ORGULHO E RESISTÊNCIA: DESDOBRANDO HISTÓRIAS
- Coletivo Delta
- 16 de jun.
- 7 min de leitura
Por muito tempo, viver fora do que a sociedade entendia como “normal” foi como ser um papel dobrado. Uma parte de si permanecia escondida, bem alinhada para não chamar atenção, tentando se encaixar em moldes que nunca foram pensados para todos. Quem amava diferente, quem existia fora dos padrões impostos, aprendeu a viver assim: dobrando pedaços da própria identidade para caber em espaços apertados.
Mas, como todo papel dobrado, chega um momento em que alguém percebe que é possível desdobrar. Que o que estava ali, meio escondido, sempre fez parte da folha inteira. Assim começa a trajetória do movimento LGBTQIAPN+: quando pessoas percebem que viver escondido para garantir sua própria segurança, embora necessário por muito tempo, se torna cada vez mais insustentável.
Durante séculos, a sociedade ocidental tratou qualquer vivência que fugisse da norma heterossexual e cisgênera como algo a ser reprimido e corrigido. As identidades dissidentes eram alvo de leis criminais, perseguições religiosas e práticas médicas que buscavam "curar" aquilo que nunca foi doença. Até o final do século XIX, a homossexualidade, por exemplo, era vista majoritariamente como um comportamento desviante, um ato isolado e condenável.
Foi apenas no surgimento da sexologia, já no fim desse século, que começaram a surgir os primeiros termos que tentavam nomear essas existências como categorias identitárias — ainda que muitas vezes a partir de um olhar “patologizante”.

No cenário internacional, o movimento LGBTQIAPN+ começa a ganhar força especialmente a partir da década de 1960. Esse período é marcado por uma série de transformações sociais mais amplas: o surgimento dos movimentos feministas, as lutas pelos direitos civis nos Estados Unidos, os protestos contra a guerra do Vietnã e a efervescência dos movimentos estudantis em diversas partes do mundo. Tudo isso cria um ambiente de questionamento das normas sociais, políticas e culturais — e, inevitavelmente, das normas que regem gênero e sexualidade.
Dentro desse contexto, pessoas LGBTQIAPN+ que até então viviam nas margens, entre a tentativa de se esconder para sobreviver e o desejo de existir plenamente, começam a se organizar de maneira mais estruturada. Um marco é a Rebelião de Stonewall, em 1969, em Nova York. Naquela noite, após mais uma batida policial violenta no bar Stonewall Inn — um dos poucos lugares onde pessoas LGBTQIAPN+ podiam se encontrar —, clientes e moradores do bairro decidiram resistir. Foram dias de confronto, que acenderam a fagulha para a criação dos primeiros grupos de ativismo moderno nos Estados Unidos, como a Gay Liberation Front e a Gay Activists Alliance.
O que antes era sussurro se tornou marcha, cartaz, ocupação de espaços públicos e reivindicação de direitos. Visibilidade passou a ser um ato de existência e de resistência. A partir da década de 1970, surgem as primeiras paradas do orgulho, que rapidamente se espalham por diversas cidades do mundo. Elas não são apenas festas: são atos políticos que reivindicam o direito de existir sem medo.
Ao longo das décadas seguintes, o movimento LGBTQIAPN+ se fortaleceu em diferentes países, ampliando sua atuação para diversas frentes: da luta contra a epidemia de HIV/AIDS, que revelou a negligência do Estado em relação às vidas LGBTQIAPN+, à pressão por legislações que reconhecessem direitos civis, igualdade no casamento, adoção e proteção contra discriminações no trabalho e nos espaços públicos. Além disso, o movimento também teve papel fundamental na transformação cultural, promovendo uma revolução na forma como pensamos sobre gênero, sexualidade, família e comunidade.
Essa mobilização constante levou a avanços importantes: reconhecimento de direitos civis, acesso à saúde, combate à discriminação e construção de uma cultura que valoriza a pluralidade de corpos, afetos e existências. No entanto, o caminho está longe de ser linear ou encerrado, e a história do movimento no âmbito nacional ilustra bem essa complexidade.
No Brasil, o movimento LGBT começa a ser articulado em meados dos anos 70 durante o contexto da ditadura civil-militar (1964-1985), ainda que a comunidade exista desde muito antes disso, marcado desde sempre pela resistência e luta pela existência digna e livre. Exemplos emblemáticos da persistência do grupo ao longo dos séculos são o caso do indígena Tibira, assassinado por suas práticas sexuais em 1614 com o apoio da Igreja Católica, e o caso de Felipa de Souza, condenada em 1591 pelo Tribunal do Santo Ofício pelas mesmas razões.
Nesse sentido, há registros históricos como documentos, jornais e fotografias que ilustram pessoas LGBTQIAPN+ expressando a sua identidade cotidianamente, ainda que de maneira escondida devido à repressão e ao preconceito, que deixou marcas persistentes até os dias de hoje.
Nos anos 80, com a epidemia do vírus HIV, criou-se um estigma em relação a pessoas homossexuais, que eram vítimas de afirmações falsas e infundadas sobre a sua sexualidade. A devastação causada pelo vírus na comunidade enfraqueceu e vulnerabilizou o próprio movimento que, agora, via-se fragilizado e alvo de ataques e exclusão por parte de setores conservadores da sociedade civil.
Por outro lado, a crise em questão, apesar dos efeitos negativos, também deu maior visibilidade a esse grupo, já que surgiram, no período, organizações nacionais e internacionais que tinham como objetivo ajudar pessoas portadoras do vírus, muitas vezes associadas à proteção da comunidade. O movimento aparecia, muitas vezes, associado a lutas de outros grupos minoritários, como o movimento feminista, o movimento negro e a luta contra a repressão policial na ditadura.

Nos anos 90, ainda que em certa medida como consequência de uma lógica mercadológica que visa o lucro por meio do potencial consumidor desse grupo, a disseminação de um discurso de diversidade e inclusão passou a ser pauta urgente, já que era necessário avançar no alcance de objetivos dessa população, que buscava equidade e igualdade de direitos. Assim, como fruto dessa luta, houve a conquista de direitos imprescindíveis como a criminalização da homofobia, a validade da união civil entre pessoas do mesmo sexo, o reconhecimento de pessoas transsexuais e a políticas visando a inclusão e qualidade de vida da comunidade.

A sigla utilizada no período era GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) mas, com o passar do tempo, a diversidade em relação à orientação sexual e de gênero fez com que a a sigla passasse a abordar outras identidades como bissexuais, pessoas trans e travestis, queer, intersex, assexuais, pansexuais, não-binários e outros, formando a nova sigla LGBTQIAPN+.
E por que essa história importa? Porque, apesar dos avanços, o papel ainda não está completamente aberto. Cada pessoa que caminha de mãos dadas com quem ama, que tem seu nome social respeitado, que se reconhece em espaços de afeto, cultura e trabalho, carrega consigo um pedaço dessa folha se desdobrando.
Ao abrir esse papel, percebe-se que ele sempre existiu inteiro, com suas histórias, cores, afetos e lutas. Um papel dobrado não desaparece; ele guarda marcas, memórias e, quando se desdobra, transforma-se em bandeira, em movimento e em futuro.

E é dentro desse cenário de avanços e desafios constantes que surge o Delta: o coletivo LGBTQIAPN+ da Fundação, visando tornar o ambiente acadêmico mais receptivo aos membros da comunidade. O coletivo surgiu como uma pequena ideia em 2011, mas que germinou em um vasto mar de novas convicções. Para a nova gestão, a continuidade do legado também deve refletir na preservação da memória daqueles que nos antecederam nesta iniciativa tão fundamental – o Delta foi e sempre será, também, de vocês. Os seus novos representantes, Larissa Maria, Sarah Costa e Nicolas Floriano, agradecem pela construção desse legado; o nosso avanço só poderá se concretizar porque nos apoiamos sob suas primeiras iniciativas.
Em pleno mês de orgulho LGBTQIAPN+, as nossas pautas acabam por ganhar maior visibilidade, mas é fundamental reconhecer que a busca pela diversidade e inclusão é uma demanda permanente que se estende por bem mais do que apenas 30 dias do calendário. Os inúmeros desafios enfrentados pela nossa comunidade não acabam no dia 1° de junho, mas reconhecemos que o mundo se torna progressivamente mais permissivo com a sua chegada, todos os anos. Apesar de compormos a gestão de um coletivo estudantil, reconhecemos a importância de não restringir nossas pautas antidiscriminatórias somente ao cenário acadêmico, afinal, a nossa existência transgride os corredores da faculdade a partir da vivência e história de cada membro, diariamente. Dessa forma, a nova gestão do Delta busca, assim como as anteriores buscaram, transformar não somente o ambiente universitário, mas também o mundo, em um espaço de apoio mútuo e acolhimento para os que precisarem, independentemente do período.
Nós todos sabemos os desafios enfrentados pela comunidade e sobre a retomada da popularização da homofobia, da transfobia e de outros tipos de preconceitos, que têm sido trazidos ao debate público com frequência, e é por isso que os convidamos a fazer parte de um espaço plural que busca priorizar um grupo tradicionalmente negligenciado – porque falar sobre a nossa existência não é só importante. É urgente.
Por fim, convidamos a todos a promover a inclusão por mais do que apenas alguns dias ao ano e acompanhar os eventos organizados pela nova gestão e as suas iniciativas dentro da Fundação e fora dela. Esperamos encontrá-los futuramente para continuarmos atuando, juntos, para a construção de um ambiente estudantil mais inclusivo. Seja Delta – Delta é mudança, e a nossa é cheia de cor.
Autoria: Coletivo Delta
Revisão: André Rhinow
Imagem de capa: Pinterest
Referências
HALPERIN, David M. Is There a History of Sexuality? History and Theory, v. 28, n. 3, p. 257-274, 1989. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2505179. Acesso em: 15 jun. 2025.
MAIA, Matheus; GUZZO, Lucas. LGBT e universidade: conheça a história, ações e pesquisas da UFU. conheça a história, ações e pesquisas da UFU. 2019. Disponível em: https://comunica.ufu.br/noticias/2019/06/lgbt-e-universidade-conheca-historia-acoes-e-pesquisas-da-ufu. Acesso em: 12 jun. 2025.
SARMET, Érica. Por uma história espiralar do movimento LGBTQIA+ no Brasil. 2022. Disponível em: https://escoladeativismo.org.br/por-uma-historia-espiralar-do-movimento-lgbtqia-no-brasil/. Acesso em: 12 jun. 2025.
WAITES, Matthew. Jeffrey Weeks and the History of Sexuality. History Workshop Journal, n. 69, p. 258-266, 2010. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/40646109. Acesso em: 15 jun. 2025.
WEEKS, Jeffrey. Queer(y)ing the “Modern Homosexual”. Journal of British Studies, v. 51, n. 3, p. 523-539, jul. 2012. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/23265593. Acesso em: 15 jun. 2025.
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