“Nada é permanente, exceto a mudança”
Heráclito de Éfeso.
Tudo flui. Tudo muda. Tudo corre. Na correria da rotina, as mudanças te atropelam repentinamente até serem normalizadas e, quando percebemos, já vivemos no meio de tudo o que está mudado.
Há poucos meses, ainda estava no ensino médio, estudando para as provas finais, me concentrando para os vestibulares e repetindo a mesma rotina que já tinha vivido pelos últimos 10 dos meus 18 anos. Via as mesmas pessoas, tinha as mesmas conversas e ria das mesmas piadas. Uma rotina minimamente confortável, na qual nada fugia muito do esperado e que limitava o meu mundo ao conhecimento restrito da realidade à minha volta.
Afinal, quais mudanças poderiam ser esperadas por mim? Uma pessoa a mais ou a menos na classe depois da virada do ano? Alguma matéria nova de um professor já conhecido? A próxima edição do mesmo projeto que já cansei de participar? Eram poucas variáveis que se mostravam possíveis dentro de um ambiente limitado de possibilidades.
Em um piscar de olhos, em um rápido passar de acontecimentos repentinos, me vejo dentro da faculdade. Difícil fica dizer o que é mais difícil de se assimilar: o próprio fato de finalmente ter entrado na faculdade, aquilo que mais se espera durante todo o ensino médio, ou as novas mudanças do ambiente em volta. Vejo novas pessoas, tenho novas conversas e rio de novas piadas.
Os desconhecidos se multiplicam exponencialmente. São dezenas de escolas a cada nova chamada. São pessoas entrando e saindo do curso todos os dias: pessoas com suas próprias histórias que, até então, viam outras pessoas, tinham outras conversas e riam de outras piadas. Cada nova face é uma companhia que representa a possibilidade de uma infinidade de novas vivências. Para quem estava acostumado a saber quem eram todos de sua escola, mostra-se um choque saber que é difícil conhecer até mesmo quem está na sua própria sala. Para alguém que estava acostumado a participar de tudo, é normal sentir-se frustrado por não saber nem o nome de todos os projetos que se pode participar na faculdade. São tantas entidades e palestras que é minimamente improvável que alguém se sinta entediado.
O caminho também se mostra confuso. No ônibus, nota-se roupas e rostos que vivem a sua própria correria. No céu, nota-se prédios de vidro nos quais sonha em um dia estar. Na rua, nota-se pessoas esquecidas que te lembram de uma realidade injusta, facilmente negada por quem acha mais confortável desconsiderá-la. A vida que São Paulo realmente proporciona encontra-se fora dos muros da escola, e te espanta notar o quão distante o seu mundo de “casa-escola-casa” estava de tudo isso.
E nos muros da faculdade (nos quais você pode entrar e sair quando quiser), novas disciplinas, matérias e linguagens te fazem questionar a necessidade e a importância de tudo o que aprendeu até aqui. Não se sabe qual é o melhor método para estudar, as melhores pessoas para fazer algum trabalho ou a disciplina com a prova mais difícil. Mais do que qualquer outro efeito inimaginável que as mudanças possam trazer, uma constante insegurança te deixa afoito, ansioso e desafiado. Será que é isso mesmo que quero fazer pelo resto da minha vida? Será que é com isso que quero trabalhar?
Um novo ambiente e uma nova rotina fazem questão de sempre te lembrar que a insegurança e o desconhecido agora fazem parte da sua vida. Tudo mudou, e, na tentativa de compreender todas as mudanças que aconteceram à sua volta, é inevitável que você mude junto com elas. Mas será que essas mudanças serão boas? Ou seria qualquer mudança, ruim?
Durante esses primeiros meses, um soneto de Camões intitulado “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” voltava constantemente à minha cabeça, descrevendo uma rotina imersa em novidades que se tornou para mim uma realidade.
Ele diz:
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.”
Parece que Camões acerta ao dizer, logo no primeiro verso, que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” no sentido de que percebemos como as nossas vontades se transformam ao decorrer do tempo. Novos acontecimentos nos trazem novas vivências, novos olhares e novas perspectivas sobre o mundo. Sair das quatro paredes que te prendem dentro da escola abrem a sua visão para um mundo mais amplo, repleto de mudança em todos os lugares.
O poema continua:
“Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houver), as saudades."
Paradoxalmente, vemos a mudança se tornar uma constante, observando novidades por qualquer canto que se possa imaginar. Ao contrário de uma visão excepcional e irregular de transformações como uma forma de se quebrar o que já é esperado, a mudança se torna previsível em uma rotina instável. Nunca se sabe se uma nova pessoa vai entrar na sala ou se algum novo imprevisto vai acontecer no caminho. Percebemos a sua real natureza e questionamos as centenas de outras possibilidades das quais tivemos que abdicar para seguir o caminho que esperamos que seja o certo. Por fim, acaba-se a esperança de novos dias, novas sensações e novas experiências da faculdade, que agora já fazem parte dos seus novos tempos. O que ficou para trás parece que já passou: sobram apenas as memórias boas e ruins de tempos que não voltarão, enquanto as lembranças das antigas pessoas, conversas e piadas são guardadas em forma de saudade.
Indo direto para a última estrofe, lemos:
“E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.”
A última estrofe do poema nos imerge na mais pura instabilidade ao dizer que, ao final de tudo, notamos que a própria mudança é irregular, provida de constantes transformações. Camões mostra que já não se muda como se costumava mudar. As transformações na rotina de um aluno de ensino médio que estudou a vida inteira no mesmo colégio estavam limitadas em um campo no qual as próprias mudanças já eram previsíveis. Tudo se resumia em pequenos imprevistos com professores, amigos e matérias. Na faculdade, esse campo se expande e as próprias mudanças reinventam a sua forma de ser, de aparecer e de se expressar.
Percorrendo todo o soneto, nota-se uma clara abordagem pessimista em relação à mudança e um certo saudosismo aos tempos passados. Embora possamos fugir de um saudosismo exacerbado, as saudades nunca nos deixarão e, portanto, cabe a nós agradecer pelo que já tivemos o privilégio de ter vivido ou pelos males que já se foram. Cabe a nós também aproveitar as novas oportunidades e vivências e extrair o que há de bom em cada sofrimento ou tragédia superada. E para o futuro, cabe a nós, por fim, não esperar nada além do inesperado, sabendo que as mudanças sempre mudam como se a inconstância em seu estado mais puro fosse a única constante eternamente garantida.
Autoria: Thomás Danelon
Revisão: Bruna Ballestero e João Vítor Garcia
Imagem de capa: Pintura de Steven Rhude - River of Heraclitus
De fato, o ser humano é moldado pelas circunstâncias à sua volta. Na sua transição da escola para a faculdade, a metamorfose da personalidade da(o) aluna(o) traz enormes inseguranças. Por pisar em território desconhecido e enfrentar uma nova realidade, a visão de mundo dela(e) sofre enormes alterações, que, ao final, trazem grandes benefícios para o desenvolvimento pessoal do mesmo. Por ser uma constante na vida de todas(os) as(os) estudantes, foi um tema muito bem selecionado. Parabéns ao autor e seus revisores pelo trabalho excepcional!