No meio do barulho dos carros, no epicentro do caos de São Paulo, na altura 548 da Avenida Paulista, está um prédio morto, sem cor ou personalidade. Sua fachada dá para uma entrada, ou melhor, para uma adaptação de um antigo estacionamento. As letras garrafais pratas, camufladas pela pedra acinzentada, são imperceptíveis aos olhos desatentos dos andarilhos da Paulista, mas estão lá. Elas dizem: Fundação Getulio Vargas. Ali estão os estudantes da Escola de Relações Internacionais, tão invisíveis quanto o próprio prédio. Informalmente, é lá que se estabelece o CARI GV, Centro Acadêmico representante desses fantasmas. Sem sala própria, repasse financeiro ou reconhecimento. Ainda assim, lá.
Apesar da escrita dramática, a verdade é uma só: os alunos de RI escutam com frequência frases que questionam a existência do seu curso, ou pior, boatos falsos sobre ele — como “não existe bolsa em RI”. Os aproximados 35 membros do CARI passam pelo constrangimento de ouvir “o que é CARI?” dos alunos das mais diversas entidades gvenianas com as quais entram em contato. Afinal, o que é verdade? Quem são os alunos de RI, como vivem, o que comem? Será que o CARI existe mesmo?
Vamos caracterizar o ambiente natural dos internacionalistas em formação: a infraestrutura interna se assemelha à de um hospital. Corredores estreitos com paredes completamente brancas, janelas que não abrem e persianas que barram a luz do sol. O estacionamento que serve também de portaria, primeiro andar, refeitório, fumódromo e área de convivência — ah, e sem banheiro, devo adicionar. Um espaço de convivência/estudo, o sexto andar, arrumado, mas sem espaço para comportar todos os alunos. Nele, há uma pequena área conhecida como biblioteca — distintamente sem livros. Não temos espaços para as entidades, áreas destinadas apenas à convivência, nem salas que comportam mais de 55 pessoas e muito menos um auditório ou elevadores suficientes. Bem-vindos!
Acredito que tal descrição possa causar certa confusão na mente daqueles que teimam que os alunos de RI não se misturam. Afinal, como podemos ser tão isolados e ‘auto-suficientes’ se pouco conseguimos fazer no nosso próprio prédio? Hora de desmentir a fake news #1: os alunos de RI não “se isolam”, nem por prepotência. Aliás, como poderíamos fazê-lo? Nosso curso tem meia década de idade e, por mais que não seja muito, é suficiente para que os demais alunos da Fundação saibam da nossa existência. Então por que será que somos surpresa para tantos? Ainda mais, como é surpresa que o Centro Acadêmico de um curso consolidado exista? Qual é a moral que os alunos de RI têm para se isolar? Aprendemos a “sobreviver” sem o reconhecimento dos demais cursos, mas a verdade é que não vivemos sem nossas amizades da EDESP, da EESP e da EAESP. Sobreviver é uma coisa, viver a experiência universitária, que já é limitada pela estrutura de nosso prédio, exige aquela integração bonita, que a maioria de nós se esforça muito para manter apesar da rotina maçante.
E é aí que entra o CARI, desmentindo a fake news #2: o CARI trabalha sim — e muito! Apesar da nossa recente criação, estabelecemos diversas parcerias com as entidades gvenianas, com o CA Direito e com o DAGV, sempre prezando pela integração entre os cursos. O nosso propósito é o serviço do alunato em prol do alunato, então, não poupamos esforços. O CARI é responsável pelo acolhimento dos bixos, pelo apadrinhamento, pelo trote, por estabelecer uma ponte de diálogo com a coordenação e muito mais. Alguns dos nossos projetos fixos são o fórum de atualidades, a mesa de vendas, a grife, a festa de RI, a feira do intercambista, o censo e a roda de conversa com os calouros. Trabalhamos para que os bolsistas tenham a assistência necessária, para que as demandas dos alunos sejam ouvidas, para que o ambiente acadêmico seja mais plural. Todos os nossos colaboradores, diretores e membros do executivo se dedicam diariamente ao CA, que persiste, apesar da ausência de repasse financeiro ou até mesmo de um espaço próprio.
Costumamos brincar que somos uma entidade espiritual, um conceito que paira no ar da Paulista, invisível aos olhos, mas cuja presença é sentida e lembrada pelos alunos. Ao compartilhar a situação, uma membra do CARI ouviu de uma colega de Administração de Empresas que “RI é uma piada”. Por essa ótica, talvez seja mesmo. Talvez o maior palhaço dessa história seja o próprio Centro Acadêmico de Relações Internacionais, que faz de tudo para reverter o pouco que tem em nome do alunato. Mesmo assim, estamos aqui todos os dias. Plantando uma sementinha que, quem sabe um dia, virá a ser uma grande árvore. Para que nenhum aluno se sinta desamparado. Para um espaço com uma experiência universitária mais digna. Para que daqui a 10, 20 anos, não tenhamos que escutar “o que é o CARI?” dos nossos colegas de Fundação. Para que saibam que a Avenida Paulista 548 não é terra de ninguém. Assim, sonhamos — e rimos da nossa própria piada.
Autoria: Fernanda Abdo (presidente do CARI)
Revisão: Artur Santilli e Gabriela Veit Barreto
Imagem da capa: Arquitetura Julio Neves Ltda.
Comments