A série da Netflix "Bebê Rena" estreou dia 11 de abril na plataforma, mas ganhou mais força e destaque nos dias finais do mês de abril e no começo de maio, em razão da sua repercussão nas redes sociais. Além de aclamada pela crítica, o seriado alcançou grandes números de audiência na Netflix. Em um breve resumo, a série retrata Donny Dunn, um barman que tem o sonho de ser um comediante de sucesso, e seu encontro e relacionamento com Martha, uma stalker em série que passa a persegui-lo.
Apesar de ter gostado da minissérie, tenho uma dificuldade imensa em entender o seu tamanho sucesso para além do fator “baseado em fatos reais”:
É claro que existe uma sensibilidade muito grande nos temas tratados no seriado, afinal, o criador e roteirista da série é Richard Gadd, que sofreu os eventos expostos nos episódios na vida real. Ainda assim, se houve uma preocupação quanto ao viés da narrativa, não me pareceu que seja algo gritante. Enquanto no começo da série eu simpatizei com o Donny, senti dó da sua vida e de certa forma me encontrei enraivecido com Martha, com o passar do tempo - especialmente com a explicação do porquê a perseguidora chama sua vítima de Bebê Rena – o espectador aprende a justificar e até mesmo a desculpar as ações da personagem. E este é outro grande mérito da série, a imersão e senso de julgamento que ela causa no espectador: pelo menos eu me senti muito investido e compelido a julgar as ações dos dois personagens principais. Ainda que ser “a voz da razão e sensibilidade” seja o papel da personagem da Nava Mau, a Teri, o contato profundo com os sentimentos e características dos personagens é tamanho, que o espectador passa a se sentir legitimado a julgá-los e querer dar conselhos como se amigo deles fosse.
Um outro ponto alto da série é a atuação de Jessica Gunning, que interpreta Martha. Ela desempenha papel fundamental em segurar a narrativa e transparecer as intenções e motivações de sua personagem. A meu ver, ela é a grande responsável por permitir ao espectador entender a complexidade dos sentimentos e relações desenvolvidos entre os dois protagonistas. É a sua atuação, na realidade, que transforma a personagem em algo mais próximo de uma protagonista do que de uma antagonista, isto é, uma personagem que merece compreensão, empatia e curiosidade na mesma medida que o personagem que representa a vítima da história real.
Mesmo com essas qualidades, eu ainda não virei tão fã da série. Muito se falou do quarto episódio (que, de fato é o melhor da série) e do monólogo desenvolvido pela personagem principal. Acho que este episódio, apesar de ótimo, representa o fator responsável por me afastar dessa adoração à série. Em muitos momentos, a atuação do ator que interpreta Donny Dunn parece querer falar com a câmera, querendo se defender e se explicar com um grande senso de urgência. Por ter sido desenvolvida pelo homem que sofreu aqueles acontecimentos na vida real, grande parte da série é destinada a tentar entender suas frustrações, mas, principalmente, ela parece ainda ser parte de seu processo de aceitação.
Isto não é um defeito, mas o roteiro se utiliza de recursos que tornaram, para mim, essa trajetória muito artificial. Nunca fui fã de monólogos (para o de “Me chame pelo seu nome” eu abro uma exceção), pois parecem servir para preencher momentos e concretizar ideias que o restante do roteiro não amarrou de forma natural. E isto foi gritante para mim no quarto episódio desta série. Aquele monólogo, embora muito sensível e bonito, não era essencial para a narrativa e foi redundante, pois “gritou” coisas que já estavam muito claras, até porque o personagem principal também assume o papel de narrador! Ou seja, como se não bastassem os momentos para que o personagem se justificasse e tentasse se fazer compreendido, ainda foi incorporado esse monólogo desnecessário. E são justamente estes momentos de “pausa: preciso me explicar” que geram a necessidade da atuação de Jessica Gunning ser tão brilhante, como foi.
Neste texto há uma tentativa falha de entender o sucesso dessa série. Ainda não consigo entender nem o lado da crítica, nem o da audiência. Não é uma série tão profunda ou bem escrita e dirigida como “Better Call Saul”, “Succession”, “Lovecraft County” ou “Killing Eve” para ser aclamada pela crítica, nem tão chiclete quanto outras para ser tão adorada pela audiência.
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Autoria: Gustavo Abou
Revisão: Laura Freitas e Ana Carolina Clauss
Imagem de capa: Netflix
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