top of page

Manifestações políticas no esporte



Junto ao avanço dos planos de vacinação ao redor do mundo, os principais eventos esportivos puderam retornar em 2021, e com eles, o público presente também. A Eurocopa, que teve a sua data alterada devido à pandemia, terminou neste domingo com o título da Itália, marcando um capítulo importante na transição para o “mundo pós-COVID-19”. O campeonato contou com torcedores nas arquibancadas, sem usar máscaras e aglomerando em diferentes estádios pelo velho continente, com destaque para a final no estádio de Wembley em Londres, cujo público foi de cerca de 67 mil pessoas. O evento com maior foco a partir de agora serão os Jogos Olímpicos de Verão, realizados na cidade de Tóquio, no Japão, que também tiveram que ser adiados para este ano.


Porém, diferentemente da Europa, o Japão ainda não possui um grau tão elevado de vacinação em seu país, apenas 16,9% da população japonesa foi totalmente vacina, o que leva a uma enorme apreensão do país ao receber as Olimpíadas, com as autoridades japonesas preocupadas com a possibilidade de variantes do vírus serem transmitidas durante a estadia das comissões estrangeiras. Esse tipo de situação acaba gerando discussões. Apesar do primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, ter sinalizado positivamente para a realização do evento, cerca de 80% da população japonesa discorda de sua decisão, o que torna as manifestações inevitáveis - prática que os principais órgãos esportivos do mundo não costumam apoiar.


Pegando o exemplo recente da Eurocopa, o jogo entre Alemanha e Hungria foi um caso em que a UEFA, entidade máxima do futebol europeu, condenou uma manifestação política com base em lei aprovada pelo parlamento húngaro, que proíbe que questões sobre sexualidade e identidade de gênero sejam debatidas em escolas ou em programas de TV para menores de 18 anos. Com o pretenso intuito de combater a pedofilia e proteger as crianças do país, a lei é de autoria do governo do primeiro-ministro Viktor Orbán, conhecido como um líder populista de extrema-direita na Europa.


Em forma de protesto, o prefeito de Munique, Dieter Reiter, pediu à UEFA que o jogo tivesse uma iluminação com as cores do arco-íris pelo estádio, entretanto, a instituição não acatou o pedido, com a justificativa de que ela é uma “organização politicamente e religiosamente neutra”. Outro comportamento semelhante ocorreu quando uma investigação foi iniciada pela entidade contra o goleiro da seleção alemã, Manuel Neuer, por ele utilizar uma braçadeira de capitão multicolorida, em apoio à causa LGBTQI+, durante uma partida. É plenamente possível que aconteça algo semelhante durante as Olimpíadas, com protestos voltados não somente à realização dos jogos, mas também relativos a outras pautas urgentes, seja o racismo, a homofobia, ou até mesmo diretamente contra figuras políticas - com alta probabilidade no caso do Brasil.


O histórico desse tipo de manifestação tende a gerar punições aos realizadores do ato, isso se deve à preferência de entidades como a UEFA e o Comitê Olímpico Internacional de se manterem neutras politicamente, a fim de evitarem problemas com as nações que as compõem. O exemplo mais famoso é o de Tommie Smith e John Carlos nos Jogos Olímpicos de 1968, sediados na Cidade do México, quando os atletas subiram ao pódio realizando uma saudação associada ao Partido dos Panteras Negras, em protesto contra a discriminação que o povo negro sofria nos EUA - a atitude culminou na expulsão de ambos da Vila Olímpica daquela edição. Mais recentemente, um caso envolvendo a jogadora brasileira de vôlei de praia, Carol Solberg, ganhou atenção da mídia: a atleta foi condenada pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por falar “fora Bolsonaro” em uma transmissão ao vivo após uma partida.


Por meio desses casos, fica evidente o objetivo das entidades que tomam esse tipo de medida: desencorajar manifestações políticas para manter uma boa reputação com todos os lados, sem nenhum tipo de pressão sobre qualquer governo ou nação por meio de seus eventos esportivos. Paradoxalmente, a UEFA, instituição máxima do futebol europeu, realiza diferentes campanhas contra o preconceito durante seus campeonatos, sendo a mais notável delas a Respect, que foi lançada em 2008 visando trabalhar para um esporte mais respeitoso e inclusivo para diferentes raças, gêneros e religiões. O logo do programa é bordado no uniforme usado pelos times durante partidas e até mesmo na bandeira alçada durante o hino, antes da bola rolar. Porém, a posição isenta da UEFA acaba colocando em dúvida a credibilidade desse tipo de programa, fazendo parecer que pautas de igualdade e de combate ao preconceito são secundárias comparadas a agradar um governo explicitamente preconceituoso.


Dessa forma, muitas pessoas ao redor do mundo se posicionaram contra a atitude da entidade, fazendo com que influenciadores e fãs de futebol dessem uma atenção maior ao caso, o que resultou na iniciativa de vários estabelecimentos em Munique utilizando a bandeira arco-íris no dia da partida. Com a enorme resposta, a UEFA emitiu uma nota se justificando, cuja publicação contou com inúmeros comentários enfurecidos direcionados à instituição.


Exemplo desse efeito contrário é o que não falta, a Democracia Corinthiana na década de 1980 se encaixa nesse perfil. Devido ao contexto ditatorial em que o Brasil estava inserido na época, o ato de decidir praticamente todas as medidas do clube por meio de votos igualitários entre todos os funcionários do Corinthians foi um marco na luta contra o regime militar, que mesmo tentando boicotar, não conseguiu abafar a influência da democracia. Outro exemplo mais recente foi o quarterback Colin Kaepernick que, em 2016, iniciou uma série de protestos de jogadores da NFL contra a violência policial nos EUA após se ajoelhar durante o hino nacional. Apesar de ter ficado sem time na liga após 2017, Kaepernick conseguiu o apoio de marcas grandes como Nike e se tornou um dos principais nomes da luta por igualdade racial, além disso, durante os protestos BLM de 2020, a NFL se desculpou publicamente com ele pela maneira como lidou com a situação.


Tóquio tem tudo para ser palco de situações parecidas e a tendência é de que o Comitê Olímpico Internacional não mude sua postura. Entretanto, é preciso levantar a discussão sobre qual a melhor maneira de lidar com a insatisfação dos esportistas em relação a alguma pauta, principalmente se for uma que o evento supostamente segue, pois com o mundo todo assistindo, é difícil pensar que atletas não usem esse espaço para defender o que eles acreditam ser o certo dentro desse cenário caótico em que vivemos hoje, mesmo que haja punições.


Autoria: Gustavo Sanches

Revisão: Guilherme Caruso

Imagem de capa: Mariana Hashimoto

 

Referências:







bottom of page