DESCONHECIDO: AS COISAS QUE EU AINDA NÃO SEI
- Carolina Setten
- 3 de jul.
- 7 min de leitura

Amo conhecer coisas novas. Pessoas, músicas, bares… acho que a experiência de ter contato com aquilo que eu não conheço muito bem enriquece muito a perspectiva do dia a dia, dos eventos corriqueiros. Mas, depois das mais variadas desilusões e de várias surpresas indesejadas, inconveniências que acontecem inevitavelmente ao longo da vida, será que desvendar o desconhecido é algo tão bom assim? Cheguei à conclusão que o desconhecido vai muito além daquilo que sabemos que um dia teremos. Penso nesse tal desconhecido como uma entidade que engloba coisas que ainda nem sei nomear, fatos que ainda farão da minha memória um retrato perfeito da nostalgia. Me pergunto qual o poder das coisas que eu não conheço e como elas irão desafiar a ideia de vida perfeita que passei construindo nos últimos anos. Sinto essa ansiedade correr pelo meu corpo e talvez a mágica das coisas novas resida neste limbo preenchido por incontáveis dúvidas que me impede de ter a confortável certeza que procuro me convencer ter em todas as minhas decisões, as quais, na maioria das vezes, são tomadas às pressas ou com um bocado de fé como embasamento. E, ao tentar domar esse limbo, me questiono se essa sensação um dia irá embora e se essa dança, que realizo com o desconhecido, deixará de ser sedutora e tornará o improvável em algo essencialmente desesperador.
Me pergunto como eu seria se nunca tivesse recebido a mensagem daquela pessoa, se eu nunca soubesse o que ela realmente pensava de mim. Talvez eu fosse mais feliz hoje e não tivesse memórias tão tristes daquela fase, daquele tempo que não volta mais. Talvez se eu não soubesse tudo o que eu sei sobre as minhas amigas, desde a data de nascimento até os gostos mais peculiares, eu provavelmente não teria feito as amizades que eu mais amo hoje. Eu não seria quem sou e não teria as camadas que eu tanto gosto de lembrar que existem. É essa dicotomia, esse sentimento que paira entre a aflição de saber e a limitação de talvez nunca entender a realidade, que eu me rendo à tentação e sempre me entrego ao charme dos assuntos desconhecidos, insistindo na ideia de que, dessa vez, eles me completarão. O mesmo desconhecido que nunca me apresenta o seu fator de estranhamento, o qual eu sempre acho que vou partilhar alguma mística natureza comum, alguma essência mútua capaz de me confortar perante a caoticidade do mundo. Mas, oh, como eu sou boa em me enganar.
Conhecer o novo pode ser um malabarismo desconfortável. O processo de se afastar daquilo que não é para você, de redirecionar a rota, é também sobre se desiludir e dar adeus a uma parte sua. Quantas vezes já não mergulhei em oceanos que se resumiam a águas rasas, abri livros e parei nas primeiras páginas, comecei caminhos e dei meia-volta; adentrei quartos e logo fechei a porta. Já perdi a conta de quantas vezes sofri por me despedir daquilo que mal conhecia e incontáveis foram as vezes que me deixei convencer pelo desconhecido, dando trabalho para o futuro consertar. Aliás, o que seria do futuro senão o grande curandeiro das feridas abertas, dos amores não superados, dos cigarros já não mais acesos. O futuro, que dança com o desconhecido e que não se limita às poucas ideias que tenho hoje. Esse desconhecido que ilude, abraça e te dá aquilo que o familiar já não fornece mais. O desconhecido, irmão gêmeo da idealização. Idealização esta que é espaçosa o suficiente para ser carregada pelo ar, o próprio arauto das imaginações eternas. Brigo comigo mesma para não estimular as minhas próprias idealizações, mas me pergunto o que seria do ser humano sem a mais deliciosa versão delas. Me pergunto o que seria de nós sem a esperança de que as coisas um dia vão melhorar, que o futuro é apenas uma fração da vida que ainda está longe, ou que o outro é o tão sonhado amor de nossas vidas. A idealização que, sem você saber, te abre margem para sentimentos que depois terão outro nome e serão substituídos por versões evidenciadas pela mais crua verdade, a qual não há como fugir.
Acho que o desconhecido sempre se apresentará para mim como algo atrativo, como um fator que eu sempre irei querer saber sobre. Crio uma intimidade com ele mesmo antes de entender que o desconhecido, no meio de tantos devaneios, só existiu na minha cabeça. No fim, ele se mostra apenas um mosaico das projeções de terceiros, o próprio distúrbio que busco evitar a todo custo. Acordando de meus devaneios, percebo que o intocável desconhecido só deixará de ser aquilo que para mim é se a vida mostrar o contrário. Porém, apesar da vida me contrariar, sou teimosa e continuo a achar que o desconhecido será melhor, tendo a esperança que aquilo que não conheço será mais do que aquilo que eu preciso e que a última experiência ruim foi apenas azar. O indivíduo desconhecido sempre me será palco de admiração, uma tela em branco que me concede a liberdade de pintar as mais abstratas imagens, desafiando o óbvio e alimentando a minha imaginação. Chega até a ser um pouco narcísico, porque começo a acreditar que teremos os mesmos gostos, os quais refletem as coisas que mais valorizo. Falo que estou pintando uma tela, mas todos os meus traços são medidos com um espelho.
Já não sei quantas vezes conheci pessoas que despertaram o meu interesse e, por saber pouco delas, eu as idealizei. Enchi as lacunas com aquilo que jurei ser real, desenvolvi um senso de empatia que depois me abocanhou pela dependência e sofri com longas despedidas enquanto, muitas vezes, retornei para mim sozinha, dando voltas e voltas nas mazelas da minha própria existência. Experiências essas que retornam à minha cabeça durante porres e conversas, que hoje terminam em risadas e me dão a convicção necessária para dar tchau a uma simpatia embrionária, oriunda de um eco do meu próprio ser que tentarei não projetar no próximo estranho que cruzar o meu caminho.
Desconheço locais que nunca fui. Desconheço as curvas do caminho que não segui. Sempre me perguntei se ficaria me questionando sobre ter feito uma coisa e não outra. Mas, no final, eu sempre esqueço desses “e ses”. Porém, de vez em quando, me pergunto se realmente não perdi coisas ou oportunidades melhores, estas que me tiram o sono pela possibilidade desperdiçada de transformação e me fazem olhar pela janela enquanto São Paulo se encontra pouco desperta. Me pego pensando como é doloroso não saber. Como é difícil ser deixado para trás, ser o indivíduo esquecido pelo outro; empoeirado pelo tempo. Como é difícil não conhecer aquela pessoa que você jurava ter tudo a ver e como é impalatável deixar ir aquilo que nunca se concretizou.
E, apesar de às vezes me sentir rejeitada por ele, me pego pensando como o desconhecido continua a me cativar pela possibilidade de vida, pelo seu sopro de imprevisibilidade. O desconhecido me fisga pela comparação, sendo uma fuga involuntária capaz de salientar toda a insatisfação que um dia passou pela minha cabeça. O desconhecido dá asas para a minha imaginação e tudo ganha tons próprios, que se mesclam profundamente quando ficam lado a lado com o cansaço. Às vezes, os contrastes se expandem a ponto de eu não passar um dia sem o fantasma das coisas que eu não sei se vieram para me assombrar ou para simplesmente debochar de mim, me lembrar que o “tão doído desconhecido” se desfarelará nas minhas mãos e que, um dia, eu só vou ter a memória de como as coisas pareciam tão etéreas a ponto de serem passíveis de modificação. E, talvez, no final do dia, eu mude de ideia e dê graças a Deus por não saber, por dar as mãos ao desconhecido, apesar de também chorar perante a hiperbolização dos meus problemas e por ainda não conhecer os seus desfechos. Gosto de pensar em finais absurdos e dar chance ao improvável, até mesmo de eventos passados. Entretanto, entendo as limitações desse jogo no início: percebo que não gostaria de saber como seria se aquela prova não tivesse dado certo, se o exame da autoescola não fosse algo que eu tivesse feito apenas uma vez ou se eu não tivesse vindo para São Paulo. Eu realmente não quero saber e, a partir dessa recusa, eu me conheço um pouco mais. Às vezes, a ignorância se prova uma benção, mas estamos tão distraídos com os mais diversificados símbolos que esquecemos disso.
Admito que, de vez em quando, é um ato necessário não ir atrás, de não querer saber a fundo o porquê de algo não nos servir mais. É necessário deixar ir e aceitar a dor do fatídico esquecimento. Não precisamos saber de tudo da mesma forma que não devemos saber sobre tudo. Há de deixar um lugar para o mistério, para a imaginação, mesmo que esta se prove errônea ou dramática no decorrer do tempo. Para estas frustrações a gente dá um jeito, a juventude e os solavancos que tiramos dela nos ajudará a mobilizar forças para a resolução. Espero que o universo nos permita lembrar do valor das coisas não ditas, da capacidade de interpretação, do nosso tempo com a gente mesmo. Temos que dar espaço às sensações esquecidas que, com o tempo, voltarão a ser novas. Colecionaremos tantas desilusões com as coisas que ainda não conhecemos que a vida em si se tornará estranha de certa forma, já que somos lembrados constantemente de que não temos certeza de nada. E continuo tentando aprender a como seguir por meio desse encontro a três, eu, a vida e o que eu ainda não sei dela.
E, por fim, percebo que o desconhecido só afeta o ser humano, só penetra o seu âmago quando aquele tem algo a lhes oferecer. Senão, é só mais um dos componentes dos dias de sorte. Os assuntos desconhecidos sempre se apresentarão como um convite, uma eterna mão estendida para os meus futuros assuntos, bares e indivíduos favoritos. Não sei dar conselhos quanto a superar as coisas desconhecidas, uma vez que ainda me despeço delas toda a noite, quando olho para os distantes apartamentos acesos e me pergunto se um dia essas pessoas que eu não conheço se tornarão grandes companheiros ou amigos do peito. Entendo, mesmo que a contragosto, que eu amo o desconhecido, e esta fascinação ainda me convence a me projetar para o outro, a torná-lo o meu palco apoteótico de ilusões que, conjuntamente às multidões que com o passar do tempo virão a minha sombra, me farão esquecer da beleza frustrante das coisas que ainda não sei.
Autora: Carolina Setten
Revisão: Ana Carolina Clauss
Imagem da capa: Pinterest
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