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TODOS TEMOS DIREITO DE BRINCAR

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Quando eu era pequena, eu gostava de brincar na chuva, comer areia, e sair correndo pela sala. Quando eu era pequena, eu não gostava de pimenta e nem de restaurantes barulhentos (sim, eu era uma criança chata). Quando eu era pequena, eu amava brincar de esconde-esconde e pega-pega, de boneca e de faz de conta. Quando eu era pequena, gostava de pular corda e amarelinha, ir no parquinho pra brincar no gira-gira, no escorregador, no balanço e no trepa-trepa. Quando eu era pequena, gostava de brincar na piscina de bolinha e no pula-pula.


Quando eu era pequena, eu gostava de assistir meus desenhos favoritos na televisão e quando chegava a hora do intervalo eu saia correndo pra ir no banheiro ou buscar alguma coisa pra comer, e apostava uma corrida comigo mesma que voltaria antes das propagandas acabarem. Quando eu era pequena, gostava de brincar de luta e jogar tênis no meu Wii, e levava minha pontuação muito a sério, viu?


Eu cresci, agora eu não como mais areia, mas amo farofa. De vez em quando eu brinco na chuva e saio correndo pela sala, só porque eu posso. Eu cresci e hoje gosto de pimenta e restaurantes barulhentos não me incomodam muito. Eu cresci e ninguém brinca de esconde-esconde nem pega-pega comigo.


Eu cresci e agora eu deito na cama e rolo pelo Instagram por horas a fio, sem nem mesmo levantar pra buscar uma água. Não tem propagandas longas que me dão tempo de ir ao banheiro, até pra lá eu levo o celular. Não assisto mais nada na televisão, só em streamings, e agora que o Disney + coloca propagandas durante a minha série eu fico irritada com esse tempo de espera.


Eu cresci, e sim, mudei muito: meus gostos, hobbies e minha rotina. Mas, o que me impede de continuar brincando com as mesmas coisas? Parte de mim sorri com as brincadeiras que me faziam feliz na infância, aquilo que é mais banal às vezes arranca das pessoas o maior dos sorrisos. As obrigações e responsabilidades da vida não deveriam tirar de nós a graça do mundo: tropeçar, cair e ficar encharcada era engraçado quando criança, porque não pode mais ser?


Eu ainda posso jogar Wii e brincar de faz de conta. Posso desenhar uma amarelinha no chão e pular até chegar ao céu  agora que eu parei pra pensar, fiz isso faz pouco tempo, bastou uma criança com força de vontade e que precisava de companhia pras suas brincadeiras.


Eu posso pular corda e cantar “um homem bateu em minha porta”, depois colocar a mão no chão enquanto tento me equilibrar, pular de um pé só e dar uma rodadinha, com um sorriso no rosto, até chegar o momento em que a música me manda pro olho da rua e eu tenho que sair correndo da corda.  Eu posso pular corda até cansar, cantando “quantos anos você tem” e “qual a letra do seu namorado” para chegar a conclusão que já tenho 50 anos, mas ainda consigo pular muito. Posso pular muito rápido também, cantando “salada saladinha” até ficar sem fôlego.


Quem disse que eu não posso mais brincar de pato-e-ganso ou fazer bolinhas de sabão? Eu sou a única pessoa que me impede de ser uma criança mais uma vez. Ou talvez eu não precise ser criança para brincar e me divertir: todos nós temos direito de brincar.



Autoria: Elis Montenegro Suzuki

Revisão: Ana Carolina Clauss, 

Imagem de capa: Acervo pessoal

 
 
 

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