Hoje perguntei para minha mãe se ela era feliz com a vida que viveu até então. Ela me respondeu que sim, mas relativamente. Primeiro, ela entendeu a pergunta com um tom de “conquistas”, só que não me referi a isso. Adicionei que tratava de um sentido mais amplo de vida, de tudo que ela viveu, onde ela estava e pelo o que passou.
A resposta seguinte foi de que ela tinha sonhos, sonhos limitados às perspectivas da realidade em que ela vivia. Entre eles, casar, ter filhos e uma boa casa a seu gosto. No entanto, havia algo mais, ainda possível, mas não atingido plenamente: ela queria ter mais tempo para viver livre da pressão de suas responsabilidades, relaxar, viajar e experimentar mais. Terminou sua fala com o clichê de que aprendeu a ver felicidade nas pequenas coisas do dia a dia, como, naquele momento, a pequena felicidade de poder andar segura dentro de seu condomínio à noite com sua filha. Achei que fora uma resposta razoável, desconfortavelmente dentro do esperado. Ela foi e é feliz em parte.
Fiz essa pergunta porque me questiono qual é o rumo para a felicidade. Sinto que a minha geração está sobrecarregada de tantas maneiras que o espaço para sonhar é muito limitado. Temos que completar tarefas na to-do list das expectativas do sucesso, que crescem a todo momento. Além disso, não que seja novidade, os limites nos são impostos de modo perverso e estamental. Nem me valho ao mérito das exceções, que, honestamente, não servem para delinear qualquer censo. Os meros mortais, ainda divididos por suas desigualdades e particularidades, vivem um limbo de ansiedade, medo, desejo e dor. Também não busco uma comparação geracional de momentos históricos e os fardos na vida de quem os viveu, mas, especialmente agora, vivemos tempos difíceis para sonhar.
Desde aquele em que a chama das oportunidades e ambições persistem, àquele que a esperança perfez, o jovem padece da instabilidade dos males atuais. Acredito que os que não sofrem disso estão entorpecidos frente à ignorância, seja por falta de acesso à informação ou por desinteresse. Não falo isso em tom pejorativo ou de julgamento, afinal, estar a par de "tudo" é algo inacessível a muitos, além de indigesto, o que leva boa parte dos que têm acesso a ignorar. De fato, em tempos que a mídia alcança nossas vidas de maneira sem precedentes, somos bombardeados por informações que nos influenciam e ocupam o tempo e espaço do que, às vezes, realmente nos interessa. Por outro lado, não é só esse o problema.
Sabemos, querendo ou não, dos problemas gerais do mundo. É inevitável. Apenas aos que não têm acesso à internet e a uma educação formal podemos abrir exceção. Fora isso, sabemos. Para quem tem a oportunidade de estar "acordado" é incômodo e penoso, bem como na alegoria da caverna de Platão. Ter ciência dos problemas políticos, ambientais e sociais, no geral, perturba a tranquilidade encontrada no estado de privilégio. Frente a essa posição de conforto requer-se empatia e desconstrução para lidar com o sistema com o qual não se consente. Contudo, até que ponto nós nos movemos a partir do descontentamento? É quase um martírio fazê-lo. Somos tão egoístas assim? Acho que não. Alguns não. Generalizações são banais, então é difícil falar por um todo, mas pensando em pessoas com o mínimo senso de coletividade e sensibilidade, acho que não. O que nos corrói, portanto? Inquietação, impotência, desconfiança, cansaço, angústia… Anseio por ser feliz.
No meio de tudo isso, sonhamos. Ousamos sonhar e ser um pouco egoístas. Esperamos altruísmo, mas é muito difícil nos doarmos tanto em um mundo tão competitivo. Enquanto cambaleamos entre nós mesmos e nossas responsabilidades com o todo, na era da informação e influências, as pessoas vivem da ilusão do que não têm, nem podem ter. No fim, o sistema retroalimenta o ciclo de desejos ao tempo que os cerceia. De todo modo, o mundo não comporta toda a carga dessa cobiça insaciável do ser humano. Na vida, o fato é que a imensa maioria das pessoas não têm perspectiva de melhora, de plena realização e, no fundo, elas sabem disso. Um indicador para a coerência desse pensamento é resultado da realidade atual em que, por exemplo, há um massivo desemprego de jovens, mesmo dos graduados. A diferenciação no mercado custa longos anos e muito dinheiro para ser atingida e isso não é para todos.
Ainda mais, é fácil encontrar pessoas que não fazem o que amam. Por algum motivo, elas estão lá, gastando sua vida, seu tempo, energia e disposição em algo que esperavam delas ou em algo que foi factível mediante as circunstâncias. É a vida. Isso é triste. Não é necessariamente trágico, pois há beleza nos altos e baixos, nas trajetórias de cada um, mas tudo isso é mais um recurso poético de filmes ou livros. Na realidade, não sei dizer se sonhar é bom ou ruim para a busca da felicidade. De certo modo, nos dá esperanças. No mínimo, é um acalento no refúgio imaginário das nossas mentes, uma alternativa à dor. Por outro lado, sonhar pode ser nossa droga e nos encapsular em um ciclo de frustrações e repúdio pelo que vivemos de verdade.
Por isso, resolvi me condicionar a sonhar de uma maneira que suponho ser saudável. Sonho para me libertar, mas também para lembrar do que sou e quero. Tento não criar expectativas, mas vislumbrar possibilidades. Não acredito que o sonho, minha utopia, irá se realizar, mas, no fundo, deixar ele vivo me faz continuar e imaginar, dentre o mar de possibilidades da combinação infinita de fatores do universo, que irá. Receio, contudo, que a escalada seja uma eterna caminhada sem tempo para apreciar a vista — uma reflexão realista de quem cresceu ouvindo The Climb de Miley Cyrus —, então, retomo o clichê citado por minha mãe: o que importa é viver o percurso e enxergar nas mínimas passagens dele felicidade e propósito.
Então, mesmo no cenário distópico de pandemia somado ao mal-estar proporcionado pelas crises da contemporaneidade, ainda podemos sonhar? Sim, podemos tentar. Apesar de ser duro, sonhar é um ato de amor e resistência. Ousa quem sonha em tempos difíceis. Ousa quem sonha de baixo. Ousa quem sonha junto. E ousa quem sonha com honestidade a si mesmo.
Autoria: Maria Eduarda Neuburger Freire
Revisão: Bruna Ballestero e João Vitor Vedrano
Imagem de capa: "O Espelho Falso" (1928) - René Magritte/ Reprodução: https://www.culturagenial.com/obras-magritte/
コメント