O autor relata que o texto é antropológico e antropofágico, com repulsa a qualquer discurso nutricional, racional ou midiático. Texto desmembrado de sentido completo. Texto que se completa nas tripas do leitor. Texto esquartejado em seis pedaços de carne.
A carne corrói a palavra
Eu tinha sentido, e meu sangue fluía. Eu tinha um enredo, sentido, e meu sangue fluía. Eu narrava um acontecimento qualquer, e meu sangue fluía. Eu era pensamento, era carne, e meu sangue fluía. Agora sou apenas incompletude: um pensamento-carne que luta antropologicamente para dar sentido à carne e uma carne-pensamento que antropofagicamente devora o sentido. Meu sangue não flui. Manchei o restante desta folha de papel com a cor sanguínea de minhas críticas, rancores e ressentimentos.
A carne corrói a estranheza
Minha carne é comercial. Quando rasteja, a carne bárbara é repulsivamente repugnante, com seu rastro moribundo de sangue no chão. A carne tem classe, porém, e veste somente o socialmente aceito. Hábitos, somente os aprovados após detalhada vistoria da civilização. Todos palatáveis: código de aprovação sanitária e social dos higienistas dos costumes.
A carne corrói a integridade
Minha carne tem preço. Carne humana, animal e literária dispostas no mesmo açougue. O prato que me serve define quem sou e quem me devorou. O prato define também quem não me devorará. Faço parte de um grande conto de fadas genocida: era uma vez um empresário que despediu um pobre coitado, matou uma família de fome, financiou esse texto e ainda saiu como herói da história toda.
A carne corrói o tempo
Minha carne é promessa fútil de um futuro melhor. Vísceras criadas em um chiqueiro ou em um abatedouro gourmet. Receita do dia: carne-vômito. Faça corno job em três entidades diferentes, pegue quatro eletivas por semestre, durma menos de quatro horas por dia, ganhe um crachá de Diretor, e, no fim, tenha a satisfação de que o seu tempo de vida seja potencialmente encurtado em dez anos.
A carne corrói a história
Minha carne tem nome e identidade, mas não tem pudor algum em tribalizar-se. Se Adolf Hitler tivesse fundado a instituição de ensino Fundação Adolf Hitler na Alemanha, os alunos não resistiriam ao chamado da carne, sentiriam muitíssimo por tribalizar-se em apelidos como Adolfianos ou Hitlerianos apesar do passado fascista de seu fascista patrono. Nossa carne tribalizada gvniana com tempero sabor tortura desde 1937.
A carne corrói a seriedade
Minha carne é puramente estética e deseja existir somente aos olhos dos outros. As dores de um texto em sangue seco são secundárias. A mediocridade vem primeiro: agradar ao leitorado. A mediocridade vem primeiro: ser publicado na Gazeta Vargas, um jornal estudantil em uma faculdade onde ninguém lê.
Autoria: Arthur D’Antas
Revisão: André Rhinow, Anna Cecília Serrano, Beatriz Nassar e Gabriela Veit
Imagem de capa: Arthur D'Antas e Ana Cristina
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