a eles.


Do outro lado do Atlântico, em março de 1922, o até então denominado Grupo Comunista de Porto Alegre organizava um congresso que logrou fundar o PCB, tendo por objetivo organizar o proletariado e criar nele uma consciência revolucionária cujo fim haveria de ser a derrubada do capitalismo no país. Mesmo possuindo uma influência minoritária na opinião pública naquele momento, o PCB foi decretado ilegal apenas 3 meses depois da sua fundação pelo governo de Epitácio Pessoa, mas os seus militantes persistiram em atividades de agitação e propaganda.


O empenho dos membros do PCB na década de 1920 permitiu a difusão do comunismo entre o proletariado brasileiro, especialmente durante um breve retorno do partido à legalidade em 1927. A estratégia de disseminação do movimento contou com a publicação de jornais de cunho revolucionário, a criação de uma ala jovem, nomeada Juventude Comunista, além da participação nas eleições municipais mediante a legalidade readquirida em janeiro de 1927, o que garantiu a eleição de dois candidatos ao Conselho Municipal do Distrito Federal. O partido retornou à clandestinidade em agosto de 1927 devido a “Lei Celerada”, uma lei que visava abater o movimento operário restringindo o seu direito de reunião.


Durante a década de 1930, o PCB sofreu com seu status de legalidade, repressão de autoridades e uma tentativa falha de uma revolução, resultando em duros golpes ao partido. Porém, o partido combateu diretamente a atuação dos integralistas, movimento fascista inspirado no nacional-socialismo, no campo político, como sindicatos, e nas ruas, por meio de manifestações e brigas. O mesmo também fez parte da frente nacional antifascista e anti-imperialista, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), a qual contou com comunistas, socialistas e antigos militantes da causa tenentista que estavam insatisfeitos com a aproximação do governo Vargas com as velhas oligarquias. Porém, em julho de 1935, a Lei de Segurança Nacional foi usada contra a ANL e a tornou ilegal pouco tempo depois de sua fundação. Como forma de reação, o PCB promoveu entre os seus membros uma tentativa de revolução em novembro de 1935, mas ela falhou por sua falta de organização, ganhando o apelido pejorativo de “Intentona comunista”.


Após a tentativa de insurreição em 1935, o PCB tentou sobreviver na ilegalidade com a instauração do Estado Novo com justificativas anticomunistas, o Plano Cohen e a intensa repressão do regime a partir de novembro de 1937. Nesse período, mesmo ilegalmente, seus militantes pregavam a participação do Brasil ao lado dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, e o partido orientou seus integrantes a se alistarem como parte da Força Expedicionária Brasileira (FEB) a fim de combater o fascismo e ajudar a União Soviética (URSS) durante a Conferência da Mantiqueira em 1943. Com a vitória dos Aliados e o enfraquecimento do governo Vargas, o PCB restaurou seu status de legalidade na abertura democrática pós-Estado Novo em 1945 e se consagrou como um partido nacional de massas em meados de 1947, elegendo 14 deputados e um senador.


Com o fim do Estado Novo e o retorno à legalidade, o PCB proclamava um programa de união nacional em torno do desenvolvimento industrial e econômico brasileiro. Segundo o então secretário-geral, Luís Carlos Prestes, “o PCB lutava pela democracia ainda no âmbito capitalista”.


O partido atingiu entre 180 mil e 200 mil filiados após angariar apoio popular pela luta e o triunfo contra o Estado Novo, aproveitando desse momento para eleger representantes para a Assembleia Constituinte de 1945. Nomes de peso, como o escritor Jorge Amado, foram eleitos pelo PCB e se destacaram na elaboração da Constituição de 1946 no que tange a educação, questões sanitárias e de saúde pública. No entanto, o partido viria a sofrer um golpe desorientador ao ser novamente fechado em 1947, sob a acusação de ser uma entidade estrangeira, o que se fundou na influência que a União Soviética exercia sobre ele e em seu nome: era o Partido Comunista do Brasil, não o Partido Comunista Brasileiro. O retorno para a ilegalidade fez com que o partido passasse por uma fase de isolamento, em que seus membros focaram em apoiar propostas e candidaturas de caráter nacional-desenvolvimentista como forma de fortalecer a economia brasileira e, dessa forma, privilegiar a luta anti-imperialista.


Uma dessas propostas foi a campanha “O Petróleo é Nosso” durante o governo de Getúlio Vargas em 1951, em que os militantes do partido uniram-se a outros movimentos nacionalistas para a criação de uma empresa estatal de petróleo e a limitação do capital estrangeiro na sua exploração. A mobilização popular encabeçada pelos comunistas e por seus aliados nacionalistas pressionou a aprovação da lei que criava, em 1953, a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) e, com ela, o monopólio estatal de extração, refino e transporte do petróleo brasileiro. Temendo uma onda reacionária após o suicídio de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954, o partido decidiu apoiar a candidatura de Juscelino Kubitschek, uma alternativa mais favorável devido às suas tendências nacionalistas se comparadas às de Plínio Salgado, um integralista, e Juarez Távora, um militar. Depois do breve período do governo Jânio Quadros e do boicote à posse de João Goulart, seu vice, o PCB apoiou a proposta de reformas de base do governo Jango, que apesar das suas discordâncias políticas, representaria um importante avanço tático para lutas históricas, como a reforma agrária e a reforma urbana.


O golpe militar de 1964 feriu o PCB de modo profundo, uma vez que o partido apostou suas fichas no presidente usurpado, Jango, cuja decisão de não fazer frente aos militares pegou de surpresa a militância despreparada para resistir ao peso do braço forte da sanguinária repressão ditatorial que se seguiu. O golpe causou uma cisão interna entre aqueles que defendiam a luta armada e aqueles que desejavam uma frente ampla como forma de combate à ditadura. O anticomunismo do período ditatorial assassinou um terço do Comitê Central (CC) do partido, além de prender e torturar muitos de seus militantes, o que prejudicou a liderança e suas ações táticas, fazendo com que o PCB tivesse que recorrer a líderes menos capacitados e experientes. Diante da violência esmagadora e da insistência da direção do partido em apostar somente em uma estratégia pacífica de frente ampla contra o regime militar, quadros como Carlos Marighella romperam com o PCB por acreditarem, inspirados pela Revolução Chinesa de 1949 e pela Revolução Cubana de 1959, que a luta pela queda do governo militar também deveria ter um componente armado revolucionário. Grupos como a Ação Libertadora Nacional (ALN) e outras organizações roubaram quartéis e bancos, sequestraram embaixadores e travaram conflitos com as forças militares, o que exerceu uma pressão importante na saúde do regime, apesar de suas ideias não terem cativado a mente do povo ou inspirado levantes populares nas regiões rurais, aos moldes das outras revoluções.


Conforme a campanha pela redemocratização avançava no início da década de 1980, o PCB voltou a se inflamar internamente, com a direção dividida entre uma ampla união para a conquista da democracia e uma contínua luta pela construção do socialismo no país. Mesmo retornando à legalidade em 1986, estado do qual goza atualmente, essas convulsões do partido fizeram-no sangrar; figuras de destaque como Luís Carlos Prestes deixaram o partido, bem como diversos militantes que passaram a se identificar com partidos como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Unida à falta de protagonismo do PCB no movimento operário e sindical da época, essa situação contribuiu para agravar a debilidade de um partido que saía da ditadura militar ferido e desconectado das massas.


No final da década de 1980 e início dos anos 1990, a queda das experiências socialistas, como a dissolução da União Soviética e da Iugoslávia, provocou uma sombra sobre o movimento comunista internacional e o PCB foi um dos afetados. A queda da URSS parecia corresponder ao triunfo do sistema capitalista perante o socialismo, e o período foi marcado por liquidações e transformações de partidos comunistas que, a priori, eram revolucionários, em partidos de esquerda mais moderados e com objetivos dentro da institucionalidade, como a busca por vitórias em eleições. Esse movimento também afetou o PCB, que tinha em seu Comitê Central vários adeptos da tese de que a teoria marxista-leninista não atendia mais às demandas da população brasileira, pois a ideia de revolução para a construção do socialismo havia sido superada. Dessa forma, o próprio PCB sofreu uma tentativa de liquidação durante os primeiros anos da década de 1990.


Portanto, o Comitê Central do partido buscava mudar o nome do PCB e abandonar os princípios ideológicos com que fora fundado na convocação do IX Congresso do Partido em 1991. Como forma de oposição a essa tese, os diretórios estaduais de São Paulo e do Rio de Janeiro elaboraram, cronologicamente, documentos criticando o Comitê Central (CC) e a sua linha política denominada equivocada e propuseram a manutenção da simbologia socialista e a reconstrução revolucionária do partido. Com a aproximação da data do IX Congresso, houve a formação de chapas, inéditas na história do partido, em que um lado do CC defendia o abandono da simbologia marxista e uma linha conciliadora entre o socialismo e o capitalismo, e o outro lado, a esquerda, formada pelos diretórios estaduais, defendia a continuidade do PCB com seus símbolos e reafirmava a importância do marxismo como princípio filosófico.


Essas duas linhas de pensamento resultaram em uma cisão do partido na qual a chapa da esquerda, baseada no documento de “Fomos, Somos e Seremos Comunistas”, ganhou quase metade das cadeiras do Comitê Central, 47%, e impediu que as teses liquidacionistas fossem aceitas no plenário do partido. Porém, após tentativas de fraude, incluindo a convocação extraordinária de um congresso sem a presença da totalidade da oposição pela parcela reformista do CC, a oposição propôs um boicote ao IX Congresso e uma votação com ampla adesão e participação dos militantes para a realização de um congresso paralelo. Com ambas as proposições sendo aceitas, esse congresso paralelo resultou na manutenção do partido, a vitória das teses da chapa da esquerda e marcou o início da reconstrução revolucionária do PCB.


O processo de reconstrução revolucionária do PCB para retomar os antigos ideais marxistas-leninistas das suas primeiras décadas completam trinta anos em 2022 e tem como uma das suas principais teses a construção do poder popular no Brasil e a retomada da influência do partido nos movimentos sociais. Dentro desse objetivo, o PCB rompeu com o governo Lula na declaração de seu XIII Congresso (2005), criticando sua proposta de conciliação de classes e foco nas eleições institucionais e definiu que: “uma vez constatado que o capitalismo no Brasil já atingiu a etapa monopolista, fica claro que o processo revolucionário brasileiro é de caráter socialista”.


Em seus XIV (2009) e XV (2014) Congressos, foi reiterada a construção do poder popular, ou seja, a construção de um bloco composto por diferentes setores da população trabalhadora organizados em diversas coletividades, como movimentos estudantis e sindicatos, para compor uma alternativa ao poder da burguesia e propor transformações radicais baseadas na ideologia socialista, como a coletivização dos meios de produção e a redistribuição de terras.


Os cem anos do Partido Comunista Brasileiro e a sua causa revolucionária perpassam avanços, retrocessos e contradições, mas é inegável que sua trajetória se confunde com o desenrolar da história brasileira, sendo essencial para compreendermos sua totalidade. Como escreveu Ferreira Gullar em seu poema “PCB” na ocasião dos sessenta anos do partido:


"Faz sessenta anos que isso aconteceu.

O PCB não se tornou o maior partido do Ocidente, nem mesmo do Brasil.

Mas quem contar a história

de nosso povo e seus heróis

tem que falar dele.

Ou estará mentindo"

- Ferreira Gullar


Autoria: Gustavo Alves e Pedro Augusto Castellani Rolim

Imagem: Reprodução Folha de São Paulo

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Referências:


A Significação Histórica da Conferência da Mantiqueira. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/49/mantiqueira.htm>.


BRASIL, C. PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB) | CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/partido-comunista-brasileiro-pcb>.


Breve Histórico do PCB. Disponível em: <https://pcb.org.br/portal/docs/historia.html>.


CENTRAL DO PCB, C. Declaração Política do XV Congresso Nacional do PCB.


CHAVES PANDOLFI, D. A revolta comunista de 1935 | CPDOC. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/RevoltaComunista>.


COSTA, E. A reconstrução revolucionária do PCB, 2021. Disponível em: <https://pcb.org.br/portal2/28166>.


LANDI FAZZIO, G. Poder Popular: um debate teórico necessário, 2019. Disponível em: <https://pcb.org.br/portal2/24443>.


Memorial da Democracia - Governo decreta ilegalidade da ANL. Disponível em: <http://memorialdademocracia.com.br/card/governo-ordena-o-fechamento-da-alianca-nacional-libertadora>.


Outros Outubros Virão!. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/tematica/2009/10/congresso.htm>.

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