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QUAL O LIMITE DO DIREITO AO SILÊNCIO?



A Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a resposta do governo federal frente à pandemia do coronavírus, a famosa CPI da COVID-19, tem sido um dos principais tópicos de debate no país, sendo que uma das principais discussões relativas a ela é o direito ao silêncio.


A polêmica

O direito ao silêncio virou tema de debate quando, em maio, Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, impetrou um habeas corpus (HC) no STF pedindo para poder ficar em silêncio durante seu depoimento à CPI. O ministro Ricardo Lewandowski concedeu o HC, afirmando que, pelo ex-ministro já estar sendo investigado criminalmente pela crise de oxigênio em Manaus e pelos fatos pertinentes a essa investigação também estarem sendo investigados na CPI, ele teria o direito de se manter calado para não produzir provas contra si mesmo. No entanto, ele deveria responder a perguntas referentes a demais tópicos que não o levassem à auto-incriminação.[1]


No decorrer da CPI, outros depoentes também tiveram HCs concedidos pelo STF para que pudessem ficar em silêncio, todos com base no direito do acusado de não poder ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. A controvérsia, porém, se aprofundou quando Manuela Medrades, diretora-técnica da Precisa Medicamentos Ltda., decidiu se manter em absoluto silêncio, não respondendo a qualquer pergunta formulada pelos senadores. No dia anterior ao seu testemunho, o ministro Fux do STF havia concedido a ela o direito de se manter em silêncio. Tanto a defesa de Manuela quanto a direção da CPI adentraram no STF pedindo para que o alcance do direito ao silêncio fosse esclarecido. O ministro Fux explicou que caberia à CPI definir se o depoente estaria abusando do direito ao silêncio e quais as medidas cabíveis em caso de abuso. [2]


Mas o que é o direito ao silêncio?

Simplificadamente, o direito ao silêncio é uma garantia constitucional que permite que um acusado possa se manter calado quando prestar depoimento, uma vez que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. Importante ressaltar que caso a pessoa escolha se manter em silêncio, isso não pode ser considerado como uma admissão de culpa.


Esse direito está resguardado na Constituição Federal, art. 05, LXIII: o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.


Em complemento, o Código de Processo Penal determina que não só o acusado tem direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas, como também deverá ser informado desse direito pelo juiz antes mesmo de iniciar o interrogatório (art. 186). Além disso, o parágrafo único desse artigo define que o silêncio tanto não poderá ser considerado como uma confissão e quanto não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. Assim, vale ressaltar que a interpretação mais aceita é a de que esse direito não se restringe apenas a quem está preso, mas a qualquer um que seja investigado ou réu em uma ação penal.[3]


Pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário também resguardam o direito ao silêncio, notoriamente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8, II, g) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo 14, III, g).


Mas esse direito é válido para CPI?

A Constituição confere às Comissões Parlamentares de Inquérito poderes de investigação equivalentes aos das autoridades judiciais (art. 58, §3). Portanto, todas as garantias asseguradas a um investigado, réu ou testemunha também devem ser respeitadas na CPI, incluindo o direito ao silêncio e a não auto-incriminação.


Nesse sentido, cabe distinguir o papel de um acusado do papel de uma testemunha. O acusado é o alvo de uma investigação e de um possível processo criminal. Quanto às testemunhas, estas não estão sendo acusadas e têm o dever de responder as perguntas verdadeiramente, sob pena de falso testemunho. Nesse sentido, é importante ressaltar que não basta a CPI listar alguém como testemunha se a pessoa é, na verdade, acusada. O que deveria contar é a posição real, não aparente, daquela pessoa para a CPI. Portanto, se alguém estivesse listado como testemunha, mas, na verdade, for um investigado, essa pessoa deve ter todos os direitos de um réu resguardados.


Quais os limites desse direito?

Por fim, a grande questão é se existe limites ao direito ao silêncio.


Para o acusado, a resposta é simples: esse direito é absoluto. Não é possível flexibilizá-lo ou interpretá-lo. Se o acusado quiser se manter em silêncio, ele tem essa prerrogativa e não deve ter sua escolha desrespeitada. Já para uma testemunha, por mais que haja o dever de responder verdadeiramente o que lhe for perguntado, isso não significa que ela não esteja abrangida por essa garantia constitucional caso julgue que responder a determinado questionamento possa ser legalmente prejudicial a ela. Assim, seguindo a posição adotada pelo STF na concessão de diversos HCs a depoentes da CPI, o razoável parece ser que a pessoa possa se manter em silêncio em relação a tudo que não possa lhe auto-incriminar, mas que deva responder às demais perguntas.


No entanto, outro ponto que deve ser destacado é que na decisão em que Fux esclarece o alcance do direito ao silêncio de Manuela Medrades, o ministro determina que cabe à CPI determinar se um depoente está ou não abusando do seu direito ao silêncio. Esse entendimento é problemático, na medida em que a única pessoa que sabe o que é prejudicial a ela ou não é a própria pessoa. Deixar para os dirigentes da CPI decidirem isso abre margem para uma possível situação em que alguém seja obrigado a produzir prova contra si mesmo, o que é uma clara afronta a garantias e direitos constitucionais básicos.


Eventuais discursos de que se deve haver uma flexibilização da lei para a CPI, dada a importância do que está sendo analisado, são uma clara afronta à Constituição e ao próprio sistema judiciário. Garantias constitucionais e penais não podem ser relativizadas dependendo de quem beneficiará ou do que está sendo investigado. A lei vale para todos, assim como sua relativização é perigosa para todos, pois, ao fazer isso, cria-se margem para que essa relativização que deveria ser exceção torne-se regra, prejudicando a todos.



Autoria: Thaís Ferrari

Revisão: Guilherme Caruso e Julia Rodrigues

Imagem de capa: Ueslei Marcelino/Reuters

 

Notas:

[1] Salta à vista, porém, que a sua presença na indigitada CPI, ainda que na qualidade de testemunha, tem o potencial de repercutir em sua esfera jurídica, ensejando-lhe possível dano. Por isso, muito embora o paciente tenha o dever de pronunciar-se sobre os fatos e acontecimentos relativos à sua gestão, enquanto Ministro da Saúde, poderá valer-se do legítimo exercício do direito de manter-se silente, porquanto já responde a uma investigação, no âmbito criminal, quanto aos fatos que, agora, também integram o objeto da CPI. HC 201.912 MC / DF p. 11


[2] Por outro lado, nenhum direito fundamental é absoluto, muito menos pode ser exercido para além de suas finalidades constitucionais. Nesse ponto, às Comissões de Parlamentares de Inquérito, como autoridades investidas de poderes judiciais, recai o poder-dever de analisar, à luz de cada caso concreto, a ocorrência de alegado abuso do exercício do direito de não-incriminação. Se assim entender configurada a hipótese, dispõe a CPI de autoridade para a adoção fundamentada das providências legais cabíveis. HC 204422 / DF p.02



Referências:















LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 446.



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