O despertador toca e você mal tem energia para sair da cama, mas levanta, coisa que não fará daqui alguns meses, quando a energia terá acabado de vez e você fará para si a pergunta “de que importa?” e responderá “nada”. Toma banho, café da manhã. Assiste aula. No futuro, deixará o computador falando sozinho para fazer qualquer outra coisa — dormir, passar intermináveis horas no celular, ler O Tempo e o Vento, porque assistir aula simplesmente não funciona. Sempre admirou quem se distrai da tristeza mergulhando-se em estudos, mas nunca conseguiu fazer isso. Você assiste e reassiste séries e filmes, fica obcecada por bandas e livros, tudo para se esquecer pelo menos por um momento de você.
Minha psicóloga disse que as distrações são boas, mas sei por sua causa que elas não adiantam tanto assim. Depois da distração, vem sempre aquela anestesia que incomoda, como o gosto amargo na boca depois de um cochilo à tarde. Ainda assim, distrair-se é o melhor que você consegue fazer. É melhor distrair-se do que encarar o ar pensando em tudo e absolutamente nada com a pergunta “De que importa?” pairando sobre sua cabeça. Acontece que, às vezes, não consegue se distrair. Falta algo. Nunca entendeu o quê. Esses são seus piores dias, os dias em que nada te tira dessa inércia. Você disse para a psiquiatra que se sentia vaga. Ela não entendeu, mas é exatamente isso. Se sente vaga. E não sabe como sair disso, não consegue sair. Talvez em parte por isso você chora inesperadamente, do nada, sem gatilho nenhum, apenas chora. E acha isso muito estranho, porque você não era de chorar.
Fazia dois anos já que você fingia orgulho ao dizer “eu não choro”. Mas, às vezes, queria chorar, queria, mas não conseguia. Nó na garganta e tudo, mas nada de lágrimas. Agora já não é mais assim. Você chora. E chora feio, chora de dor, mas não sabe dizer onde dói. Chora escondida, no escuro, com a água do chuveiro e a música escondendo seus soluços e suspiros descontrolados. Você se contorce, aperta a cabeça entre os braços, encolhe os joelhos ao peito, finca as unhas nas pernas, mas nada desse estardalhaço te leva à resposta da maldita pergunta: “Por quê?”. Você se sente patética, acha sua situação patética e pensa em como o choro não serve para nada além de causar dor de cabeça. Depois que sai do banho, fica por um tempo sentada no chão do banheiro enrolada na toalha, recuperando-se. Às vezes chora novamente. Ao sair dali, faz todo o esforço para não deixar que qualquer um suspeite de qualquer coisa; não sai do quarto antes de ter certeza que seus olhos não estão mais vermelhos. Ninguém pode saber, porque você não quer preocupar ninguém.
Mas ela sabe. Ela se preocupa. E você estendeu a preocupação dela ao tentar não preocupá-la. Tentou tanto não machucá-la que a machucou. Descobriu isso quando finalmente foi sincera com ela, quando disse que está triste o tempo inteiro, que seus dias passam como um borrão, que, às vezes, sair da cama é tarefa impossível, que não tem energia, nem vontade de fazer nada, que não se anima com nada…Ela não sabia da história toda, mas tinha pedaços suficientes para entender o que se passava com você. E disse que tudo bem, que vamos procurar ajuda. Ajuda. Aquilo que você nunca soube pedir. Ainda não sei. Você sempre pensava “Daqui a pouco passa”. E passava. Só que depois voltava. Era o ciclo interminável.
E você nunca admitiu, mas não sabe quebrá-lo. No fundo, você sabia que não conseguiria sair disso sozinha, mas permanecia calada. Essa é outra coisa que nunca entendeu. Esse apego pela tristeza, pela dor. Seria masoquismo? Você gosta de se ver sofrendo? Ou seria apenas medo? Você não sabe, nem eu sei. O que sei e o que você sabe é que a melancolia é como um grande e macio edredom em uma noite fria. É confortável, aconchegante. E você estava a tanto tempo nela que não sabia como seria sem ela. Chegou a achar que a tristeza era parte intrínseca de seu ser. Talvez seja. Mas não é tudo que você é, demorei para chegar a essa conclusão.
Autoria: Anônimo
Revisão: Anna Cecília Serrano e Beatriz Nassar
Imagem de capa: subwaytiles.tumblr
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