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“Quem é?”
Gazeta em Cartaz!
“Gazeta em Cartaz, who?”
A Gazeta em Cartaz está de volta! E neste retorno, falaremos de um dos filmes mais aguardados de 2024: “Coringa: Delírio a Dois”. Com a estreia em 3 de outubro nos cinemas brasileiros, o longa-metragem tem dividido opiniões e decepcionando boa parte da audiência.
Dirigido por Todd Phillips, o longa traz os desdobramentos dos acontecimentos do primeiro filme. Em 2019, “Coringa” surpreendeu o público ao abordar um prisma não esperado do vilão mais famoso da DC.
Pobre, abusado física e sexualmente quando criança e com doenças mentais, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) representa, ao longo de “Coringa”, todos aqueles que são discriminados e excluídos pela sociedade. Essas nuances são agravadas no momento em que a Prefeitura de Gotham encerra os serviços de assistência social que atendiam o protagonista.
Diante disso, Arthur Fleck ainda passa por conflitos em todos os âmbitos de sua vida, como em seu trabalho e na sua família. Incapaz de lidar com tantos problemas, o protagonista explode e comete uma série de assassinatos, incluindo o de playboys famosos e o de sua mãe.
Como mencionado previamente, “Coringa” foi um sucesso de público, arrecadando mais de US$1 bilhão nas bilheterias de todo o mundo. Nas premiações, o longa obteve 11 indicações no Oscar de 2020 – o filme mais indicado daquele ano –, incluindo “Melhor Filme”, “Melhor Diretor” e “Melhor Ator”. Tendo, nesta última categoria, Joaquin Phoenix sido premiado.
Em decorrência desse triunfo, três anos após o lançamento, Todd Phillips confirmou que “Coringa” ganharia uma sequência. Desde o anúncio, o público passou a especular como seria esse segundo filme, questionado, até mesmo, qual seria a sua necessidade.
Ainda na onda de anúncios sobre o longa, outros dois surpreenderam. Em 2022, a atriz e cantora, Lady Gaga, teve sua participação como “Harley Quinn” confirmada. Também foi anunciado que o longa seria um musical. E, embora a participação de Gaga tenha sido comemorada por muitos, a segunda notícia não foi recepcionada da mesma forma.
Podemos afirmar que essa percepção inicial foi um erro. “Coringa: Delírio a Dois” pode até ter seus problemas, mas nenhum deles é ligado a escolha de ser um musical. Com boas cenas, o longa utiliza a música como recurso narrativo, conectando-se, dessa forma, com o primeiro filme.
Em “Coringa”, a música e dança são apresentadas ao público como uma forma de Arthur Fleck conectar-se com a sua liberdade e com um certo escapismo daquela realidade hostil. O mesmo ocorre em seu sucessor, quando, por exemplo, frente ao desmoronamento de uma mentira criada para proteger-se, Fleck foge da realidade para um quadro musical. Essa é, inclusive, uma das melhores cenas do filme, na qual fica clara a disputa entre as figuras de Arthur e Coringa.
Tal dualidade de personas é o cerne do longa. Como um filme de consequências, a continuação perpassa todo o julgamento dos homicídios cometidos pelo protagonista em “Coringa”. Porém, com o confronto de acusação e defesa no entorno de uma dúvida: quem teria sido o assassino? Arthur Fleck ou Coringa? A resposta tem decepcionado boa parte do público…
A boa recepção inicial a Lady Gaga também não se manteve após a estreia do filme. Verdade seja dita: boa parte das críticas ao longa tem sido direcionadas a personagem interpretada pela atriz e cantora. Contudo, faz-se necessário destacar que esses comentários comumente confundem a atuação, que de fato não é formal, com a personagem.
Entretanto, a atuação de Gaga se sustenta ao longo do filme, acompanhada do personagem de Phoenix, já consolidado no papel. A atriz é capaz de esboçar crueldade como o cerne da personagem, mas também não deixa de revelar compaixão pela parte de Arthur Fleck que a interessa. Na realidade, a decepção generalizada com a nova personagem pode revelar uma carência na direção de atores ou, então, intenções de usar o interesse romântico do protagonista como uma alegoria – ou um meio de angariar um público ainda mais massivo para o filme.
A resposta ao primeiro filme “Coringa”, surpreendeu o diretor pelo fato do longa ter sido utilizado como inspiração ou justificativa para a disseminação de comportamento violento e também apoio à comunidade “redpill” – grupo de homens misóginos que se opõem a um “sistema que privilegia as mulheres” – e semelhantes. Através dessa perspectiva, a continuação coloca o uso da imagem do Coringa em pauta, de forma a desafiar o público a refletir sobre a criação de mitos.
Por meio deste, Todd Phillips realiza uma declaração de intenção correspondente a ambos os filmes. Dessa maneira, o papel de Lee é justamente o de uma representação do fanatismo e culto à personalidade construída na primeira obra; levando à sua desconstrução na continuação.
Agora, observado através de aspectos técnicos, “Coringa: Delírio a Dois” mantém o espetáculo visual legado pelo primeiro longa-metragem, também assinado por Todd Phillips. Ainda assim, a construção sonora foi uma revelação surpreendente desde o início. O investimento em áudio por parte da obra era obrigatório devido à modalidade musical, mas para além da trilha sonora, a construção do ambiente por meio da sonoridade incorpora o espectador na obra.
Juntando seus bons aspectos técnicos com a trama mencionada, “Coringa: Delírio a Dois” tenta tecer também uma crítica atual à indústria do entretenimento. A canção “That’s entertainment”, interpretada por Lady Gaga, exprime exatamente isso.
Sob um contexto social, em que “Dahmer”, “A Mulher da Casa Abandonada”, “Caso P. Diddy” e tantos outros true crimes são aclamados pela audiência, que busca crimes cada vez mais crueis para saciar seu desejo consumista – seja à via de obras cinematográficas ou vídeos sensacionalistas no TikTok –, “Coringa: Delírio a Dois” alveja esse fenômeno.
No entanto, mesmo que a ideia seja boa, Todd Phillips não cumpre seu propósito com excelência. A proposta de demonstrar Arthur Fleck (ou o Coringa) como um ídolo, um monstro ou uma pessoa comum é uma questão interessante e muito desafiadora, mas que de fato foi um ponto de quebra de expectativa para o público.
Afinal, Todd Phillips precisou de muita coragem para incorporar sua própria narrativa na história de um dos maiores vilões do mundo dos super-herois. E isso pode ter reduzido significativamente a avaliação geral, porém possui seu valor ao somar novos conflitos e nuances ao enredo.
De tal maneira, o filme segue os passos de seu antecessor, destacando-se de outros do mesmo gênero. A subversão da história original foi inesperada, divergindo das produções repetitivas de super-herois que pouco ou nada inovam a cada lançamento. Diferentemente dessas, “Coringa: Delírio a Dois” é uma surpresa. E, mesmo que para alguns ela pareça negativa, talvez, sim, isso seja entretenimento!
Autoria: Erick Martins Rosario e Julia Pujol Costalunga
Revisão: Artur Santilli
Imagem da capa: Instragam @toddphillips
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