Um ano antes das eleições nacionais, os pensamentos de “quem salvará o Brasil de Bolsonaro?” são patentes na cabeça dos que não suportam mais o plano de destruição da extrema direita brasileira. Vivemos um momento em que muito está em jogo, tanto para nossa democracia, como também para os sobreviventes dessa política de morte, e não podemos apostar nossas fichas em um sebastianismo ilusório de antigos aliados do bolsonarismo ou mesmo de quem nunca colocou a democracia brasileira em primeiro lugar. O único que pode salvar o Brasil é o povo, que deve ser protagonista da derrocada dessa organização criminosa que capitaneia nosso país ao abismo, e também, figura central para o próximo projeto de país que escolheremos. Não há, contudo - até o momento - qualquer personagem na terceira via que busque fazer um governo popular, que devolva-nos a dignidade e a chance de uma vida melhor e que tenha possibilidade de confrontar Bolsonaro nas urnas.
Decerto, os defensores dessa terceira frente acreditam buscar a solução mais sóbria e “fora da polarização”, ao passo que - muitas vezes - fazem uma falsa simetria entre Lula e Bolsonaro. Primeiramente, ressalto que o momento vivido hoje já ultrapassou o estado de polarização, uma vez que Bolsonaro rompe constantemente com os canais do estado democrático de direito e ataca as estruturas democráticas, além de flertar com o neofascismo. Vivemos um momento de ruptura. Nesse sentido, é importante analisar quais são as opções disponíveis que se autointitulam uma terceira alternativa, tendo como um questionamento necessário o posicionamento do pretenso candidato em 2018 - isto é, se esteve ao lado da democracia. Infelizmente, a maioria dos nomes cogitados estava dobrado ao projeto maléfico na última eleição e tampouco fez uma autocrítica mínima necessária para ter credibilidade.
Vale lembrar que o Brasil não se limita ao Sudeste - um antro direitista - e nem tem sangue de barata. Como empurrar goela abaixo de um povo com fome o PSDB de João Doria com suas políticas higienistas? Sérgio Moro, que era fiel escudeiro de Bolsonaro e juiz-político. Mandetta, que também esteve na turma dos apoiadores do governo e cujo partido - DEM - sequer apoiou a pauta do Impeachment quando detinha a Presidência da Câmara dos Deputados. O “centro democrático” pouco se sustenta em seu oportunismo de quem em outros momentos não defendeu a democracia, e que também esquiva-se de focar em políticas para as camadas populares. Não fosse o coronavírus, que trouxe consigo a perda de popularidade do Presidente e diversas crises internas em seu governo, eles ainda estariam cooptando entorno do mesmo projeto de país. O Brasil não precisa e não aguentará uma continuação do governo Bolsonaro, apenas com menos ataques diretos à democracia e negacionismos tresloucados.
O país precisa de reformas urgentes, mas que tragam melhorias ao trabalhador e não apenas cortes para acertar as contas públicas ante qualquer custo, deixando quem mais precisa à deriva. Nesse ponto, é importante notar como as reformas dos governos Temer e Bolsonaro, que tiveram apoio dessa terceira frente, cercearam, majoritariamente, direitos dos menos afortunados, sem efetuar, contudo, um corte de privilégios ou mudança que buscou corrigir desigualdades. As políticas de austeridade são necessárias, mas para essa terceira via, quem deve arcar com seus déficits é o povo, como já mostraram desde o teto de gastos, até a reforma da previdência. A diminuição das contas públicas não pode ser sob a retirada do pouco que o pobre já tem.
Outro ponto importante a se levantar é a popularidade e carisma que uma eleição para presidente demanda. E, nesses dois quesitos, ninguém pode com Lula. O melhor presidente que o Brasil já teve é o nome responsável pelo projeto que nos tirou do mapa da fome, colocou o filho dos trabalhadores na universidade e chegou o mais perto de dar uma vida digna ao povo brasileiro. Lula ainda brilha nos olhos de quem seu governo beneficiou com o “Bolsa Família”, com o “Minha Casa Minha Vida” e com diversas outras conquistas de direitos para o povo ao longo dos oito anos em que esteve à frente de nosso país.
Do alto do pedestal da sabedoria, apontam para Lula como uma opção tão ruim quanto Bolsonaro, uma vez que envolveu o Brasil no maior escândalo de corrupção já visto na história do universo. Fato é que o fanatismo molda-se tanto em uma militância cega que não enxerga os defeitos de seu governo, como nesse falso dilema entre os dois nomes, que compra sem questionamento o discurso lavajatista de anticorrupção exclusivamente contra o PT. Isto é, reconhecer os erros do PT - que não foram poucos - é crucial, mas também é imprescindível fazer uma análise crítica sobre o discurso de uma mídia que foi pilar na derrubada de uma presidente legítima e na ascensão de Bolsonaro ao poder. Além disso, saber examinar os saldos positivos do governo Lula, tais como as políticas de redistribuição de renda - mesmo que aquém do que o necessário - além de sua posição fundamental para o empoderamento e ascensão social de um povo que vivia e vive marginalizado.
Comparar Bolsonaro com Lula é desleal. De um lado, um ser que nunca respeitou a democracia, que exalta torturadores, profere ódio e foi responsável por uma crise sanitária, política e econômica que já matou mais de 550 mil pessoas. Do outro, o primeiro governo a estabelecer efetivamente um canal de comunicação com a classe trabalhadora e que sempre zelou pelo estado democrático de direito, que tinha um Itamaraty respeitado e que conseguia estabelecer diálogo político com a oposição. Decerto, o Brasil teve problemas gerados pelos governos do PT - especialmente o de Dilma - contudo, igualar dois personagens antagônicos, apenas por serem antagônicos, não é só ilegítimo, mas cunha de uma deslealdade intelectual tamanha.
Lula vem como um reconciliador e - para mim, infelizmente - passa longe de um projeto de esquerda radical, mas dialoga constantemente com setores basilares do capitalismo e sequer aponta que romperá com isso. Tende a fazer um governo que, ao mesmo tempo que buscará retomar um padrão mínimo de vida aos mais pobres e políticas sociais, concilia o crescimento econômico e empresarial do país. Demonstra já que vai conversar com outras classes políticas e setores da sociedade, é o nome mais forte e o que hoje tem o projeto mais popular entre os que provavelmente estarão na eleição. Seria de muita inocência imaginar que João Doria, Datena, ou Mandetta estenderiam a mão ao povo como foi feito - parcialmente - no projeto de país do Partido dos Trabalhadores.
Derrotar o Bolsonarismo não basta, precisamos pensar na reconstrução do país destruído por ele e, para isso, devemos olhar para nosso povo. Tirar o genocida do controle do país é a prioridade, e portanto, devemos estar dispostos a eleger - dentro do campo democrático - quem puder vencê-lo. Mas nós devemos querer mais. Precisamos de um projeto de país que devolva a dignidade ao nosso povo e não há nenhum motivo para acreditar que a terceira via fará isso como o Lula já fez.
Autoria: Miguel Guethi
Revisão: Letícia Fagundes e João Vítor Vedrano
Imagem de Capa: Reprodução/Poder 360
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