"Estamos criando memórias", dizia minha amiga Joana enquanto corríamos loucamente para pegar o ônibus em meio a uma chuvarada, dessas em que parece que o mundo inteiro vai cair.
Conheci a Joana no nono ano. Temos quase a mesma idade, mas me lembro de como ela parecia ter vivido muito mais. Já tinha morado em outra cidade — inclusive tem um sotaque mineiro fofíssimo, vocês precisam ouvi-la falando —, andava de ônibus sozinha desde o sexto ano e tinha tantas histórias para contar.
Foi por conta dela que meus pais finalmente me deixaram voltar para casa de ônibus. Fazíamos o mesmo caminho, ela descia quatro paradas antes de mim. A companhia dela foi o empurrãozinho que faltava para meus pais finalmente me concederem esse pouquinho de independência. Eu, sempre nessa pressa de crescer, encarava o ônibus como um símbolo do meu amadurecimento: finalmente poderia enfrentar o mundo sozinha. Na verdade, não sozinha, com ela.
Nessas nossas viagens de ônibus acho que usamos todos os jogos quebra-gelo imagináveis, nessa curiosidade de descobrir cada vez mais sobre a outra. Jogamos "eu nunca", "isto ou aquilo" e o meu favorito, "e se…", que já não me lembro se encontramos em alguma pesquisa por jogos no Google ou simplesmente criamos sozinhas, mas acho que foi invenção dela. A ideia era bem simples, pensar em momentos ou decisões pequenas, mas que, se tivessem sido diferentes, teriam mudado nossas vidas drasticamente. Meio na linha do efeito borboleta, como o bater de asas de uma borboleta pode provocar um furacão do outro lado do mundo.
Eu lembro dela me contando do dia em que fez a prova para entrar na nossa escola. De como poderiam ter acontecido mil coisas, faltado tinta na caneta, o carro quebrado no caminho, falado a coisa errada no debate e ela não teria passado. Mas não. Ela fez a prova e passou. E esse sempre foi meu "e se…" favorito, porque terminava com "se eu não tivesse passado naquela prova, eu nunca teria conhecido você", com aquele tom de "ainda bem que eu passei naquela prova…".
A vida continua e, muitas viagens de ônibus depois, de repente, já estávamos nos formando e veio aquela insegurança de nos afastarmos, de ser mais um "e se" no nosso jogo. De fato, nossos caminhos tomaram rumos diferentes e a correria do dia a dia tornou difícil nos encontrarmos. Depois de anos a vendo todo dia na escola, essa nova rotina parecia querer nos separar.
Mas não, continuamos próximas, continuamos criando memórias juntas. E, toda vez que passo por chuva, por qualquer situação desagradável ou constrangedora, penso: "Estamos criando memórias". E toda decisão que tomo, me lembro do "e se…" e penso nessas amizades que mudam a forma como olhamos para o mundo, dessas que sempre vão fazer parte de quem somos.
Autora: Sofia Nishioka Almeida
Revisão: Bruna Ballestero, André Rhinow e Glendha Visani
Imagem de capa: por Silouxa
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