Nossa redatora, Luiza Castelo, apresenta uma reflexão a respeito do Oscar 2020: a maneira como progrediu e transformou a Academia, ao passo que conservou a quase absoluta falta de diversidade em todas as categorias.

Vencedores e indicados
A 92ª cerimônia de premiação do Oscar terminou com uma boa surpresa: a vitória de Parasita, não apenas na categoria de melhor filme estrangeiro, como também na categoria de melhor filme. O longa coreano fez história ao se tornar o primeiro filme em língua estrangeira a vencer o prêmio. Parasita concorria em um total de 6 categorias e levando, além dos prêmios já citados, as estatuetas por melhor roteiro original e melhor direção para Bong Joon Ho.
A vitória é certamente merecida. Ganhador da palma de ouro em Cannes, além de diversos outros prêmios ao redor do mundo, Parasita retrata de maneira profunda e complexa a questão da desigualdade e da tensão entre classes sociais, o que o torna um filme altamente universal. Além de contar com um elenco extraordinário, o filme é dirigido de maneira nova e original, misturando comédia e suspense com maestria. Como foi trazido pelo arquiteto e professor Guilherme Wisnik, o longa faz parte de uma leva de filmes que misturam gêneros para transmitir mensagens de relevância social, como “‘Corra!’, de Jordan Peele, que politiza o terror ao tratar do racismo, ‘Coringa’, de Todd Phillips, que combina a narrativa de super-heróis à convulsão social, ou ‘Bacurau’, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que figura uma distopia neoimperialista onde os mundos real e virtual se misturam.”
A cerimônia contou com diversas outras indicações de peso. No geral, 2020 trouxe uma excelente conjunto de filmes, com boas histórias e conteúdo significativo. A grande maioria das produções tinha em si algo de original, seja no conceito ou na produção.
Na categoria de melhor filme estrangeiro, brilhavam o lindíssimo Dor e Glória, filme poético e sutil do diretor espanhol Pedro Almodóvar, e o intenso Les Misérables, longa francês que retrata a violência policial contra imigrantes nas regiões periféricas de Paris. Foram indicados ainda o polonês Corpus Christi e o filme-documentário macedônio Honeyland.
Dentre os concorrentes ao prêmio de melhor longa metragem, Coringa foi o filme mais indicado da noite, tendo concorrido em onze categorias, das quais levou apenas melhor ator e melhor trilha sonora original. O Irlandês, de Martin Scorcese, concorria a dez prêmios, mas saiu de mãos vazias. Jojo Rabbit, de Taika Watiti, concorria em seis categorias e acabou levando apenas a de melhor roteiro adaptado, fazendo de Watiti o primeiro vencedor de ascendência maori da história. Ford vs Ferrari, indicado em quatro categorias, ganhou dois prêmios técnicos, de montagem e edição de som. Adoráveis mulheres, de Greta Gerwig, foi indicado em seis categorias e levou apenas o troféu de melhor figurino. História de um casamento saiu com o prêmio de melhor atriz coadjuvante, para Laura Dern, e Era Uma Vez em... Hollywood, de Quentin Tarantino, venceu duas dentre as oito categorias para as quais foi indicado, incluindo o primeiro Oscar de Brad Pitt como ator coadjuvante.
A grande surpresa, positiva ou negativa, dependendo de com quem se fala, foi a derrota de 1917, do diretor Sam Mendes. O longa vinha levando estatuetas de melhor filme em premiações como o Globo de Ouro, BAFTA e o Directors Guild Award. A narrativa sobre dois soldados da primeira guerra encarregados de impedir um ataque em outro front foi considerada um feito cinematográfico, devido ao fato de que parece usar um único plano-sequência. Isso significa que a audiência percebe o filme como uma única grande cena, sem cortes, o que gera a percepção de que a narrativa está se passando em tempo real, aumentando a angústia e tensão de quem assiste. Por esse feito, 1917 levou as estatuetas de efeitos visuais, fotografia e mixagem de som, apesar de concorrer em outras 7 categorias, incluindo melhor direção para Sam Mendes.
A falta de diversidade étnica e de gênero
Apesar de excelentes, os indicados desse ano evidenciaram mais uma vez a falta de diversidade ainda latente em Hollywood. Com exceção de Cynthia Erivo, que concorreu por seu papel no filme Harriet, todos os indicados nas quatro categorias de atuação eram brancos, assim como quase todos os indicados ao prêmio de melhor direção, com exceção de Bong Joon Ho, e a maioria dos indicados em categorias técnicas. Da mesma forma, todos os indicados a melhor filme, com exceção de Parasita, eram narrativas absolutamente centradas em personagens brancos.
Quanto a questão do gênero, muitas mulheres ganharam prêmios importantes, como Hildur Guðnadóttir (compositora da trilha sonora de Coringa e a primeira mulher a receber um prêmio nessa categoria), Nancy Haigh (direção de arte de Era Uma Vez em... Hollywood), Carol Dysinger e Elena Andreicheva (melhor documentário em curta-metragem), Karen Rupert Toliver (co-diretora do curta-metragem de animação Hair Love), entre outras. Ainda assim, a ausência de mulheres na categoria de melhor direção foi duramente criticada. Esse não é um problema recente: nos 92 anos da Academia, apenas 5 mulheres foram indicadas ao prêmio de melhor direção, e apenas uma delas (Kathryn Bigelow, por Guerra ao Terror) levou o prêmio.
Após as críticas pela falta de diversidade, a Academia tentou compensar com ampla representatividade entre os apresentadores e com momentos de autocrítica durante a cerimônia. Já no primeiro discurso, o comediante Chris Rock comentou a falta de indicados negros e de diretoras, mas isso certamente não foi o bastante para compensar pela homogeneidade dos indicados.
A falta de diversidade no Oscar e em outras premiações dificilmente vem como uma surpresa. Ainda que altamente criticável, não passa de um reflexo da falta de diversidade dentro da própria indústria de cinema americana. Em 2019, mulheres foram responsáveis por apenas 20% de todos os trabalhos de direção, roteiro, produção, edição e fotografia nos longas-metragens de maior arrecadação na indústria americana, e por apenas 10,6% dos trabalhos de direção nesses mesmos filmes. O problema não é apenas que mulheres não sejam indicadas ao prêmio de melhor direção, o problema é que elas sequer chegam a dirigir as grandes produções que serão eventualmente premiadas. Greta Gerwig tem se mostrado uma exceção. Apesar de não ter concorrido ao prêmio de direção esse ano, a cineasta conseguiu colocar seu longa na categoria de melhor filme pela segunda vez em apenas três anos (sua participação anterior foi com Lady Bird, que concorreu ao Oscar em 2018).
O problema da diversidade nas categorias de atuação é semelhante. Em 2017, 70,7% dos personagens retratados nos filmes de maior arrecadação do ano eram brancos, enquanto apenas 12,1% eram negros, 4,8% eram asiáticos, 6,2% eram latinos e 6,3% pertenciam a outros grupos étnicos. A sub-representação no Oscar reflete a sub-representação na indústria cinematográfica americana como um todo. Essa questão já foi trazida com força em premiações anteriores e culminou no movimento #OscarSoWhite em 2016. Em 2017, 2018 e 2019, as diversas indicações e vitórias de filmes como Moonlight, Estrelas Além do Tempo, Um Limite Entre Nós, Corra! e Infiltrado na Klan, assim como dos atores e profissionais técnicos indicados por essas obras, pareciam demonstrar uma mudança positiva, mas a premiação de 2020 trouxe um retrocesso. Apesar de avanços positivos como as vitórias de Parasita, Taika Watiti, Hildur Guðnadóttir e Hair Love, a cerimônia da noite de ontem deixou claro, mais uma vez, o quanto ainda falta para a indústria de cinema americana em termos de diversidade.
Referências:
1 https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2020/02/conflito-de-parasita-se-revela-em-casas-de-ricos-e-pobres-diz-wisnik.shtml?origin=facebook#_=_
2 https://emais.estadao.com.br/noticias/tv,hollywood-teve-numero-recorde-de-diretoras-em-2019-segundo-estudos,70003142552
3 https://www.nytimes.com/2018/08/02/arts/hollywood-movies-diversity.html
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