“A Dra. Nise nos ensina a descobrir por trás de cada louco, um artista; por trás de cada artista, um ser humano com fome de beleza, sede de transcendência." - Frei Betto
Nise Magalhães da Silveira foi uma médica psiquiatra brasileira, nascida na cidade de Maceió no ano de 1905. Filha de um jornalista e uma pianista, passou sua infância estudando em um colégio de freiras e, em 1926, se formou pela Faculdade de Medicina da Bahia, sendo a única mulher em uma turma de mais de 157 formandos. Depois de formada, se mudou para o Rio de Janeiro e passou a engajar-se politicamente através de sua filiação ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), passando então a ser defensora do Manifesto dos Trabalhadores Intelectuais ao Povo Brasileiro, que defendia as forças culturais como um aspecto crucial para o desenvolvimento das forças econômicas e de produção. Essa militância política não foi bem-vinda pelo clima intensamente repressivo do Estado Novo, instaurado na década de 30 no país. Nesse contexto, Nise acabou sendo presa em fevereiro de 1936 no Rio de Janeiro. Durante os 18 meses de cárcere privado, a médica conviveu com o escritor Graciliano Ramos (1892-1953), que também estava detido, fazendo com que ela se tornasse uma personagem no livro Memórias do Cárcere. Em agosto de 1937, a médica conseguiu escapar da prisão e buscou refúgio no interior da Bahia.
Nise em sua formatura Faculdade de Medicina da Bahia, 1921-1926. Ela era a única mulher de sua turma. Foto retirada de: Nise da Silveira, Vida e Obra - Uma psiquiatra rebelde.
Com o enfraquecimento do Estado Novo na década de 40, Nise foi absolvida pelo poder judiciário e obteve o direito à anistia oferecida para perseguidos políticos. No ano de 1944, retomou a sua carreira médica e passou a atuar no Centro Psiquiátrico Nacional de Engenho de Dentro. Nise dedicou o resto de sua vida ao seu trabalho, e sua contribuição para o avanço da psiquiatria e do tratamento de transtornos mentais no Brasil é inestimável. Durante sua carreira, combateu ativamente técnicas agressivas da psiquiatria, como o uso inadequado da terapia de choque, camisas de força, lobotomia, confinamento e insulinoterapia, além de ter sido pioneira na introdução de técnicas humanizadas como o tratamento com animais e com a criação artística.
A psiquiatra foi a responsável por reinventar seu departamento de terapia ocupacional através da criação de ateliês de pintura e modelagem disponíveis para os pacientes da clínica. Em 1952, fundou o Museu de Imagens do Inconsciente no Rio de Janeiro, que além de expor as milhares de obras produzidas nos ateliês terapêuticos, também funciona como um centro de estudos e pesquisa na área de saúde mental. Já no ano de 1956, fundou a Casa das Palmeiras, uma instituição de reabilitação mental pioneira na América Latina que prioriza as relações humano-afetivas a partir da interação dos pacientes com cães e gatos como a principal forma de tratamento. Nas próprias palavras de Nise, a casa representa um pequeno território livre com um eixo cultural que oferece autonomia aos pacientes.
Nise com seus pacientes em um de seus ateliês terapêuticos. Foto retirada de: Acervo Nise da Silveira
O aspecto revolucionário da trajetória de Nise vai além das diversas inovações que ela trouxe para a psiquiatria brasileira e advém também do fato dela ter sido uma mulher que adentrou uma área completamente dominada por homens, buscando a inserção de suas ideias frente a um sistema terapêutico arcaico em uma época de grande verticalização da psiquiatria. Para o neurocientista Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o legado de Nise da Silveira é enorme: ela foi uma verdadeira pioneira global da psiquiatria humanizada baseada na arte, na criatividade e nos vínculos afetivos entre humanos e outros animais, ao invés do uso excessivo de medicamentos em altas doses, que era comum na época.
Nise da Silveira. Imagem retirada do Blog do Morris no artigo “Nise da Silveira, por Ela Mesma”.
Em maio deste ano, Bolsonaro vetou integralmente o projeto de lei que conferia o título de “heroína da pátria” a Nise, afirmando não ser possível avaliar o impacto das contribuições da médica. Entretanto, mesmo que não reconhecida pelo atual governo, não faltam reconhecimentos nacionais e internacionais a Nise. Sua vida serviu de inspiração para o filme Nise – O Coração da Loucura, que serve como uma biografia visual de sua contribuição para o âmbito da terapia ocupacional. Diversas instituições internacionais, muitas nomeadas em homenagem à médica, em Portugal, na França e na Itália usam, até hoje, seu trabalho como inspiração. Além disso, em 1987, ela foi reconhecida com o grau de oficial da Ordem de Rio Branco e, em 1992, recebeu o título de personalidade do ano pela Associação Brasileira de Críticos de Arte. Alguns meses após o veto do presidente, o Congresso conseguiu resgatar o nome da psiquiatra para ser inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, permitindo que Nise tenha então seu reconhecimento devidamente assegurado.
Autoria: Victorya Pimentel
Revisão: André Rhinow e Beatriz Nassar
Imagem de capa: www.outraspalavras.net
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Referências:
BBC. Quem foi Nise da Silveira, a psiquiatra que teve homenagem vetada por Bolsonaro. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61603637>. Acesso em: 19 set 2022.
DANIEL NEVES SILVA. Nise da Silveira: quem foi, biografia, carreira. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/biografia/nise-da-silveira.htm>. Acesso em: 19 set 2022.
Museu de Imagens do Inconsciente - O Museu Vivo de Engenho de Dentro. Disponível em: <http://www.ccms.saude.gov.br/museuvivo/mii.php>. Acesso em: 19 set 2022.
CASA DAS PALMEIRAS. Casa das Palmeiras. Disponível em: <http://casadaspalmeiras.blogspot.com/>. Acesso em: 19 set 2022.
ALVES, Renato. Nise da Silveira vira heroína da Pátria, após veto de Bolsonaro ser anulado. Disponível em: <https://www.otempo.com.br/politica/congresso/nise-da-silveira-vira-heroina-da-patria-apos-veto-de-bolsonaro-ser-anulado-1.2694885>. Acesso em: 19 set 2022.
Nise da Silveira, Vida e Obra - Uma psiquiatra rebelde. Disponível em: <http://www.ccms.saude.gov.br/nisedasilveira/uma-psiquiatra-rebelde.php>. Acesso em: 19 set 2022.
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