
Bruno Covas, herdeiro de importante família e linhagem política do Estado de São Paulo, exercia seu segundo mandato como prefeito da maior cidade do Brasil, quando se licenciou, no dia 2 de maio de 2021, para o tratamento de um câncer. Na luta contra a doença desde 2019, obteve piora em seu quadro médico e faleceu no dia 16.
Bruno disputou a reeleição sabendo de seu prognóstico incerto, como também o sabiam seus opositores. As atenções, à época, voltaram-se para seu vice, Ricardo Nunes, em um movimento que combinava o natural da democracia com um certo desconforto e constrangimento inevitável: era necessário conhecer a fundo a personalidade que poderia rapidamente ter que assumir a prefeitura caso houvesse uma possível piora no estado de saúde de seu titular, o qual tornara pública sua batalha contra a doença desde cedo. E, em outro movimento natural da democracia, o eleitorado paulistano escolheu a gestão e a possível gestão de Bruno e Ricardo. Enquanto escrevo, neste domingo, o corpo do prefeito realiza cortejo fúnebre pela cidade de São Paulo e segue para Santos, sua cidade natal e onde será enterrado, ao mesmo tempo que a morte de uma figura pública fomenta uma já conhecida receita de repercussão midiática: legados, polêmicas, família, críticas e lamentações por uma vida abreviada. Não contribuirei, aqui, com uma cobertura que já está sendo amplamente realizada por veículos de imprensa e formadores de opinião sobre a vida e morte de Bruno Covas, com uma única e breve exceção: não me parece razoável considerar desonesta a atitude de Covas de simplesmente continuar vivendo sua vida e exercendo o que ele acreditava ser sua vocação em meio a um diagnóstico inegavelmente trágico como o de um câncer. Bruno se candidatou com todas as informações nas mãos do público. As cartas estavam dadas. São Paulo o reelegeu. Não nos esqueçamos que figuras importantíssimas de nossa vida republicana - dentre elas, Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, dos quais sou uma admiradora pessoal em diversos aspectos - já haviam passado pelo tratamento de cânceres antes de suas candidaturas, como também ostentavam vice-presidentes razoavelmente desalinhados com suas propostas titulares.
E quem é, ou melhor, quem será o novo prefeito da cidade de São Paulo? Ricardo Nunes foi, durante seus dois mandatos como vereador, articulador em bases petistas e tucanas na Câmara, tendo projeto de transporte hidroviário aprovado pelo então prefeito Fernando Haddad, sendo bem articulado com o empresariado da zona sul. Também foi responsável por lobby para anistiar e regularizar templos religiosos irregulares na lei de zoneamento em 2016 e por barrar menções a termos de gênero do Plano Municipal de Educação. Apesar de posicionamentos evidentemente mais conservadores, foi escolha pessoal de Covas, e afirmou em pronunciamento no dia de hoje que a melhor maneira de homenagear o titular seria continuar a administração de acordo com seus valores iniciais. Enquanto vereador, afirmava publicamente que a centralização da gestão na figura de um prefeito em uma cidade do tamanho de São Paulo era “burra”, e, hoje, traz o quinto maior orçamento do país (maior até do que alguns estados da federação) ao MDB, partido fisiológico de centro-direita ao qual é filiado. Em paralelo à sua trajetória política, Ricardo foi acusado em 2011 de violência doméstica, ameaça e injúria pela esposa, com quem segue casado até hoje, a qual, atualmente, apresenta versão da história diferente da inicial, negando qualquer agressão.
Que caminho, afinal, irá seguir? Obviamente, não sabemos, mas temos por onde começar a nos atentar e fiscalizar. Irá Ricardo cumprir com sua palavra de dar continuidade à gestão que caminhava entre a direita e a centralidade? Ou irá aproveitar a janela de oportunidade em questão para retomar seus posicionamentos que, hoje, poderiam colocá-lo em “melhores” lençóis no xadrez bolsonarista nacional? Continuará defendendo a descentralização política em torno de seu cargo? Qual será o encaminhamento da investigação do Ministério Público que o cita como próximo a entidades gestoras de creches terceirizadas e donos de empresas locadoras dos imóveis onde funcionam as escolas ligadas a essas instituições?
Em seu instagram, Guilherme Boulos, até então um dos principais adversários políticos de Covas, tendo-o enfrentado no segundo turno das últimas eleições, postou uma foto junto ao prefeito, lamentando o ocorrido e pontuando: “Tivemos uma convivência franca e democrática”. Bruno Covas se vai, deixando a nós a indagação se ainda somos capazes de continuar produzindo e exigindo uma política franca e democrática por parte de nossos representantes. Aí está o maior desafio para Ricardo Nunes.
Revisão: Cedric Antunes
Imagem de capa: Reprodução CNN Brasil
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