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COMO SER FELIZ NO INVERNO PANDÊMICO: A FILOSOFIA DINAMARQUESA DO HYGGE



(Pronuncia-se “riu-gã”, fazendo biquinho no U).

Não raras eram as vezes em que passávamos uma ou duas horas sentados à mesa do jantar conversando depois de comer, sem nem mesmo levar os pratos para a pia. Consciente ou inconscientemente, isso era hygge.


No ranking do Relatório Mundial da Felicidade, publicado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, a Dinamarca está mais uma vez em primeiro lugar entre os países mais felizes do mundo em 2021. Os especialistas medem a qualidade de vida e o nível de bem-estar social das populações analisando renda, saúde, igualdade social e outros fatores. A Dinamarca, assim como os outros países nórdicos, destaca-se pelos altos níveis de bem-estar social proporcionados pelo sistema de saúde universal e gratuito, pelas universidades gratuitas e pelo baixo nível de desemprego. Então o que eleva a posição do país no ranking em comparação com os outros do norte europeu?


O cenário descrito não é excepcional no norte da Europa, então um dos fatores que explica a elevada posição da Dinamarca no ranking é o Hygge, que não tem uma tradução exata porque não tem uma descrição precisa. O termo geralmente usado é cozy, aconchegante, em inglês. Mas hygge é muito mais que isso. Pode-se dizer que é a somatória de todos os sentimentos, as ações e os objetos que tornam uma situação e um ambiente aconchegantes.


Com um frio de 5 graus, sob muita chuva e poucas horas de sol, fica evidente a importância dessa filosofia, que já é intrínseca à sociedade dinamarquesa. Lembro até hoje do dia mais curto do ano, 22 de dezembro, quando o sol nasceu por volta das 8h e se pôs por volta das 15h. Para nós, brasileiros, essa é uma realidade muito distante. O sol aqui quase sempre está presente, até nas regiões mais frias (que podem chegar a temperaturas mais baixas que os tradicionais 5 graus na Dinamarca), mas mesmo assim, no inverno, a escuridão das 17h já é motivo de desespero para os amantes do verão. Para os dinamarqueses, no entanto, a escuridão é rotina. O mecanismo de sobrevivência e a estratégia para viver bem é o hygge. O mais interessante é que a prática já está tão aplicada ao dia a dia que ela acontece inconscientemente e durante o ano todo, até no verão.


O dinamarquês Meik Wiking, CEO do Instituto de Pesquisa da Felicidade de Copenhague e autor do livro The Little Book of Hygge (O pequeno livro do Hygge), que vendeu mais de um milhão de cópias pelo mundo em mais de 35 idiomas, cita alguns dos principais pilares dessa filosofia: atmosfera (iluminação descentralizada e quente com abajures e velas), presença (celulares desligados) e trégua (hora do hygge não é hora para discutir política). O escritor também marca a importância da união, da gratidão e do conforto.


Imagine o seguinte cenário: velas espalhadas pela sala, um abajur no canto, chocolate quente, guloseimas, café, cobertores, alguém que diz: “Lembra aquela vez em que nós...”. Esse é um contexto típico do hygge e é uma boa maneira de começar. No entanto, hygge, hyggelig e todas as outras variações da palavra são muito mais sobre o sentimento do que qualquer outra coisa. É estar junto de quem se gosta, conversar sobre boas memórias, sentir o quente da bebida chegar ao estômago, ou o macio do cobertor na pele.


Agora, com a chegada do segundo inverno pandêmico no Brasil, a prática do hygge se mostra mais conveniente e adequada do que nunca. A ausência de vedação em nossas janelas contribui para esfriar o nosso inverno tropical e, sem o quentão, o milho verde e as fogueiras da nossa tão amada Festa Junina, Arraiá, São João ou seja qual for o nome, é preciso achar em casa o conforto, o calor e a felicidade. Estamos mais próximos do hygge do que parece, temos a nossa própria palavra que também não tem tradução precisa para outros idiomas e pode ser relacionada ao sentimento de aconchego: cafuné. O termo é mencionado e descrito por Wiking em seu livro como sendo “o ato de acariciar ternamente o cabelo de um ente querido”. Com cafuné, algumas velas, cobertor, quentão caseiro e uma boa conversa, nasce o hygge brasileiro.


Revisão: Glendha Visani e Guilherme Caruso

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