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PROJEÇÃO GLOBAL E IDENTIDADE: O DESAFIO DA HAVAIANAS COM GIGI HADID


Havaianas e Gigi Hadid anunciaram recentemente uma parceria. A modelo firmou a relação com a marca por meio de suas redes sociais, anunciando, também, uma fase mais internacionalizada da marca. A princípio, essa é uma notícia extremamente intrigante para nós, entusiastas da moda nacional e assíduos torcedores da representação brasileira mundo afora. Mas, ao mesmo tempo, colocou-se em pauta uma dualidade de impressões conforme pensamos na campanha e em como ela foi realizada. 


Primeiramente, a campanha conta com inúmeros símbolos brasileiros, tem como cenário o Rio de Janeiro e imprime completamente a estética de "Brazil Core". O que, pela perspectiva da marca, é extremamente interessante, dado que conseguiram surfar o hype da estética brasileira em alta e projetar a imagem nacional para o exterior. Nesse caso, usar a imagem de Gigi Hadid, somada ao Rio de Janeiro foi um golpe certeiro: a modelo é querida globalmente, identificada no mundo todo, pouquíssimo envolvida em polêmicas e conectada com a geração Z. Entretanto, a campanha não foi fotografada em solo brasileiro e conta com códigos extremamente americanizados — a ponto da modelo usar uma camiseta escrita “It 's better in BRAZIL” —, o que revoltou bastante o público verde e amarelo. 


Com essa campanha, a marca apostou no público internacional e traçou uma estratégia coerente. Mas será que vale a pena gerar descontentamento no próprio país? Considerando que a maioria de seus consumidores está por aqui, acredito que seja uma situação delicada.  Inegavelmente, o Brasil entende a força de Gigi Hadid e torce pela projeção global da moda brasileira. Mas também é um país que cobra — e cobra caro — pela sua imagem internacional. Entende-se aqui que não é uma questão de consumir ou não o produto, até porque o brasileiro médio dificilmente boicotaria a marca em virtude da campanha; ainda estamos falando de um nicho muito específico. Mas o Brasil representa uma verdadeira potência online, capaz de derrubar contas ou balançar o engajamento de eventos globais, como no caso no Oscar, por exemplo. Sendo assim, decepcionar o Brasil não se torna rapidamente um tiro no pé? 


 A cultura digital no Brasil é vibrante e reativa; os consumidores estão sempre prontos para expressar suas opiniões e reforçar suas identidades coletivas. Ao não incluir a autenticidade local e ao afastar a narrativa brasileira, a marca não apenas aliena uma parte significativa de seu público, mas também corre o risco de gerar uma onda negativa que pode repercutir em sua reputação global. Se tem algo que aprendemos com “Ainda Estou Aqui" e Bruno Mars, é o quão interessante é para marcas, eventos, pessoas fisicas, jurídicas etc. incorporarem a rica diversidade e a energia criativa do Brasil em suas estratégias de marketing. Aproveitar todo o potencial de engajamento que o país oferece é uma escolha inteligente que a Havaianas, ao que parece, escolheu ignorar. 


Para além, em termos práticos, surge um outro questionamento importante: quem seria a escolha ideal para substituir a Gigi Hadid em uma campanha global? Fala-se em Anitta, que seria uma ótima opção brasileira e de alcance global, mas a artista já tem um contrato com a Kenner, concorrente direta da Havaianas. No mais, poderiam ter se aproveitado das angels brasileiras, Alessandra Ambrósio ou Gisele Bündchen, mas, ainda assim, são personalidades muito distantes na nova geração. Outras opções vêm à tona como Mia Goth, Alex Consani, Bruna Marquezine, Camila Mendes etc., que talvez não tenham o alcance que a marca gostaria. 


Talvez uma decisão estratégica mais equilibrada fosse considerar a inclusão de uma figura brasileira ao lado de Gigi Hadid na campanha. Essa collab poderia alinhar a projeção internacional da modelo com a autenticidade local, gerando um maior impacto na percepção do público brasileiro. Ao associar a imagem da Gigi, amplamente reconhecida, à de uma brasileira, a campanha não apenas traria um aspecto mais autêntico à narrativa, mas também atenderia ao desejo do consumidor brasileiro por representatividade. Somar essa abordagem a um shooting realizado no Brasil, com uma equipe brasileira, poderia mitigar as críticas relacionadas à desconexão da campanha com o contexto nacional e, ao mesmo tempo, amplificar a relevância da marca tanto localmente quanto no exterior. 


Além disso, ter a presença de uma embaixadora local seria uma forma de fazer com que a Havaianas mostrasse que valoriza suas raízes culturais enquanto busca o crescimento global. Essa abordagem seria uma forma de reconhecer e respeitar a importância do mercado brasileiro, cultivando um relacionamento mais positivo e engajado com seus consumidores locais, sem perder de vista o apelo internacional. 


Por outro lado, uma alternativa que a Havaianas poderia considerar seria adotar uma estratégia semelhante à da Farm Rio, que separa suas identidades de marca nacional e internacional. Essa abordagem permitiria o desenvolvimento de estéticas distintas para cada mercado, refletindo as nuances culturais e as preferências de cada um. Ao criar linhas de produtos e campanhas que celebram a diversidade do Brasil para o público local, enquanto mantém uma comunicação mais cosmopolita para o mercado internacional, a Havaianas poderia maximizar seu potencial de engajamento, consolidando-se como uma marca que valoriza suas raízes culturais e se adapta ao contexto global. 


Certamente essa separação de identidades tornaria a marca mais relevante em ambos os segmentos, permitindo que os consumidores brasileiros se sentissem valorizados, ao mesmo tempo que atenderia às expectativas de públicos internacionais, evitando confusões e descontentamentos na percepção da marca. Adotar o “Brazil Core”, para os brasileiros do “Brasil com S”, pareceu não valorizar a marca em nenhum sentido, construindo uma imagem dúbia. 


Assim, conclui-se que a colaboração entre Havaianas e Gigi Hadid, embora estratégica no cenário global, levanta questões importantes sobre a valorização da identidade brasileira da marca. A comunicação foi claramente voltada para o público europeu e norte-americano, ignorando que o Brasil é não apenas o país de origem da marca — onde toda sua identidade foi construída —, mas também um dos países com maior potencial de engajamento nas redes sociais. Uma construção mais cuidadosa, como registrar Gigi em território brasileiro, ao lado de uma brasileira renomada — seja Camila Coelho, Taís Araújo, Gisele Bündchen ou Bruna Marquezine — poderia ter evitado a sensação de que a marca estava oferecendo migalhas à sua própria nação.


A falta de conexão autêntica aliena parte do público local e gera uma onda de descontentamento, ao mesmo tempo em que enfraquece a narrativa da marca. Para que a Havaianas continue sua trajetória de sucesso, é crucial que a marca encontre um equilíbrio entre suas ambições globais e o reconhecimento de suas raízes culturais, garantindo que a autenticidade e a valorização do Brasil sejam, ao menos, uma pauta constante em suas campanhas. Texto: Rafaella Butori Revisão: Arthur Quinello e Giovana Rodrigues Imagem de Capa: Reprodução Havaianas




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