Na metade do mês de abril de 2024, veiculou-se em diferentes meios de comunicação a escolha anunciada pelo Secretário de Educação do Estado de São Paulo, Renato Feder, de utilizar Inteligência Artificial para produzir aulas digitais que serão assistidas por mais de 3.5 milhões de alunos. A atividade, antes desempenhada por professores designados, promoverá uma nova dinâmica para discentes e docentes que será debatida nesta reportagem.
A escolha para a empreitada foi o ChatGPT, ferramenta desenvolvida pela empresa estadunidense OpenAI, com sede na cidade de São Francisco, Califórnia, lançada em novembro de 2022 e que rapidamente conquistou um grande número de usuários ao redor do mundo. Somente na primeira semana, 1 milhão de pessoas interagiram com a plataforma. Ela tem como formato o Chatbot, em que um programa de computador simula e processa conversas humanas, permitindo a interação do usuário com o dispositivo digital como se o visitante estivesse se comunicando com outro ser humano. A grande diferença é que, através do uso da inteligência artificial, os Chatbots processam informações presentes em suas bases de dados para fornecer respostas a todo tipo de solicitações, a partir do comando inicial.
O ChatGPT, disponível gratuitamente on-line, destaca-se por sua versatilidade e pela qualidade de seus resultados. Em poucos segundos, é possível obter respostas por escrito e geração de imagem sobre os mais variados assuntos. Mas nem tudo são flores, a ferramenta ainda está em desenvolvimento e uma série de problemas são apontados em decorrência do seu uso.
O primeiro consiste no desconhecimento de como o algoritmo do ChatGPT funciona, quais são as fontes utilizadas para análise e qual o filtro realizado para definir o recorte solicitado pelo usuário. Não é raro ler relatos na internet de que a ferramenta oferta respostas com erros, sendo possível aferir inverdades, que podem passar despercebidos por olhos menos atentos. Um estudo realizado pela Universidade de Purdue, com sede em West Lafayette, Indiana, EUA, constatou que a Inteligência Artificial acertou apenas 48% das questões realizadas. Além disso, a pesquisa constatou que os erros, quando não prontamente verificáveis, não são identificados pelos usuários, que acabam por subestimar o grau de impropriedade na resposta. Muitas das imprecisões apresentadas decorrem da incapacidade do ChatGPT de entender o contexto subjacente da pergunta que está sendo feita. A conclusão é de que as ferramentas devem ser utilizadas como auxílio e não para substituir o trabalho humano, tendo em vista as suas imprevisões.
Entretanto, o governo paulista, na gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), adota uma perspectiva diferente. Utilizando como base o material produzido previamente por uma equipe formada por 90 professores, a ferramenta será induzida a produzir aulas digitais que serão disponibilizadas para toda a rede pública estadual. As aulas digitais passaram a ser elaboradas e distribuídas em 2023, primeiro ano do mandato do atual governador e são uma aposta para melhorar os indicadores educacionais de São Paulo.
É neste momento que surge a problemática, quando são colocados em perspectiva os inúmeros erros encontrados nas apostilas esquematizadas previamente. Com as novas ferramentas, os professores terão que aumentar a produtividade e deverão entregar três aulas a cada dois dias úteis, ou seja, serão pelo menos seis aulas produzidas com uso de inteligência artificial, em detrimento das quatro aulas anteriores exigidas. Desta maneira, questiona-se: qual a garantia que as novas aulas serão melhores do que as antigas, tendo em vista a necessidade de checagem do material produzido e o seu aumento da carga de trabalho?
Interessante pensar na questão sob a perspectiva dos profissionais envolvidos. Segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é livre a manifestação do pensamento e a liberdade de consciência, bem como a expressão da atividade intelectual e científica. Quanto à Educação, a Carta dispõe que o ensino será ministrado com base nos princípios da liberdade de ensinar, aprender, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, respeitado o pluralismo de ideias e a gestão democrática, na forma da lei. No entanto, não é o que observa-se no caso em questão, em que os profissionais envolvidos serão condicionados ao conteúdo gerado pela inteligência artificial, e por conta das altas metas de produtividade, não terão o tempo necessário para despender na revisão e proposição de conteúdo de qualidade.
A mensagem que transparece é que o profissional não é levado em conta no momento da tomada de decisão, de modo que o próprio processo de aprendizado fica prejudicado, pois atribui-se mais importância à mera produção de conteúdo, sem atentar-se para a sua qualidade, do que às condições de ensino que os alunos matriculados nas escolas públicas paulistas estão sujeitos.
Este movimento vai na direção contrária ao que é observado em redes de excelência, que privilegiam a produção intelectual por docentes competentes e qualificados, fornecendo os meios necessários para o desenvolvimento do alunato. Através desta decisão, corre-se o risco de aumentar, ainda mais, a discrepância existente entre a educação pública e privada no Brasil, condicionando, muitas vezes, o futuro de crianças e jovens a uma realidade de dificuldades.
O Ministério Público de São Paulo, na figura do promotor Bruno Orsini Simonetti, manifestou preocupação e cobrou explicações do governo estadual para entender, através de um procedimento administrativo, como será a implantação da tecnologia, sua justificativa pedagógica e quais serão as circunstâncias da substituição dos profissionais de educação pelo ChatGPT.
Autoria: Vinícius Conezza
Revisão: Laura Freitas Imagem de Capa: www.terra.com.br
Referências/Fontes:
ESTÚDIO, F. Liberdade de Cátedra. Disponível em: <https://direito.usp.br/noticia/5033846c32ac-liberdade-de-catedra>. Acesso em: 1 maio. 2024.
Gestão Tarcísio vai usar ChatGPT para produzir aulas digitais no lugar de professores. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/04/gestao-tarcisio-vai-usar-chatgpt-para-produzir-aulas-digitais-no-lugar-de-professores.shtml>. Acesso em: 1 maio. 2024.
GPT evolui muito, problemas permanecem e perigos aumentam - 28/03/2023 - Tec - Folha. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/tec/2023/03/gpt-evolui-muito-problemas-permanecem-e-perigos-aumentam.shtml>. Acesso em: 1 maio. 2024.
MEC - Seja um professor. Disponível em: <http://sejaumprofessor.mec.gov.br/internas.php?area=como&id=requisitos>. Acesso em: 1 maio. 2024.
Ministério Público cobra explicação da gestão Tarcísio sobre uso do ChatGPT para produzir aulas. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/04/ministerio-publico-cobra-explicacao-da-gestao-tarcisio-sobre-uso-do-chatgpt-para-produzir-aulas.shtml>. Acesso em: 1 maio. 2024.
O que é um Chatbot? Disponível em: <https://www.oracle.com/br/chatbots/what-is-a-chatbot/>. Acesso em: 1 maio. 2024.
Quem criou o ChatGPT? 6 fatos curiosos sobre a origem do chatbot. Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/listas/2023/04/quem-criou-o-chatgpt-6-fatos-curiosos-sobre-a-origem-do-chatbot-edsoftwares.ghtml>. Acesso em: 1 maio. 2024.
ROSA, V. ChatGPT erra mais de 50% de suas respostas, mas convence usuários de que está certo. Disponível em: <https://br.ign.com/tech/112323/news/chatgpt-erra-mais-de-50-de-suas-respostas-mas-convence-usuarios-de-que-esta-certo>. Acesso em: 1 maio. 2024.
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