A pobreza é um problema de extrema importância, tanto para a economia como para a sociedade. Como o método de randomização nos estudos microeconômicos é capaz de combater tal questão? O texto de hoje é do nosso redator Bruno Daré!
Diminuir a pobreza é um problema central da economia – arrisco dizer que foi o que motivou precursores do pensamento econômico, de Adam Smith a Karl Marx. Mais do que isso, é razão de discordâncias na sociologia, na filosofia, na mesa de jantar, e no debate público mundial. Há consenso sobre querermos combater a pobreza, assim, a discussão que nos resta orbita nos caminhos políticos e econômicos para combatê-la.
São muitos os comos propostos pelos pensadores dos mais diversos espectros políticos – regular o mercado, desregular o mercado, ampliar o Bolsa Família, tomar os meios de produção, priorizar a reforma da previdência, investir em educação. Mas quais os melhores mecanismos? Que métodos utilizar para descobrir tais mecanismos? São essas algumas das perguntas que os prêmios Nobel querem responder.
Buscando compreender as colaborações destes autores, entrevistamos o professor Bruno Ferman, que possui graduação (2000-2003) e mestrado (2004-2006) em Economia pela PUC-RJ, e foi orientado por Esther Duflo em seu doutorado também em Economia, pelo MIT (2006-2012). Foi professor da George Washington University até 2013 e é pesquisador da área de microeconomia aplicada. Atualmente, é professor da Escola de Economia de São Paulo, FGV.
Qual é a principal contribuição dos trabalhos de Michael Kremer, Abhijit Banerjee e Esther Duflo para a Economia?
“A principal contribuição deles foi colocar a metodologia de experimentos de campo como padrão para estudos empíricos em economia do desenvolvimento. Isto possibilitou testar de forma mais rigorosa teorias econômicas, e avaliar a eficácia de diferentes programas para redução de pobreza. Esse movimento inspirou uma geração de economistas a, seguindo esta mesma metodologia, aumentar o conhecimento sobre como combater a pobreza em temas tão diversos como educação, saúde, trabalho, corrupção, entre tantos outros.”
Kremer foi um dos pioneiros na popularização do método de randomização nos estudos microeconométricos – publicou um artigo em 2007, cuja coautora é Esther Duflo, intitulado Using Randomization in Development Economics Research: a Toolkit(¹), no qual os pesquisadores tratam da epistemologia do método. Intuitivamente, a ideia de randomizar num experimento foi importada da medicina – separamos aleatoriamente a população em dois grupos, damos um tratamento a um grupo e um “placebo” ao outro, a fim de encontrar o efeito causal do tratamento.
Fugindo da abstração do método, vejamos um dos experimentos da pessoa mais jovem a receber o Nobel de Economia, Esther Duflo. Como explicado por ela mesma durante seu Ted Talk(²) de 2010, o trabalho consiste em identificar os efeitos de diferentes políticas de incentivos na imunização de crianças contra o sarampo. Para isso, dentre os 134 vilarejos de Udaipur, alguns distritos tiveram acesso ao serviço de imunização facilitado; outros, além de terem o acesso facilitado, receberam um quilo de lentilha para entregar a cada criança imunizada; e o restante dos distritos não recebeu nenhum dos dois incentivos – para funcionarem como contrafactual – e, obviamente, os distritos foram randomicamente escolhidos.
Os resultados encontrados foram bastante interessantes e de grande utilidade para o desenho de políticas públicas. Nos vilarejos “placebos”, houve um aumento de 5% no número de crianças imunizadas ao passo que, nos vilarejos que tiveram o serviço facilitado, houve um aumento de 15%. Por último, nos distritos em que as pessoas recebiam lentilha para cada criança imunizada, observou-se um aumento de espantosos 38%. Duflo explica que as lentilhas funcionam como um incentivo para a imunização imediata e, em contrapartida, a facilitação sozinha mantém as pessoas adiando a imunização, “deixando pra depois”.
O mérito do método econométrico é o de despolitizar as soluções desses problemas – identificar empiricamente quais caminhos solucionam cada questão. É claro que cabe à sociedade escolher objetivos a serem alcançados e restrições morais a serem respeitadas mas, a partir disso, a economia pode auxiliar nos caminhos que levam a determinados destinos.
Quais resultados você considera mais interessantes dos experimentos realizados?
“Um exemplo de estudo muito influente realizado usando experimentos de campo foi o do PROGRESA, no México. Este é um programa de transferência de renda condicional, assim como o bolsa família no Brasil. Em uma série de estudos, foram avaliados os efeitos deste programa em uma série de resultados, como educação e saúde. O mais interessante é que estes programas comumente geram debates sobre como eles modificariam o comportamento dos beneficiários, e sobre quais seriam os seus efeitos. Avaliações como esta podem fazer com que o debate saia do campo ideológico, e passe a ser baseado em dados.”
Conclusões dessa vanguarda “randomista” foram compiladas em um paper de Michael Kremer, intitulado Improving Education in the Developing World: what have we learned from randomized evaluations?(³). Uma das conclusões diz respeito ao programa mexicano PROGRESA, que transferiu renda para as mães pobres que enviassem os filhos às escolas, desde que tivessem presença de ao menos 85%. Os pesquisadores reportaram um aumento nas inscrições de 3,4% e um aumento de 11,1 pontos percentuais das pessoas que migraram da elementary school para junior school, ou seja, pessoas que permaneceram na escola depois da implementação do programa.
Ainda sobre educação, um estudo desenvolvido por Duflo e Kremer analisou os efeitos de contratar um professor com acordos de curto prazo (que poderiam ser estendidos a depender do desempenho do professor) e os de ter um professor para uma quantidade menor de alunos. Os dados sugerem que a primeira política de incentivos de fato aumentou o desempenho dos alunos, enquanto a segunda política – salas com menos alunos – não apresentou melhoras estatisticamente significantes, comparadas às salas de tamanho convencional.
Graças às contribuições de Duflo, Kremer e Banerjee, sabemos mais dos porquês microeconômicos de países em situações de pobreza extrema. Também contribuíram para que, aos poucos, a discussão sobre os comos tenha menos a ver com ideologias e crenças e mais a ver com métodos e resultados empíricos. Caminhamos para um futuro no qual a opinião fundamentada em apelos emocionais sobre o Bolsa Família, o SUS e a privatização do Correios não diz nada sobre a efetividade dessas políticas.
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