Durante os primeiros dias da COP 27, a 27ª conferência do clima da ONU, que aconteceu no Egito de 6 a 18 de novembro deste ano, um potente discurso proferido pelo primeiro-ministro do Paquistão, Shehbaz Sharif, chamou a atenção. Nele, Sharif relembrou as enchentes que afetaram 33 milhões de pessoas em seu país e questionou por que seu povo deveria ser vítima de um desastre climático que não causou [1], e que é um produto do enriquecimento secular do primeiro mundo. Sua fala reflete a realidade cada vez mais palpável de que, conforme a crise climática se aprofunda, os países do Sul Global são os que mais sofrem, mesmo que os principais culpados sejam os do Norte Global.
Isso porque a população em países periféricos é muito mais dependente de setores econômicos fortemente afetados pela mudança climática — como a agricultura — e muito menos capaz de responder e se adaptar a ela, por conta de fatores financeiros e institucionais [2]. Quando se une essa situação às muitas deficiências socioeconômicas dessas nações, o resultado é uma dificuldade de angariar fundos para o combate da crise climática — é estimado que elas precisarão de 2 trilhões de dólares até 2030 para tal [3] —, demandar reparações aos países desenvolvidos e fazer frente a interesses econômicos poderosos de empresas de combustível fóssil, mineração e outros setores poluentes. Uma forma de contornar essa fraqueza seria uma coordenação institucionalizada entre os membros do Sul Global, mas esses países enfrentam um problema de ação coletiva; mesmo que todos se beneficiem desse tipo de arranjo, nenhum gostaria de arcar com os custos de facilitá-lo.
É aí que entra a OPEP das Florestas Tropicais, um organismo internacional que reuniria Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo (RDC) — Estados que governam territórios cobertos por grandes florestas tropicais — com fins de coordenar esforços de preservação ambiental [4]. Proposto pelo presidente eleito Lula durante a campanha presidencial deste ano, o projeto pode ter sua origem traçada até 2012, quando os três países procuraram trabalhar juntos para aumentar sua influência em debates internacionais a respeito de suas florestas [5]. A liderança do Brasil na criação dessa aliança supera o problema da ação coletiva, por ser um país capaz de internalizar os custos de coordenação e, desse modo, incentivar a participação dos outros atores. Se concretizada, a iniciativa permitirá que essas nações sistematizem sua comunicação na área ambiental, aumentem a conscientização nacional e internacional sobre a crise climática e negociem de forma mais incisiva e persuasiva suas demandas frente ao Norte Global.
A formação de canais institucionalizados de comunicação, acordos e negociações entre Brasil, Indonésia e RDC na forma de uma organização internacional reduziria os custos de transação associados à cooperação descentralizada. Esses custos se referem tanto às despesas com monitoramento e cumprimento de pactos entre os integrantes da entidade, quanto às oportunidades que seriam perdidas na ausência dela[6]. Ou seja, essa iniciativa tornaria as ações e as reações dos três países mais velozes e contundentes, o que mitigaria as dificuldades em cobrar ajuda de países desenvolvidos. Um exemplo disso é a própria Organização dos Países Exportadores de Petróleo — a supracitada OPEP — que, reservadas as críticas a sua atuação de cartel no mercado de petróleo, age habilmente para controlar os preços desse produto no mundo, de forma a proteger os interesses de seus membros, algo que seria complexo se cada um estivesse tentando exercer influência individual no mercado internacional. É essa mesma lógica que sustenta a necessidade dessa nova organização; proteger e avançar os interesses de países periféricos na pauta ambiental.
A aliança poderia, também, aumentar a conscientização das sociedades civis de seus três integrantes por meio da criação de sub-organizações para a produção de conhecimento acerca da mudança ambiental, de um ponto de vista de nações subdesenvolvidas e em desenvolvimento. Isso poderia acontecer de forma similar ao que faz o BRICS — grupo composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, o qual abriga sob sua denominação fóruns de negócios e think tanks, como o BRICS Policy Center, que dissemina conhecimento e debates acerca da geopolítica dos países participantes. A criação desse tipo de corpo sob a tutela da OPEP das Florestas Tropicais ajudaria as populações brasileira, indonésia e congolesa a internalizar informações sobre a mudança climática e pressionar seus governos por melhora, o que aumentaria sua determinação no combate internacional contra a crise climática.
Além de tudo isso, o Brasil se beneficiaria de ser o grande maestro por trás da orquestração dessa nova organização. Depois do sucateamento da política externa brasileira e subsequente destruição da reputação internacional do país, ambos patrocinados pelo governo Bolsonaro, é papel de Lula promover um Renascimento das relações exteriores do Brasil. Enquanto é uma espécie de consenso que esse processo virá de uma nova política ambiental que valoriza a preservação da Floresta Amazônica, não é muito claro o que de fato será feito. Acredito que uma das joias da coroa desse Renascimento internacional deve ser essa aliança, uma vez que é uma iniciativa inovadora que trará os holofotes do mundo para seus membros e pode colocar o Brasil novamente como um dos principais representantes do Sul Global, posição que deteve durante os governos anteriores de Lula.
É claro que a consolidação desse projeto depende de muitas variáveis, como a vontade política dos governos do Brasil, Indonésia e RDC em financiar a sua construção. Também é possível que o desenho dessa organização, como está posto no momento, seja muito restrito e que ela tenha que adicionar mais membros do mundo subdesenvolvido e em desenvolvimento para ser efetiva. No entanto, também é evidente que a crise climática se agrava dia após dia de inação e que ela é mais severa com países do Sul Global que, individualmente, detêm pouco poder econômico e político para barganhar em pé de igualdade com o Norte Global. Diante disso, a OPEP das Florestas Tropicais significaria o alvorecer de um futuro no qual — ao menos na pauta climática — os países pobres mandam, e os ricos obedecem.
Autoria: Pedro Augusto Castellani Rolim
Revisão: Beatriz Nassar e Gabriela Veit
Imagem de capa: Foto de Ricardo Stuckert/ Reprodução: pt.org.br
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Referências/Fontes:
[1] GREENFIELD, Patrick. Brazil, Indonesia and DRC in talks to form ‘Opec of rainforests’. The Guardian, 2022. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2022/nov/05/brazil-indonesia-drc-cop27-conservation-opec-rainforests-aoe. Acesso em: 20 de Novembro de 2022.
[2] Abeygunawardena et al. Poverty and Climate Change: Reducing the Vulnerability of the Poor through Adaptation. OECD,2002. Disponível em: https://www.oecd.org/env/cc/2502872.pdf. Acesso em: 20 de Novembro de 2022.
[3] HARVEY, Fiona. Developing countries ‘will need $2tn a year in climate funding by 2030’. The Guardian, 2022. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2022/nov/05/brazil-indonesia-drc-cop27-conservation-opec-rainforests-aoe. Acesso em: 20 de Novembro de 2022.
[4] GREENFIELD, Patrick. Brazil, Indonesia and DRC in talks to form ‘Opec of rainforests’. The Guardian, 2022. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2022/nov/05/brazil-indonesia-drc-cop27-conservation-opec-rainforests-aoe. Acesso em: 20 de Novembro de 2022.
[5] PARAGUASSU, Lisandra. EXCLUSIVE Lula pushes Brazil-Indonesia-Congo rainforest alliance if elected. Reuters, 2022. Disponível em: https://www.reuters.com/world/americas/exclusive-lula-pushes-brazil-indonesia-congo-cop-forest-alliance-if-elected-2022-08-31/. Acesso em: 20 de Novembro de 2022.
[6] GILLIGAN, Michael. The Transactions Costs Approach to Understanding International Institutions:An Intellectual Legacy of Robert O. Keohane. New York University. Disponível em: https://www.princeton.edu/~hmilner/Conference_files/KEOHANE/gilligan.pdf. Acesso em: 20 de Novembro de 2022.
MICHAELSON, Ruth. ‘Explosion’ in number of fossil fuel lobbyists at Cop27 climate summit. The Guardian, 2022. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2022/nov/10/big-rise-in-number-of-fossil-fuel-lobbyists-at-cop27-climate-summit. Acesso em: 20 de Novembro de 2022.
HARVEY, Fiona et al. Cop27 first week roundup: powerful dispatches, muted protest, little cash. The Guardian, 2022. Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2022/nov/12/cop27-first-week-roundup-powerful-dispatches-muted-protest-little-cash. Acesso em: 20 de Novembro de 2022.
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