Você pode consultar todas as informações e os dados citados neste texto nos links disponibilizados no final.
Do celta “barkino”, do espanhol “barcino”, do português “brasil”: vermelho como brasa.
O ano é 2019 e Bolsonaro assume a presidência. Em seu discurso de posse, o novo presidente promete: “proteger e revigorar a democracia brasileira” e “restaurar e reerguer a pátria, libertando-a definitivamente do julgo da corrupção, da criminalidade, da irresponsabilidade econômica e da submissão ideológica.” Ao final, segura a flâmula verde-louro e clama “Essa é a nossa bandeira, que jamais será vermelha. Só será vermelha se for preciso nosso sangue para mantê-la verde e amarela”.
O ano é 2022 e a bandeira que jamais seria vermelha se manchou de sangue.
Uma bandeira que jamais seria vermelha
A bandeira que jamais seria vermelha se manchou de sangue. O sangue das mais de 686 mil vidas perdidas na pandemia da Covid-19 no Brasil de Jair Bolsonaro. Dentre as quais, aproximadamente 400 mil poderiam ter sido salvas, não fosse o descaso e a negligência do governo Bolsonaro no (des)controle do avanço da doença no país (Fonte: The Guardian). O atual presidente defendeu seu projeto de imunização de rebanho, sendo contrário a prevenção da Covid, usou quase 90 milhões do dinheiro público para comprar hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e outros remédios sem eficácia comprovada contra o Coronavírus (Fonte: BBC News Brasil), espalhou desinformação, atrasou a compra de vacinas…. E é responsável por 400 mil mortes.
Você pode acessar a pesquisa sobre a estimativa de vidas que poderiam ser salvas na matéria do The Guardian que está nas referências deste texto.
A bandeira que jamais seria vermelha se manchou de sangue. O sangue desnutrido das mais de 33,1 milhões de pessoas que passam fome no Brasil hoje. Ao contrário do que prega o presidente, a fome é uma realidade no Brasil e aumentou muito durante seu governo. No início do governo Bolsonaro, antes da pandemia, eram 10,3 milhões de brasileiros (Fonte: G1). Hoje, o Brasil tem mais 22,8 milhões de pessoas passando fome em comparação com 2018. Sim, tivemos a pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia, mas também tivemos Bolsonaro e suas escolhas de governo. O atual presidente escolheu travar o Bolsa Família (o que aumentou muito o número de pessoas na fila), permitiu a redução de investimentos públicos, não tomou medidas oficiais para garantir o abastecimento interno do país e menosprezou políticas estruturais de segurança alimentar (Fonte: Folha de S. Paulo).
A forma como o governo lidou com a pandemia aumentou a desigualdade e a pobreza. Em 2022, o Brasil retornou ao Mapa da Fome da ONU. Isso porque atingimos uma proporção de 4,1% da população que não sabe se terá o que comer amanhã (Fonte G1) — entram no Mapa da Fome países com uma proporção da população maior que 2,5% em situação de insegurança alimentar. Quantas pessoas a menos estariam passando fome ou em situação de insegurança alimentar sem Bolsonaro no poder? Diferentemente do caso de mortes por coronavírus, não há (ainda) uma pesquisa que nos traga esses dados.
A bandeira que jamais seria vermelha se manchou de sangue. O sangue das 31 pessoas que morreram asfixiadas porque o oxigênio chegou tarde demais em Manaus (Fonte: G1). Bolsonaro e Pazuello, o então ministro da Saúde e, agora, deputado federal eleito pelo Rio de Janeiro, sabiam, desde o dia 12 de janeiro de 2021, que faltava oxigênio em Manaus. Nada foi feito até dia 14 de janeiro (Fonte: Veja). Sem oxigênio, basta algumas horas para que um paciente morra asfixiado. Por isso, quando a ausência do insumo atingiu seu ápice na cidade, em um intervalo de apenas dois dias, 31 pessoas morreram.
A bandeira que jamais seria vermelha se manchou de sangue. O sangue dos 5 indígenas, 2 quilombolas, 3 ambientalistas, 5 sem terras, 2 assentados e 2 pequenos produtores rurais mortos em conflitos no campo — ocorridos apenas nos cinco primeiros meses de 2022 (Fonte: Correio Braziliense). Sem contar Bruno Pereira e Dom Phillips. Em 2021, foram 176 indígenas assassinados. Já em 2020, observou-se o maior número de assassinatos de indígenas já registrados no Brasil: 172 pessoas mortas (Fonte: Greenpeace).
Desde 1998, Jair Bolsonaro já demonstrava seu ódio frente aos povos indígenas. Em um discurso que está transcrito no Diário da Câmara dos Deputados, o atual presidente afirmou: “(...) realmente a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a Cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país" (Fonte: G1). Mais grave do que o ódio que Bolsonaro continua a propagar em seus discursos (agora como chefe do Executivo do país), é a forma em como essa retórica é refletida nas políticas do governo e como ela encoraja o aumento do garimpo, das queimadas e do desmatamento ilegais. O espelho está no atraso proposital da demarcação de terras indígenas, no corte de verbas para a proteção ambiental, na diminuição de multas por crimes ambientais, no enfraquecimento das agências ambientais, nos 50 garimpos autorizados em territórios protegidos (apenas durante o mandato de Bolsonaro), no desmatamento da Amazônia (que foi 56,6% maior sob Bolsonaro) (Fonte UOL) e em tantas outras medidas encabeçadas pelo governo e pelo ex-Ministro do Meio Ambiente e, agora, deputado federal eleito por São Paulo, Ricardo Salles (investigado por esquema de exportação ilegal de madeira) (Fonte:G1).
Além de todas as mortes e o sangue em suas mãos, Bolsonaro se mostra incompetente. Fora a desvalorização cambial e financeira, as dezenas de trocas de ministros, os orçamentos trágicos e a imprudência nas relações diplomáticas, o governo Bolsonaro não foi capaz de implementar várias das políticas que ele mesmo prometeu cumprir (e que estavam alinhadas à sua ideologia “não-vermelha”). Algumas das promessas não cumpridas, incluem: (1) “Reduzir a maioridade penal”, (2) “Escolher ministros por critérios técnicos e acabar com indicações políticas”, (3) “Transferir da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém”, (4) “Fazer alíquota única de 20% no Imposto de Renda com isenção até 5 salários mínimos”, (5) “Utilizar o dinheiro de privatizações para o pagamento da dívida pública”, (6) “Introduzir modelo de capitalização na Previdência”, (7) “Acabar com reeleição para presidente e reduzir número de parlamentares”, (8) “Unificar tributos federais”, entre outras. (Fonte: G1)
A bandeira que jamais seria vermelha se manchou de sangue. Tanto sangue, que nem se pode mais ver o verde-louro e o estrelado. Foram banhos e mais banhos de sangue causados pelo ódio, pela incompetência e pelo negacionismo. Sem mencionar as ligações de longa data com a milícia, os 89 mil na conta da Michelle, os 51 imóveis em dinheiro vivo, a rachadinha nos gabinetes, os 29,5 milhões em salários de funcionários fantasmas, os 21 milhões no cartão corporativo, o escândalo do MEC, os desvios de verbas envolvendo o orçamento secreto, a propina de US$1 por vacina e os tantos outros casos que o sigilo de 100 anos tenta esconder… e que ajudaram Bolsonaro, sua família e aqueles que os cercam a “passar a boiada”, disseminar o negacionismo e pintar de sangue a bandeira que jamais seria vermelha.
“E o Lula?”
Os governos Lula, certamente, não foram ausentes de defeitos, principalmente no segundo mandato. E, sim, ele foi beneficiado pelo boom de commodities e por políticas iniciadas no governo de Fernando Henrique Cardoso. Sim, ele falhou em controlar uma série de problemas fiscais graves. Trata-se de uma escolha, no entanto: um ou outro. Ou deixar que escolham por você.
Mesmo com seus defeitos, Lula fez muito pelo Brasil, principalmente em seu primeiro mandato, e é um político competente, que valoriza a democracia. O boom de commodities aconteceria com ou sem Lula, mas foi ele quem converteu os ganhos em políticas sociais. FHC criou o Bolsa Alimentação, o Bolsa Escola, o Cartão Alimentação e o Auxílio Gás, mas foi no governo Lula que eles foram condensados no Bolsa Família: o programa que tirou 3,4 milhões de brasileiros da extrema pobreza, reduziu a mortalidade infantil em 16%, reduziu em 12,2% a concentração de renda e teve o maior efeito multiplicador no PIB (1,78) e o menor custo entre todas as formas de transferência de renda existentes no país (a cada R$1 gasto com o Bolsa Família, adicionava-se R$1,78 ao PIB) (Fonte: UOL).
Para mais informações sobre os feitos e a política de Lula, recomendo um texto já publicado no site da Gazeta Vargas, que pode ser encontrado em nosso caderno Poder e Política: “60 motivos para votar no Lula”, por Miguel Guethi. Leia aqui: https://www.gazetavargasfgv.com/post/60-motivos-para-votar-no-lula.
A escolha é: defender a reestruturação ou a fragilização da democracia brasileira. É prezar pela cooperação internacional, pelo multilateralismo e pelos valores liberais democráticos que Lula e muitos outros ex-presidentes brasileiros tradicionalmente defendem e defenderam (com exceção de Bolsonaro, evidentemente) ou pelo antiglobalismo e o nacionalismo religioso vazios de Bolsonaro, que vê os ideais do multilateralismo como ameaça e busca definir toda a nação brasileira com base em religião.
Para uma maior compreensão sobre os pilares do governo Bolsonaro, recomendo o artigo “Brazilian foreign policy under Jair Bolsonaro: far-right populism and the rejection of the liberal international order”, escrito por Guilherme Casarões e Déborah Farias e publicado pela Cambridge Review of International Affairs em 2021.
Até 30 de outubro
Por todas as ações citadas neste texto e outras mais, Bolsonaro, no momento em que perder seu foro privilegiado, deverá responder por, pelo menos, nove tipos de crimes, incluindo: crime de epidemia com resultado de morte, crime de infração a medidas sanitárias preventivas, crime de emprego irregular de verba pública, crime de incitação ao crime, crime de falsificação de documentos particulares, crime de charlatanismo, crime de prevaricação, crime contra a humanidade e crime de responsabilidade (Fonte: inquérito da CPI da Covid).
Durante as próximas semanas, Bolsonaro sairá em busca de todos os meios possíveis e impossíveis para se reeleger, não só porque, como todo líder em democracias, ele naturalmente busca sua sobrevivência política, mas porque sua liberdade também está em jogo.
São 18 dias para recordarmos cada gota de sangue que manchou de vermelho o verde-louro dessa flâmula.
Autoria: Beatriz Bernardi
Revisão: Artur Santilli e Lucas Tacara
Imagem de capa: Pau-Brasil, Oswald de Andrade (1925)
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Fontes
Estimativa de vidas salvas na pandemia sem Bolsonaro:
Bolsonaro gastou quase 90 milhões em remédios sem eficácia comprovada:
Número de pessoas que passam fome no Brasil em 2022, em comparação com 2020:
Bolsonaro afirma que não tem fome “pra valer” no Brasil:
Brasil fica mais pobre durante governo Bolsonaro:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/07/brasil-fica-mais-pobre-durante-governo-bolsonaro.shtml
Brasil volta ao mapa da fome durante o governo Bolsonaro:
Mortes causadas pela falta de oxigênio em Manaus:
A culpa de Bolsonaro e Pazuello na falta de oxigênio em Manaus:
Violência contra indígenas e a culpa de Bolsonaro:
Assassinatos no campo nos primeiros 5 meses de 2022 sob o governo Bolsonaro:
Garimpo dobra e violência contra indígenas aumenta muito no governo Bolsonaro:
Desmatamento cresce 56,6% no governo Bolsonaro:
Salles é investigado por esquema de exportação ilegal de madeira:
Bolsonaro parou demarcações indígenas:
Bolsonaro critica proteção de terras em meio à crise em terra indígena:
Fabrício Queiroz e a esposa repassaram R$ 89 mil para Michelle Bolsonaro:
Família Bolsonaro usou dinheiro vivo para a compra de 51 imóveis:
Bolsonaro decretou sigilo de 100 anos em questões familiares:
Rachadinhas nos gabinetes da família Bolsonaro:
Funcionários fantasmas dos Bolsonaro receberam 29,5 milhões em salários:
Bolsonaro gastou 21 milhões em cartão corporativo:
Ex Ministro da Educação, Milton Ribeiro, diz atender a um pedido de Jair Bolsonaro para repassar verbas do MEC a municípios indicados por pastores:
Desvio de verbas envolvendo o orçamento secreto criado por Bolsonaro:
Ligação da família Bolsonaro com a milícia:
Governo Bolsonaro pediu propina de US$1 por dose de vacina:
As promessas não cumpridas de Bolsonaro:
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