A população etíope enfrenta fome generalizada, violência perpetrada pelas tropas nacionais e por guerrilheiros que cometem execuções extrajudiciais, atrocidades em massa e violência sexual contra civis. Para além disso, o Chifre Africano encara uma prolongada seca que ameaça deixar mais de 13 milhões de pessoas com fome. A situação na região é de calamidade e pede maior atenção internacional.
Fatuma Hussein,65, deslocada de sua localidade em um abrigo para refugiados por conta do conflito entre a Defesa Nacional e os Tigrés (Foto:Tiksa Negeri/Reuters)
Tanto contra as Forças de Defesa Nacional da Etiópia (ENDF) quanto contra a Frente Popular de Libertação do Tigré (TPLF) vem sendo acusadas de violações de direitos humanos. O caso mais recente veio à tona dias atrás (15 de março), quando um vídeo compartilhado em redes sociais mostrou um homem fardado queimando um civil vivo na parte ocidental da Etiópia. A atrocidade ocorreu em um vilarejo povoado por um etnia atrelada aos atuais guerrilheiros, onde onze membros do partido da Frente Pela Libertação do Tigré foram capturados pelas forças federais. Deles, dez homens foram fuzilados e o último queimado.
Outra situação dantesca ocorreu também em março deste ano em uma região militar de Benishangul-Gumu, onde um grupo armado não identificado atacou um comboio civil e a sua escolta militar, matando 53 pessoas. Ademais, mais de 300 civis morreram em três meses de ataques aéreos por parte do governo, segundo as Nações Unidas.
Panorama Geral do Conflito Etíope
De forma breve, o conflito se baseia em uma disputa de poder entre o partido TPLF, que já governou previamente o país de maneira descentralizada, e o atual governo, comandado por Abiy Ahmed.
Desde Novembro de 2020 o norte da Etiópia está em conflito após o governo iniciar uma ofensiva contra os Tigrés após líderes locais realizarem eleições regionais e derrubarem o antigo partido do poder. A ofensiva desencadeou-se na guerra e na limpeza étnica atual, com bombardeiros, execuções armadas e abuso sexual. Após 8 meses de ataques governamentais, em Junho de 2021, o TPLF retomou o poder na capital e expulsou os soldados do governo, o que o primeiro-ministro indicou como uma retirada estratégica.
Nomeando os Culpados
A Comissão Etíope de Direitos Humanos (EHRC) responsabiliza tanto o grupo rebelde dos Tigrés quanto o Estado da Etiópia pela morte de mais de 750 civis desde junho do ano passado. Daniel Bekele, chefe da EHRC, comenta sobre as calamidades contra a população feminina que ocorreram durante o conflito etíope: “O abuso e a exploração sexual das mulheres, por exemplo, é uma utilização sistemática para as forças dos Tigrés alcançarem o seu objetivo de guerra”. Ele também alerta que a situação apenas piora, visto que os números de denúncias feitas ao órgão internacional seguem aumentando. Segundo uma reportagem da DW, o escritório de Bekele “continuou a receber denúncias de violações graves e em larga escala dos Direitos Humanos no contexto da expansão do conflito nas regiões de Afar e Amhara, além do Tigré” entre 22 de novembro de 2021 e 28 de fevereiro deste ano.
O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, ganhador do Prêmio Nobel da Paz devido ao seu trabalho de reconciliação entre um conflito territorial entre o seu país e a vizinha Eritréia, agora é acusado pela EHRC por crimes contra a humanidade. Contudo, o mesmo nega o ataque a civis. Como retribuição pela ajuda, os eritreus parecem estar envolvidos em assassinatos em massa ocorridos na região norte da Etiópia, segundo dados coletados pela Agence France-Presse (AFP). A agência conversou com residentes do vilarejo de Dengolat e os moradores relataram um massacre cometido por soldados que vestiam o uniforme e possuíam dialeto proveniente da Eritreia. Os Tigrés, também na mira do órgão humanitário, acusados das mesmas violações, defendem-se ao acusar a comissão ser um órgão parcial que está atrelado ao Estado e que pode estar com o intuito de prejudicá-los.
Adis Abeba não tem preocupações apenas acerca das calamidades cometidas por atores estatais e não-estatais. Mesmo estando localizada na nascente do Rio Nilo Azul, a Etiópia está enfrentando um período de seca somado com uma praga de gafanhotos que devastou as plantações entre 2019 e 2021. Essas complicações geram insegurança alimentar e mortes, posto que não há sustento básico para famílias na região, que dependem da pecuária e da agricultura.
África em segundo plano
O conflito já deixou milhares de mortos e causou o deslocamento de dois milhões de pessoas, contudo não chama a atenção da comunidade internacional como a guerra na Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro. Para o embaixador brasileiro na Etiópia, Luiz Eduardo Villarinho Pedroso, essa disparidade de tratamento explica-se, em parte, por uma “visão eurocêntrica”.
Maher Mezahi, jornalista argelino-canadense, escreveu: “Sim, [nos conflitos africanos] há declarações de preocupação e enviados internacionais em missões, mas nenhuma cobertura 24 horas, nenhuma declaração televisionada ao vivo de líderes globais e nenhuma oferta entusiasmada de ajuda.”.
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Revisão: André Rhinow e Beatriz Nassar
KRIPPAHI, Cristina. Direitos Humanos na Etiópia sobre constante ataque. DW, 18 de Março de 2022. Disponível em:
https://www.dw.com/pt-002/direitos-humanos-na-eti%C3%B3pia-sob-constante-ataque/a-61169677.Acesso em: 18 de fevereiro de 2021
No Chifre da África, a seca deixa 13 milhões de pessoas ameaçadas pela fome. Isto é Dinheiro, 23 de fevereiro de 2022. Disponível em:
https://www.istoedinheiro.com.br/no-chifre-da-africa-a-seca-deixa-13-milhoes-de-pessoas-ameacadas-pela-fome/. Acesso em 19 de Março
EUA denunciam 'limpeza étnica" na Etiópia. Estado de Minas, 10 de Março de 2022. Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/03/10/interna_internacional,1245358/eua-denunciam-limpeza-etnica-na-etiopia.shtml. Acesso em 19 de Março de 2022
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