Eu realmente queria que andar por 11 andares não fosse um suicídio moral seguido do paraíso de uma festa universitária e o inferno de queimar meu cérebro em provas. Desejava que a aprovação não me custasse os resquícios de saúde mental que o vestibular me deixou. Queria que não fosse problemático questionar o quanto o cotidiano me custa — e nem estou falando de dinheiro —, mas o que eu poderia esperar de um lugar dedicado a alguém que, em nome da política, tirou sua própria vida?
Conviver em uma instituição privada que forma para business é sentir sonhos assassinados pela elite da metrópole que não dorme. Não apenas os jovens que foram privados de acessá-la e idealizar seus negócios de sucesso. Já não bastassem os sonhos aniquilados pela falta de capital, aqui vivem sonhadores suicidas; aqui é a capital.
E aqueles que não morreram ainda? Quem sabe da sua arte, quem sente sua verdade, quem ainda não consegue se enforcar com uma jaqueta puffer e um escapulário. Aos que ainda têm alma, cabe questionar. Duvidar silenciosamente enquanto cumprem os horários da semana. Aos que já conheceram sua paz, cabe se distanciar. Fazer um silêncio tão gritante que espante todos no fumódromo — sim, um vício dá nome ao espaço de relaxamento mais frequentado da Fundação.
Mas há quem se faça de cego para tudo isso e ainda veja detalhes genuínos no cotidiano. Há quem não tenha se vendido e já tenha sido comprado. Há quem não compre esses ópios e prefira o ócio. Há quem sonhe. Mas, no fim do dia, a opinião de todos é submetida ao sistema e transformada em negócio.
A rotina de provas, conteúdos excessivos e ausência de sol nos priva da alegria. Ao privar estudantes da vida, passamos a buscar o excesso dela em fugas. A gente quer viver, em 8h de festa, a felicidade que não sentimos em uma semana vazia. A gente quer compensar o dia cansativo em uma noite. A gente quer viver, mas nosso cérebro está tomado por uma liquidez e letargia, então nos resta fugir dessa realidade para fazer e esquecer memórias. Eu sinto falta de quando meus melhores momentos eram de sobriedade.
Vícios, sonhos abandonados e um relógio que não para. Quem percebe tudo isso sabe que a vida já parou. Como Elis já cantou, o sinal está fechado para nós, que somos jovens. Quem ainda sonha em sonhar, não consegue se submeter a essa roda viva sem questionamentos e inquietações. A saída é transformar o prédio por dentro, espalhando revolução em cada andar. Mas as aulas cansam. O escape acaba. A rotina não é puro êxtase. Sair parece a única saída.
Saio da vida para entrar na aula
Autoria: Ana Cristina R. Henrique
Revisores: Lucas Tacara e Enrico Recco
Imagem de capa: Foto de Getúlio Vargas com edição da autora
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