O carisma é uma das virtudes mais desejadas. Afinal, será ela um dom inato ou pode ser desenvolvido? Nosso repórter, Rafael Coquejo, realizou uma entrevista exclusiva com o deputado estadual e cientista político Heni Ozi Cukier e traz todas as respostas sobre este “dom”
É muito comum identificarmos pessoas do nosso cotidiano como carismáticas, ainda mais se forem políticos ou celebridades que aparecem o tempo todo nas mídias. Em geral, temos a impressão que o carisma está relacionado a algum fator genético, como se fosse algo inato e não uma habilidade a ser desenvolvida. Também temos a tendência de achar que pessoas carismáticas são apenas aquelas perceptivelmente sociáveis, engraçadas e que chamam a atenção por onde forem. Afinal, essas percepções do senso comum sobre carisma estão corretas?
Essa e outras perguntas são trabalhadas por Heni Ozi Cukier – professor, cientista político e deputado estadual – em seu livro recém lançado “Inteligência do Carisma”, no qual o autor teve a oportunidade de apresentar em uma palestra, realizada pela entidade universitária Speech, na quinta-feira, dia 17 de outubro, na FGV EAESP. Após a palestra, tive a oportunidade de conversar com Heni sobre o tema de seu livro e sua relação com política.
No senso comum, o carisma é normalmente tratado como um dom inato ao indivíduo. O carisma é uma característica com a qual a pessoa nasce ou é uma habilidade a ser desenvolvida?
Eu trato o carisma como uma inteligência, ou seja, um conjunto de competências e habilidades que você pode adquirir, treinar e ficar melhor. Portanto, o carisma não é um dom. A gente tende a achar que é um dom porque a origem da palavra “carisma”, que vem do grego, está ligada a um dom divino, um charme, um magnetismo, como algo especial e divino que você ganhava. E depois, na Idade Média, o uso da palavra, ligado a igreja, também se relacionava a um dom - uma pessoa carismática era alguém abençoado com algum tipo de habilidade.
Se o carisma fosse algo inato, como um dom, isso significaria que a pessoa com esse dom deveria ser carismática todos os dias da sua vida e em todas as horas, e ninguém consegue ser carismático em todos os momentos. Além disso, estudantes de universidades têm que, eventualmente, fazer apresentações em público, e eu tenho certeza que a primeira apresentação de um aluno não é igual à décima ou à milésima. Isso acontece porque a pessoa vai se aperfeiçoando, melhorando, aprendendo, adquirindo habilidades e uma fluidez na atividade.
Nós olhamos a maioria das figuras que a gente entende como carismáticas no auge do seu carisma. A gente não tem o vídeo da primeira apresentação do Steve Jobs, mas com certeza não foi igual à última. Então, essas são algumas generalizações que fazem a gente achar que o carisma é um dom inato, e não é assim que funciona.
É muito comum o carisma ser associado à persuasão. E a persuasão é muitas vezes vista com uma conotação negativa, característica de alguém manipulador. Na sua visão, o carisma pode ser essa arma de poder e convencimento?
O carisma é uma ferramenta de poder - você usa ela para conquistar o que você quer. Às vezes isso vem de uma forma inconsciente, natural e você vai conseguindo o que quer sem estar estrategicamente direcionando. Mas outras vezes você pensa, para e fala: “eu quero aquilo, como faço para conquistar essa pessoa para ter aquilo”. Então, eu penso que é muito mais sobre o momento que se decide usá-lo. A ferramenta, uma vez desenvolvida e presente, se torna disponível para ser usada.
E a ideia é que você realmente use isso, porque um mundo em que as pessoas tiverem mais inteligência do carisma vai ser um mundo melhor – no qual você vai se conhecer melhor, ser mais verdadeiro e prestar mais atenção no outro. Claro que são os objetivos que você quer alcançar que vão dizer se isso é ético, correto, manipulador ou não; mas se você convencer as pessoas de coisas boas, eu não vejo porque isso seria ruim. Por exemplo, se eu convencer alguém a se cuidar e a pessoa perceber que isso é melhor, eu não estou sendo manipulador, eu estou fazendo a vida dela ser melhor.
Você, além de deputado estadual, é cientista político, ou seja, você conhece a política tanto na academia quanto na prática institucional. O quão importante é a habilidades carismática no ambiente político para além do conhecimento técnico no desempenho da função?
Política é muito mais sobre a forma do que o conteúdo, infelizmente. O eleitor é muito mais seduzido por um discurso retórico que aciona gatilhos do que pelo aprofundamento em um assunto da política pública e das decisões que vão moldar a condução do país. Então, é muito mais importante e poderosa a forma como você fala dos gatilhos ideológicos e do discurso do que o conhecimento técnico e racional.
Política é muito sobre emoção e têm assuntos sérios que não podem ser levados pela emoção. E, nesse contexto, aquele que tem a capacidade de tocar no coração do outro, de convencer as pessoas e fazer o discurso mais impactante tem uma vantagem gigante na política. Nós no Brasil somos muito populistas, paternalistas, vemos a política como torcida e isso faz a coisa ser ruim porque, obviamente, as coisas acabam sendo conduzidas pelas mensagens mais superficiais e não pelas discussões sobre o que realmente precisa ser debatido. Então, o meu lado técnico de cientista político me ajuda a olhar com profundidade para os assuntos, mas se eu não tiver a capacidade de me comunicar bem, e de convencer as pessoas, tudo que eu sei tecnicamente não vai ter ressonância. As pessoas não são especialistas nos assuntos da política e não querem ser. Elas querem ganhar a confiança, se sentir representadas e sentir que o seu candidato consegue transmitir coisas de impacto, habilidades relacionadas à inteligência do carisma.
Você citou o fato do Brasil ser um país populista e nós vemos, na política, grandes líderes populistas, tanto da direita quanto da esquerda, serem considerados bastante carismáticos. Como você vê essa relação entre o populismo e o carisma?
O discurso associado ao populismo é um dos recursos da escolha da mensagem que você quer passar. É possível passar outras mensagens incríveis que não são populistas, de modo que você será carismático e não será populista. Essa questão é uma escolha de explorar, talvez, um discurso mais fácil - porque é mais fácil vender sonho irreal para as pessoas, mas não é o mais maduro e correto, nem mesmo o mais ético.
Falando sobre mercado de trabalho, hoje em dia, muitas empresas têm valorizado bastante as soft skills – habilidades não necessariamente relacionadas ao conhecimento técnico. Como você vê a relação entre o mercado de trabalho e o carisma e como você considera que desenvolver o carisma pode ajudar quem está ingressando? O seu livro ajuda o leitor a desenvolver essa habilidade?
No século XXI, o soft power é muito importante. A gente vive na era da comunicação, tem várias pessoas falando e vai se comunicar melhor quem tiver o melhor discurso. Porque todo mundo pode falar e, se todos podem falar, vai se sobressair aquele que falar melhor. Para falar melhor, você tem que saber contar uma boa história, usar a linguagem corporal correta, estar em um estado de espírito e mental correto e tudo isso tem a ver com a inteligência do carisma. Eu diria que, mais do que nunca, esse tipo de habilidade é necessária e se tornou o diferencial número um no mundo de hoje.
Em relação ao livro, se trata de um livro prático. Ele é sobre como adquirir e desenvolver suas competências e habilidades para as inteligências necessárias do carisma. Então, tem exercícios, dicas, entendimento, consciência e muito mais sobre o tema.
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