por Amanda Rocha
A Academia Real das Ciências da Suécia anunciou nessa última semana os ganhadores do Prêmio Nobel 2021, uma das mais importantes condecorações mundiais, reconhecendo a contribuição para o benefício humano em cada uma das seis categorias da premiação (Medicina, Física, Química, Literatura, Paz e Economia). A edição de 2021 foi marcada por temas como aquecimento global, liberdade de imprensa e descobertas sustentáveis para reações químicas.
Infelizmente, outro ponto característico foi o baixo número de vencedoras mulheres em relação à edição do ano passado, na qual tivemos o segundo maior número de nomeações femininas na premiação sueca, como a dupla Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, pelo método de edição do genoma, e Andrea Ghez, com descobertas sobre buracos negros. Em 2021, Maria Ressa foi a única mulher a ser laureada, e contrapôs a homogeneidade dos ganhadores homens, brancos e de países do norte global (exceto Abdulrazal Gurnah). Medicina: Por que sentimos o que sentimos? (4 de Outubro)
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David Julius, professor na Universidade da Califórnia, e Ardem Patapoutian, pesquisador no Instituto Médico Howard Hughes, ganharam o Prêmio Nobel de Medicina com suas pesquisas independentes sobre o entendimento dos sentidos humanos. As descobertas devem auxiliar na identificação de proteínas que o corpo utiliza para detectar temperatura e pressão. Dr. Julius, fisiologista americano, descobriu uma proteína específica que desencadeia o caminho sensorial responsável à resposta ao calor. O pesquisador utilizou o composto químico ‘capsaicina’, a substância responsável pela sensação de ardência e de picância encontradas nas pimentas, para identificar essas terminações nervosas na pele.
Enquanto isso, o Dr. Patapoutian, biólogo molecular libânes-americano, descobriu os canais pelos quais identificamos a dor, usando células sensíveis à pressão para responder a um conjunto de sensores que respondem a estímulos mecânicos.
As descobertas dos canais tanto de temperatura quanto da dor serão utilizadas em estudos futuros para decifrar o funcionamento do sistema nervoso, como aponta o médico sanitarista Gonzalo Vecina Nato em entrevista ao UOL. Física: Prevendo comportamento climáticos (5 de Outubro)
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Syukuro Manabe, Klaus Hasselmann e Giorgio Parisi receberam o Prêmio Nobel de Física por suas contribuições para um melhor entendimento sobre sistemas físicos complexos que conseguem prever comportamentos futuros de fenômenos naturais. Dr. Hasselmann, diretor do Instituto de Metereologia na Alemanha, desenvolveu um modelo físico sobre o aquecimento global na Terra, indicando a mudança de comportamento nos próximos anos sobre o sistema atmosférico, previsão de ondas do mar e a variabilidade climática. O Dr. Manabe, da Universidade de Princeton, demonstrou a relação entre o aumento de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera e o aumento da temperatura na superfície terrestre. O trabalho do italiano Parisi, físico teórico, é focado nas investigações sobre mecânica estatística de sistemas complexos, conseguindo descobrir “a interação de distúrbios e flutuações nos sistemas físicos desde a escala atômica à planetária". Sua pesquisa também auxilia no entendimento de sistemas climáticos, como explica o físico Leandro Tessler do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) em entrevista ao G1: “Qualquer sistema que por algum motivo não consegue atingir o seu mínimo de energia, a sua configuração mais estável, é descrita pelas equações do Parisi”. As descobertas ajudam a entender a emergência das ações de combate às mudanças climáticas terrestres, e ressaltam a importância de olhar com mais urgência o aumento de temperatura da Terra e suas consequências.
Química: Descoberta de um catalisador mais sustentável (6 de outubro)
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Benjamin List, do Instituto Max Planck e David WC MacMillan, da Universidade de Princeton (EUA), receberam o Prêmio Nobel de Química por descobrirem um novo catalisador menos agressivo ao meio ambiente, o qual, além de ser mais sustentável, se mostrou mais eficiente nas reações químicas estudadas.
Antes das pesquisas independentes de List e MacMillan, a ciência possuía conhecimento da existência de dois tipos de catálise, por metal e por enzima. Os pesquisadores, sem terem trabalhado conjuntamente, conseguiram desenvolver, no começo dos anos 2000, uma ferramenta, chamada ‘organocatálise assimétrica’.
Esse método descoberto permite a construção de novas moléculas, abrindo porta para produtos químicos menos agressivos ao meio ambiente e para a fabricação de medicamento de forma mais eficiente e barata, ajudando diretamente a indústria farmacêutica: “Estamos nos concentrando, por exemplo, na produção de varfarina [Sintron]”, um fármaco muito utilizado para evitar coágulos e trombos”, explica Eugenia Marqués, pesquisadora da Universidade de Zaragoza em uma matéria para o El País.
Literatura: Cicatrizes da migração (7 de outubro)
(FOTO: BBC News)
Abdulrazal Gurnah, professor de literatura pós-colonial na Universidade de Kent, é premiado com o Prêmio Nobel de Literatura pelos livros que transpõem sobre suas vivências enquanto refugiado na Inglaterra, após se ver obrigado a abandonar seu país natal, Tanzânia, por conta de uma revolução contra o imperador, em 1966.
Gurnah, vivendo em pobreza e violência, escrevia diários sobre a vivência como um estrangeiro, relatando o sentimento de deslocamento e saudade de sua casa. Um dos integrantes do comitê do Nobel, Anders Olsson, mostra que o autor “abre nossos olhos para um oeste africano culturalmente diversificado e pouco familiar para muitos em outras partes do mundo”.
O seu último livro, “Afterlives”, conta a história de um menino separado de sua família ao ser raptado por guardas alemães, que, conseguindo retornar, depara-se com todos os integrantes mortos.
Em mais de 120 anos de existência do prêmio sueco renomado no mundo inteiro, apenas 3 autores negros ganharam na categoria de Literatura.
Paz: Em prol da Liberdade de Expressão (8 de outubro)
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Os jornalistas Dmitri A. Muratov, um dos fundadores do Novaya Gazeta, e Maria Ressa, co-fundadora do Rappler, uma empresa de jornalismo investigativo, ganharam o Prêmio Nobel da Paz por suas respectivas lutas para garantir a liberdade de expressão midiática.
Ressa ganhou notoriedade com suas críticas contra a política agressiva anti-drogas de Rodrigo Duterte, atual presidente das Filipinas, que já matou mais de 10.000 pessoas com assassinatos extrajudicais, sendo usuários dependentes ou traficantes.
O Novaya Gazeta, que Muratov ajudou a criar, é parabenizado pelo seu jornalismo independente, e pelos seus artigos críticos sobre violência política, fraudes eleitorais e manipulação cibernética russa.
Infelizmente o jornal russo já teve seis dos seus jornalistas mortos, o que inspirou Muratov homenagear os parceiros no jornal oficial de Moscou, RIA NOVOSTI: “Igor Domnikov, Yuri Shchekochikhin, Anna Politkovskaya, Stas Markelov, Anastasia Baburova, Natasha Estemirova— essas são as pessoas que ganharam hoje o Prêmio Nobel” (tradução nossa).
O ataque à mídia não é nenhuma novidade. Seja no Brasil ou nos Estados Unidos, com ambos os presidentes desafiando e ameaçando repórteres, seja na China ou na Rússia como as dezenas de correspondentes banidos e a eliminação de adversários do governo. O Nobel da Paz desse ano representa uma homenagem à resistência a todos esses desafios impostos aqueles que tentam trazer fatos e debates aos seus países.
Economia: Esclarecendo o dilema migratório (11 de Outubro)
(FOTOS: HANDOUT / AFP)
Os economistas David Card, Joshua Angrist e Guido Imbens receberam o Prêmio Nobel de Economia pelas suas pesquisas utilizando ‘experimentos naturais’ para explicar relações de causa e efeito.
Os economistas normalmente utilizam o experimento natural para investigar algum fenômeno, método em que as pessoas fazem suas próprias decisões e se difere do ensaio clínico, que é comum em medicina ou biologia, no qual os pesquisadores possuem controle do tratamento recebido pelos agentes estudados. A academia ressaltou a importância do primeiro método e a contribuição dos laureados esse ano: “Os economistas revolucionaram a pesquisa empírica nas ciências sociais e melhoraram significativamente a capacidade da comunidade de pesquisa de responder a perguntas de grande importância”.
David Card, americano da Universidade da Califórnia, analisou os impactos do salário mínimo, da imigração e da educação no mercado de trabalho. Ele mostrou que não há uma relação direta entre diminuir o salário mínimo e aumentar a oferta de trabalho. Para isso fez um estudo de caso da migração de cubanos para Miami nos anos 80, e mostrou que, apesar da enorme oferta de trabalho com a chegada desses imigrantes, os cidadãos do estado norte-americano não sofreram com desemprego e nem com redução do salário.
Joshua Angrist, americano do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e Guido Imbens, holandês da Universidade de Stanford, conseguiram resolver problemas que envolvem o experimento natural, metodologia muito mais complexa do que os ensaios clínicos, trazendo a possibilidade de tirar conclusões precisas nesses experimentos.
Autoria: Amanda Rocha
Revisão: Letícia Fagundes
Imagem de Capa: Reprodução / CNN Brasil
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Referências
MUNGER, Steven. The 2021 Nobel Prize for medicine helps unravel mysteries about how the body senses temperature and pressure. The Conversation, 5 de outubro de 2021 Disponível em: https://theconversation.com/the-2021-nobel-prize-for-medicine-helps-unravel-mysteries-about-how-the-body-senses-temperature-and-pressure-169229. Acesso em 8 de outubro de 2021
UOL. Nobel de Medicina 2021 premia dupla por descobertas sobre temperatura e toque. Youtube, 4 de Outubro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NcPFIoQytyo
PINHEIRO, Lara. Nobel de Física 2021 vai para cientistas que contribuíram para modelos do aquecimento global. G1, 5 de Outubro. Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia/noticia/2021/10/05/nobel-de-fisica-2021-vai-para-syukuro-manabe-klaus-hasselmann-e-giorgio-parisi.ghtml. Acesso em: 8 de outubro de 2021
Nobel in chemistry goes to molecule makers. Canberra Times, 6 de outubro de 2021. Disponível em: https://www.canberratimes.com.au/story/7459575/nobel-in-chemistry-goes-to-molecule-makers/. Acesso em: 6 de outubro de 2021
DOMÍNGUES, Nuño. Nobel de Química 2021 vai para dupla que criou um novo jeito de construir moléculas. El País, 6 de outubro de 2021. Acesso em: 6 de outubro de 2021
ALTER, Alexandra. Abdulrazak Gurnah is Ararded the Nobel Prize in Literature. The New York Times, 7 de outubro de 2021. Disponível em:https://www.nytimes.com/2021/10/07/books/nobel-prize-literature-abdulrazak-gurnah.html. Acesso em: 7 de outubro de 2021
Philipines journalist Maria Ressa and Russian journalist Dmitry Muratov win 2021 Nobel Peace Prize. Times of India, 8 de outubro de 2021. Disponpivel em: https://timesofindia.indiatimes.com/world/europe/philippines-journalist-ressa-and-russian-journalist-muratov-win-2021-nobel-peace-prize/articleshow/86864445.cms. Acesso em: 10 de outubro de 2021.
Nobel de Economia de 2021 vai para David Card, Joshua D. Angristt e Guido W. Imbens. Estadão, 11 de outubro de 2021. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,premio-nobel-economia-2021-vencedor,70003865481. Acesso em 11 de outubro de 2021
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