O intenso desempenho exigido pela Fundação produz uma situação contraditória na qual nos encontramos quase sempre: à medida em que cresce a quantidade de atividades exigidas, aumenta proporcionalmente, senão em maior grau, a vontade de procrastinar. Deve haver algum estudo por aí que demonstre como isso é causado e talvez conclua sustentando a tese de que nós alunos temos razão: há tarefas demais.
Não bastasse isso, vivemos uma pandemia dos diabos, uma crise dos infernos e um governo pior do que tudo isso junto e multiplicado. Mas é claro, nós, alunos da Fundação, temos o luxo de nos sentirmos entediados e "à toa" num momento desses, em que milhares de brasileiros morrem por dia, a fome cresce e a doença avança. É verdade, é verdade, temos de ficar em casa o quanto possível, não se deve sair desnecessariamente. Mas eu imagino (é só o que consigo) o que sente alguém que é pobre, que tem família para sustentar e vê as contas estourando, os pais adoecendo e a barriga dos filhos roncando.
Eu entendo que não tem jeito, é assim mesmo. A gente chega para essas pessoas e diz: "Olha meu filho, não vai pro trabalho, fique em casa. É verdade, você vai se foder, vai perder tudo, mas é o jeito, não tem como parar esse vírus. A vacinação geral está muito longe de acontecer por causa da desgraça do presidente e o governo não está com pressa de mandar auxílio para ninguém. Mas fica em casa, beleza? Abraço". No fundo, é isso o que a gente diz para os pobres, e ficamos surpresos com a rebeldia deles. É claro, se no começo dessa crise houvesse um governo sério, com gente competente e blá-blá-blá… A gente sabe que tudo teria sido muito diferente. Mas esse é o Brasil, esse é o nosso povo. Ajudemos e lidemos com ele…
Em tempo: impeachment já, Bolsonaro e família apodrecendo na cadeia, vacina para todos e Keynes na veia.
Terminando as considerações preliminares em que atesto minha consciência moral, social e política diante de tudo o que está acontecendo, proponho agora o tema absurdo desse texto. É que comecei falando de como nós riquinhos e privilegiados temos muito tempo à toa, e agora gostaria de fazer algumas sugestões para quem fica entediado e não consegue esquecer o tédio.
Eu geralmente gasto meu preciosíssimo tempo procrastinando no YouTube: assisto a entrevistas, aulas, conferências, rádios e canais de filosofia. Podcasts também são muito bons para quando a gente está lavando aquela pilha de louça, pendurando roupa ou varrendo do chão o pó acumulado do começo do ano. Vou citar brevemente algumas sugestões de canais do Youtube e podcasts para depois me concentrar em alguns temas específicos.
Eu sou péssimo em exatas, matemática, física e química, mas não me canso de assistir aos vídeos desses dois canais: Numberphile e Periodic Videos, sobre matemática e química, respectivamente. Ambos apresentam temas muito interessantes em vídeos de aproximadamente 10 minutos. O canal do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) tem conferências ótimas sobre grandes temas da atualidade. Conferências (não apenas do CEBRI) com diplomatas, embaixadores e ex-integrantes do Itamaraty são sempre interessantes. Sobre podcasts, o In Our Time da BBC, Estado da Arte do Estadão, Café da Manhã da Folha e O Assunto do G1 são meus preferidos. Nada como lavar aquela panela de feijão sabendo da cagada do dia do Bolsonaro ou o que Heidegger tinha na cabeça quando escreveu aquelas doideiras.
Vou me alongar um pouco sobre dois canais específicos. A discussão é boa e vale a pena dormir mais tarde assistindo a eles (o importante é ligar o despertador antes de ver os vídeos, assim dá para ficar assistindo até dormir e acordar antes da aula começar).
Outro dia assisti a um vídeo muito interessante. Era do canal MinuteEarth, que produz vídeos educativos sobre meio ambiente e biologia, mas também sobre vários outros assuntos. Ele faz uma proposição polêmica: devemos deixar que os pandas sejam extintos? O vídeo mostra um pouco da racionalidade que opera nas ações empregadas na conservação de animais que correm risco de extinção. Há, implicitamente, a sugestão de que talvez haja mais paixão do que razão no momento em que se delibera sobre o tempo e os recursos despendidos nessas ações.
Os animais mais “bonitinhos”, por assim dizer, seriam os preferidos para receber mais recursos, enquanto aqueles de aparência “pouco amigável” estariam com o pires na mão. Daí a polêmica com os pandas: esses felpudos já nos custaram montanhas de dinheiro e os resultados não são lá verdadeiramente satisfatórios; provoca-se, então, sugerindo que uma abordagem semelhante a das UTIs seria mais eficiente, tendo por objetivo maximizar a utilização dos recursos e, ao mesmo tempo, produzir o resultado que melhor impacte o ecossistema como um todo, e não uma espécie em particular. Priorizar as espécies realmente vitais - que ao serem protegidas, têm o seu ecossistema indiretamente resguardado - seria mais interessante do que sucumbir à fofura de um urso bonachão.
Boa parte das entidades de conservação estão dedicadas principalmente a uma espécie em particular (ex.: pandas, ursos polares, gorilas, elefantes) que, apesar de carismática e encantadora, pode não ser comparativamente vital ao seu ecossistema. Assim, ela acaba ofuscando outras espécies menos atrativas, porém mais importantes. Recentemente, foi publicado um estudo que demonstra que os pandas são uma “espécie guarda-chuva” (umbrella species), isto é, ao protegê-los, outras espécies também são automaticamente protegidas. O debate é polêmico e, por enquanto, ponto para os pandas.
O canal Vsauce é uma salada de assuntos curiosos. O formato direto permite ao seu criador, Michael Stevens, guiar o espectador através de um raciocínio, a princípio, pouco intuitivo, até estranho, mas que ao final é sempre fascinante. O primeiro vídeo a que assisti aborda uma série de questões: da percepção de cores, vai à qualia, crianças, primatas e teoria da mente. A cor de um objeto é determinada pela frequência da onda que ele reflete. A mensuração das diferentes frequências pode ser observada objetivamente, isso é claro.
Contudo, o que se questiona é a possibilidade de verificação empírica da representação mental que um indivíduo experimenta ao observar determinada frequência, isto é, determinada cor. Talvez nunca seja possível saber, por exemplo, se a minha experiência ao observar a cor vermelha de um objeto é exatamente a mesma que a sua (isso inclusive faz parte do título do vídeo: “Is Your Red The Same as My Red?”). Talvez a representação que ocorre em nossas mentes seja de experiências de fato distintas e, ao longo do processo educativo, aprendemos a chamar ambas de “vermelho”.
Há ainda outros canais que frequento. O Philosophy Overdose possui um amplo material de qualidade sobre filosofia; TED-Ed e Kurzgesagt – In a Nutshell trabalham temas variados e combinam brilhantemente animação digital com informação; os canais da Fundação Fernando Henrique Cardoso e da Academia Brasileira de Letras disponibilizam suas conferências e seminários, sempre tratando de questões atuais com convidados de categoria. Acho que já dá para perder bastante tempo com essas sugestões.
Revisão: Glendha Visani
Imagem de capa: The Conversation
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