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O LOUCO E A SUICIDA

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Pelo título do poema 

Você talvez pense ser uma história de amor 

Quem sabe um amor trágico 

À la Romeu e Julieta? 


De fato, tem amor nessa história 

E há quem considere trágica 

Ao menos eu acho 

Não que importe 


Talvez eu devesse ter planejado melhor 

Prototipado o enredo 

Mas assim não tem graça 

Prefiro o traçado natural das lágrimas 


Devo falar sobre os personagens dessa história 

Começando com a suicida 

Única e exclusivamente 

Porque é a ordem contrária ao título 


É estranho introduzir alguém como suicida

Logo no começo, tudo que se sabe é o final 

Mas nesse caso faz sentido 

Por mais que seja contraintuitivo 


Ninguém sabe como ela surgiu 

Tampouco de onde ou quando ela veio 

Ela mesma não se preocupa com isso 

O passado já foi 


Preocupa-se, entretanto, com o futuro do pretérito 

Tudo aquilo que poderia ter sido 

Bem sucedida, acompanhada por alguém que a ame 

Organizada, feliz 


Alguns ela os foi 

Hoje em dia já não é 

Ela poderia ter feito tanta coisa diferente 

Quem sabe não estaria aqui hoje 


Introduzindo agora o louco 

Só porque quebra a linha de raciocínio 

E, convenhamos 

Que maneira melhor de apresentar um louco? 


Ele tampouco sabe de onde veio

Embora suspeito que um dia tenha sabido 

Também não sabe aonde vai 

Ou melhor, não se importa

 

Seus cabelos, não penteia 

Seu apartamento, não arruma 

Suas obrigações, não cumpre 

Sua vida, será que vive? 


Ele não saberia dizer, ou não se importaria 

Pouca diferença faz se é vida o que vive 

Ou se apenas existe em uma não-vida 

Preso em seus pensamentos 


Pensamentos de louco, é claro 

Não conseguiria explicar seu raciocínio nem se quisesse 

Daqui vai para lá, volta e vira para acolá, então some 

Depois aparece simultaneamente em todos os lugares 


Era um belo dia como outro qualquer 

Nenhum dos dois se recorda quando foi 

Nem onde ou como 

Será que isso importa? 


O que se sabe é que se encontraram 

E foi paixão à primeira vista 

Ele pela loucura das ideias dela 

E ela pela não-vida que ele vivia 


Em tudo se entendiam, mesmo sem entender 

Pareciam feitos um para o outro 

Talvez até fossem a mesma pessoa, mas partida ao meio 

Tal qual o Visconde Medardo di Terralba 


Tudo que ela queria era a não-vida 

Mas tinha medo de morrer 

Não do post·mortem 

Mas do processo em si 


Já sentia dor o suficiente, talvez até demais 

Encontrou nele uma alternativa 

Uma não-vida em vida 

A morte sem morrer 


Já ele queria alguém que o aceitasse 

Nem ele era capaz disso 

Encontrou bem mais do que procurava 

Perdeu-se completamente na mente dela


Assim como ele, ela encontrava razão onde não havia

Justificava sua culpa das maneiras mais criativas 

Racionalizava cada ímpeto que sentia 

Por menos sentido que fizesse 


Estava feito então o casal 

Ele perdeu noites de sono declarando-se para ela 

Ela gravou seu nome permanentemente em sua pele 

Uma linda história se escrevia 


Ele, com o azul de uma bela caneta arcaica 

Ela, com o brilhante vermelho de seu sangue 

Afastaram-se de tudo e de todos 

Pois tinham um ao outro, e era o suficiente 


Seu amor foi como uma estrela cadente 

Intenso e forte 

Mas também raro e lindo 

Realizou os desejos de ambos

 

Ela finalmente deixou de viver 

Ele finalmente finalmente foi aceito por completo 

E, assim como a estrela cadente 

Durou pouco 


Tão intensa e forte foi a ligação entre eles 

Que queimou tudo que havia ao redor 

Entrelaçaram-se, então, sob as chamas 

Cegados pela beleza dessa união 


Terminada a queima de tudo 

Nada restou para contar sua história 

Apenas esse breve relato 

De uma escritora que os observou com seu telescópio


Autoria: Rapha Gravalos

Revisão: Pedro Anelli

Imagem da capa: Pinterest (@soheiil)


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