O LOUCO E A SUICIDA
- Espaço Aberto
- 19 de out.
- 3 min de leitura

Pelo título do poema
Você talvez pense ser uma história de amor
Quem sabe um amor trágico
À la Romeu e Julieta?
De fato, tem amor nessa história
E há quem considere trágica
Ao menos eu acho
Não que importe
Talvez eu devesse ter planejado melhor
Prototipado o enredo
Mas assim não tem graça
Prefiro o traçado natural das lágrimas
Devo falar sobre os personagens dessa história
Começando com a suicida
Única e exclusivamente
Porque é a ordem contrária ao título
É estranho introduzir alguém como suicida
Logo no começo, tudo que se sabe é o final
Mas nesse caso faz sentido
Por mais que seja contraintuitivo
Ninguém sabe como ela surgiu
Tampouco de onde ou quando ela veio
Ela mesma não se preocupa com isso
O passado já foi
Preocupa-se, entretanto, com o futuro do pretérito
Tudo aquilo que poderia ter sido
Bem sucedida, acompanhada por alguém que a ame
Organizada, feliz
Alguns ela os foi
Hoje em dia já não é
Ela poderia ter feito tanta coisa diferente
Quem sabe não estaria aqui hoje
Introduzindo agora o louco
Só porque quebra a linha de raciocínio
E, convenhamos
Que maneira melhor de apresentar um louco?
Ele tampouco sabe de onde veio
Embora suspeito que um dia tenha sabido
Também não sabe aonde vai
Ou melhor, não se importa
Seus cabelos, não penteia
Seu apartamento, não arruma
Suas obrigações, não cumpre
Sua vida, será que vive?
Ele não saberia dizer, ou não se importaria
Pouca diferença faz se é vida o que vive
Ou se apenas existe em uma não-vida
Preso em seus pensamentos
Pensamentos de louco, é claro
Não conseguiria explicar seu raciocínio nem se quisesse
Daqui vai para lá, volta e vira para acolá, então some
Depois aparece simultaneamente em todos os lugares
Era um belo dia como outro qualquer
Nenhum dos dois se recorda quando foi
Nem onde ou como
Será que isso importa?
O que se sabe é que se encontraram
E foi paixão à primeira vista
Ele pela loucura das ideias dela
E ela pela não-vida que ele vivia
Em tudo se entendiam, mesmo sem entender
Pareciam feitos um para o outro
Talvez até fossem a mesma pessoa, mas partida ao meio
Tal qual o Visconde Medardo di Terralba
Tudo que ela queria era a não-vida
Mas tinha medo de morrer
Não do post·mortem
Mas do processo em si
Já sentia dor o suficiente, talvez até demais
Encontrou nele uma alternativa
Uma não-vida em vida
A morte sem morrer
Já ele queria alguém que o aceitasse
Nem ele era capaz disso
Encontrou bem mais do que procurava
Perdeu-se completamente na mente dela
Assim como ele, ela encontrava razão onde não havia
Justificava sua culpa das maneiras mais criativas
Racionalizava cada ímpeto que sentia
Por menos sentido que fizesse
Estava feito então o casal
Ele perdeu noites de sono declarando-se para ela
Ela gravou seu nome permanentemente em sua pele
Uma linda história se escrevia
Ele, com o azul de uma bela caneta arcaica
Ela, com o brilhante vermelho de seu sangue
Afastaram-se de tudo e de todos
Pois tinham um ao outro, e era o suficiente
Seu amor foi como uma estrela cadente
Intenso e forte
Mas também raro e lindo
Realizou os desejos de ambos
Ela finalmente deixou de viver
Ele finalmente finalmente foi aceito por completo
E, assim como a estrela cadente
Durou pouco
Tão intensa e forte foi a ligação entre eles
Que queimou tudo que havia ao redor
Entrelaçaram-se, então, sob as chamas
Cegados pela beleza dessa união
Terminada a queima de tudo
Nada restou para contar sua história
Apenas esse breve relato
De uma escritora que os observou com seu telescópio
Autoria: Rapha Gravalos
Revisão: Pedro Anelli
Imagem da capa: Pinterest (@soheiil)







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