No texto de hoje, nossa redatora Daniela Carlucci traça o histórico feminino no tênis e todos os obstáculos que permeiam o esporte: o preconceito de gênero, o sexismo e as pressões estéticas. A ascensão da luta feminista para a inclusão de mulheres no tênis contribuiu para a trajetória feminina no esporte, que ainda possui espaço a ser conquistado. Venha ler para saber mais!
"Não estou dizendo que as mulheres não pertencem às quadras, pois quem pegaria as bolas do chão?". "Homens são mais empolgantes de assistir. É só biologia". Frases que são um reflexo da sociedade, na qual o tênis é apenas um recorte dessa realidade. Em busca de ultrapassar as barreiras sociais existentes, em 1973, Billie Jean King, americana, ex número um do mundo, aceitou o duelo travado com Bobby Rings, americano, também ex número um. Na chamada Batalha dos Sexos, partida amistosa de tênis entre os dois atletas mencionados anteriormente, em uma estrutura de 5 sets, na qual as mulheres não estavam acostumadas a jogar, Billie derrotou Bobby, num placar de 6/4, 6/3, 6/3, mostrando a força das mulheres no esporte e assim, provou para o mundo a equiparação de gênero dentro do esporte.
Após 7 anos do primeiro campeonato de tênis masculino, as mulheres tiveram sua estreia oficial no ambiente do tênis mundial, em Wimbledon, em 1884. Além de diferenças discrepantes entre as premiações de ambos os sexos, havia um rígido código de vestimenta para as atletas, o qual consistia em vestidos de manga comprida, espartilho e chapéus.
O jogo de 1973 teve consequências para além das quadras, sendo muito mais uma transformação social do que um marco unicamente da história do tênis. A década de 70 foi marcada por diversos acontecimentos e movimentos históricos, dentre eles a ascensão do movimento feminista. Nesse contexto, as mulheres cada vez mais estavam lutando por seu espaço na sociedade, buscando conquistar direitos iguais em relação aos homens.
Foi no ano de 1970, no qual 9 tenistas profissionais, se uniram para mostrar as insatisfações às monstruosas diferenças entre as premiações em relação aos atletas masculinos e femininos. Nesse cenário, criaram a Virginia Slims Series, que consistiu em uma série de torneios com grande premiação para as mulheres. Esta foi a base para a posterior criação da WTA (Women's Tennis Association) em 1973, essencial para a consolidação do tênis feminino e a garantia de premiações iguais entre gêneros.
No contexto da batalha dos sexos, em 1973, a lei Title IX, a qual garantia iguais oportunidades educacionais para os homens e para as mulheres, foi promulgada no Congresso americano. Com a forte cultura esportiva no país, esta também trouxe importantes investimentos para uma maior inserção feminina no ambiente esportivo. Assim, atrelada com a grande visibilidade do jogo, o qual foi visto por mais de 90 milhões de pessoas, foi uma grande motivadora para importantes mudanças sociais quanto a questão de gênero. Diversas mulheres que assistiram ao jogo na época se sentiram mais aptas para buscarem mudanças na realidade em que estavam inseridas, como pedir aumento para seus chefes. Além disso, outras três leis foram aprovadas pelo Congresso graças às consequências que o jogo trouxe para a história do esporte, para a questão de gênero e para o tênis em si.
Além disso, vale ressaltar o Golden Slam, maior objetivo na carreira de um tenista, que consiste na conquista dos 4 principais títulos dos Grand Slams, atrelado a uma medalha olímpica. O primeiro triunfo foi em 1988, da atleta alemã, Steffi Graf, que além dos 4 Grands Slams, venceu os jogos olímpicos de Seoul.
Apesar de grandes avanços contemplados anteriormente com os legados de 1973, quando trata-se da contemporaneidade, dentro e fora das quadras, o tênis feminino ainda sofre com o machismo. Diversos foram os casos recentes em que foi observada uma estrutura ainda bastante desigual estampada no esporte.
Em 2015, Serena Williams, número 1 da época, juntamente com Caroline Wozniacki, trouxeram a questão da priorização das quadras principais dos torneios para os jogos masculinos. Em diversos Grand Slams, como Wimbledon, as quadras centrais são destinadas em sua maioria para o acontecimento dos jogos masculinos, levando as partidas femininas ocorrerem, em sua maioria, nas quadras secundárias dos complexos esportivos.
Além da organização das partidas, a visibilidade que a imprensa traz para algumas questões também são bastante problemáticas. Em diversos momentos, jogadoras são intensamente sexualizadas pela mídia. Esse foi o caso de Victoria Azarenka, tenista bielorussa, que reclamou a respeito do foco dado aos gritos das jogadoras em partidas, em vez de serem vistos como resultado do grande esforço físico realizado, e assim também ouvido nos jogos masculinos.
Voltando para as questões dentro das quadras, códigos de vestimentas severos como os de 1884 ainda são observados. Em 2018, Serena Williams sofreu com críticas intensas relacionadas ao seu corpo o qual seria bastante distinto do padrão estético de tenistas femininas. Diante disso, foi proibida de usar uma peça de roupa preta e justa inspirada no filme Pantera Negra, uma vez que, de acordo com o dirigente de Roland Garros, a atleta teria faltado com respeito por sua vestimenta ser considerada ousada.
Outro caso recente que evidencia regras antiquadas de uma herança de uma estrutura de gênero bastante desigual foi o de Alizé Cornet, a qual foi punida severamente por realizar uma troca de roupa dentro da quadra durante uma partida no US Open. Vale ressaltar que, diferentemente dos jogos masculinos, em que a troca de roupa pode ser realizada em qualquer momento, desde que o atleta esteja sentado, quando trata-se de jogos femininos, estas só podem ocorrer fora da quadra ao final de um set ou de um atendimento médico.
Diante dos casos recentes, além do histórico do tênis feminino de ser visto como um desfile de moda de mulheres bonitas, em que em muitos casos, a vestimenta e a beleza das jogadoras são colocadas acima das técnicas e táticas envolvidas no esporte, compreende-se que a luta por igualdade no tênis ainda tem muito a se conquistar. O jogo de 1973, além de grandes jogadoras como Serena Williams, Steffi Graf, Maria Esther Bueno, dentre outras, evidenciam que uma mulher joga tão bem quanto um homem, não sendo menos capaz, e devem ter seus direitos respeitados.
Foto da capa: Ajay Chandran
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