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GRUPO DA PARÓQUIA



(Música para leitura: Act Calm – OTE)


O título é incomum, eu sei. Mas, na verdade, é incomum apenas para aqueles que nada decidem neste país (ou em qualquer lugar no mundo). Calma que eu explico. Há alguns dias, fui a uma igreja perto de casa para refletir um pouco. O ambiente, o silêncio e as imagens sempre me trouxeram muita paz, um lugar perfeito para se dar uma pausa e deixar o estresse escapar um pouco pelas frestas da mente e escorrer pelo banco. Às vezes, vou me confessar também, sempre me sinto mais leve depois. E os conselhos são realmente muito bons.


Nesse dia em particular, eu havia entrado pelos fundos. Senti que alguma coisa estava acontecendo na igreja naquele momento e não queria atrapalhar. Dito e feito: era uma missa especial para idosos e enfermos. Quando ela acabou, as pessoas começaram a sair justo pelos fundos, e eu pude avistar aquele grupo tradicionalíssimo das igrejas brasileiras—as senhorinhas. Todas arrumadas, comentando sobre a pregação do dia e contando umas para as outras como estavam ocupadas, como seus filhos e filhas trabalhavam com coisas importantes, mostrando fotos de seus netos, e por aí vai. Elas parecem conhecer todo mundo. Se bobear, conhecem até você, só você que não sabe.


Na maioria das vezes, essas senhorinhas todas estão no tradicional grupo da paróquia, ou grupo de oração da paróquia, grupo do dízimo... pode até ser um outro nome, mas o que eu sei é que sempre tem um grupo. E quer saber de uma coisa? O que eu não daria para dar uma olhada nesse grupo. Digo isso porque não acredito que falem só de dogma e de compromissos religiosos pelo Whatsapp, afinal, elas também são humanas, devem falar de alguma outra coisa. Receita de bolo, remédios bons para dormir, quem sabe até… planos de segurança nacional??


Veja comigo: elas já viveram vidas muito interessantes, com aprendizados e aventuras. E, se você parar para pensar, na maioria das vezes, elas são filhas, mães, avós e  tias de muita gente. Inclusive, elas são mães de executivas, generais, políticos, presidentes de associação... São tias de donos de padarias, supermercados, de lojas de roupas. Acho que você consegue atrelar todo mundo de uma região ao mesmo grupo de senhorinhas da paróquia, inclusive as pessoas influentes.


Sabe de outra coisa? Mãe (parente em geral, mas vem comigo nessa) sempre gosta de dar pitaco nos nossos problemas, não é? Você pode até não concordar muito com a intervenção, mas que às vezes a ideia nem é tão ruim assim é algo que todos um dia já admitimos. E já parou para pensar nas coisas que elas dão pitaco?


Meus problemas nunca passaram de coisas como lembrar aquela receita de cocada da família que eu fazia sempre e agora já nem sei mais se vai leite condensado ou aquelas dúvidas do que fazer de faculdade, trabalho, no domingo à tarde, com o resto da minha vida... coisa básica. Mas eu também sou só mais um José (ou Enrico, haha) na vida. Imagina se meus problemas fossem, sei lá, em que ação investir o lucro da empresa? Ou que ideia trazer para o meu chefe (sabe, o Ministro da Defesa) para ser incorporada a nova versão do Livro Branco de Defesa Nacional? Ou talvez, sei lá, para que tipo de ação os delegados da Paulista deveriam tomar quando tem manifestação? Mas também, quem sabe de tudo isso? Eu sei quem…


Vai me dizer que você nunca escutou sua mãe? Você com certeza já pediu conselho, pelo menos. Mas isso já basta—elas já se infiltram no sistema. Na realidade, as pessoas que estão no poder nada fazem: tudo é resolvido no grupo da paróquia. Agora mesmo, devem estar debatendo sobre como irão sustentar a narrativa diplomática do asilo político da ex-primeira-dama peruana, está logo ali entre que horas é o pastoral do dízimo hoje e se a Cleide vai mesmo ser ministra da Eucaristia na missa das 19h, porque a Maria Lúcia teve que levar o neto em um jogo de futebol importante e é provável que não chegue a tempo. Olha só, um bom dia com uma imagem de São Francisco de Assis. Pera, que PDF é esse? “Estudos para o uso Estratégico da Energia Nuclear pela Marinha – (CLASSIFICADO)”??


E o pior: quem nunca passou um tempo na casa da avó quando pequeno? Você não ouvia o que ela falava? Pois então, além de influenciar a política do presente elas ainda preparam o seu legado moldando o futuro. Já colocam o seu modus operandi nos pequenos—é realmente um plano muito bem articulado.


E ao final do dia, quem pode reclamar? Se o mundo for realmente controlado por senhorinhas de igreja, então eu prefiro acreditar que todo o caos é só cortina de fumaça, porque se elas atuassem da melhor forma que poderiam, capaz que a fome mundial já tivesse sido resolvida com cafés e broas da tarde. E elas também fazem um bom trabalho mantendo tudo em segredo, mas imagina só se elas, um dia, sei lá, adicionassem um jornalista sem querer no grupo e começassem a falar de negócios bem nessa hora? Vamos com calma—elas podem até ser senhorinhas, mas de senis elas não têm nada.


Penso em tudo isso enquanto me sento naquele banco de igreja, vendo a nova ordem mundial ser formada na minha frente, enquanto procuram pela Nilce, que aparentemente estava na primeira fileira, mas acabou sumindo. Daqui a pouco rezam para São Longuinho, ou acionam a rede GNSS para encontrar a última localização do celular dela, o que for mais fácil.


Qualquer coisa também tem sempre o bom e velho grupo da paróquia. Frei Marcos acabou de anunciar a programação pós-Páscoa. Vai ser de arromba.



P.S. Após o falecimento do Papa Francisco, os grupos das paróquias já estão sendo mobilizados para a escolha do próximo papa. Assim que elas tomarem uma decisão, o Conclave em Roma será informado o mais rápido o possível.


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Autoria: Enrico Romariz Recco

Revisão: Giovana Rodrigues, Isabelle Moreira e André Rhinow


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