top of page

O NOSSO PAPEL




Homens, este texto é para nós. A construção de nossa masculinidade, de forma estrutural como a conhecemos, independentemente da explicação de suas origens, está visceralmente interligada à misoginia que ainda ataca as mulheres de forma contundente. Somos os causadores de uma violência constante e cabe a nós agirmos entre os homens para alterar essa realidade. Para o combate desse mal, é necessário o entendimento de nosso lugar nessa estrutura social, assim como o levantamento de questionamentos e diálogos para a desconstrução, além de ações efetivas para que se possa caminhar no sentido da harmonia nas relações interpessoais e da derrubada dessa masculinidade que causa tantos danos.


Construída pelos últimos séculos de modernidade e pós-modernidade, a masculinidade se define por uma ótica negativa sobre o que um homem não pode fazer – chorar, sentir e demonstrar sentimentos, ser "fraco", ter medo, falhar sexualmente – e sob uma positiva – ser viril, forte, heterossexual, dominador e viver numa cultura que coloca como central o culto fálico. Decerto, trato de um estereótipo, mas que influencia desde criança na formação do que se entende por ser homem e másculo. Sua introdução sexual por meio de pornografia ou pelo incentivo (até e, principalmente, por parte do pai) a ter sua primeira relação cedo – muitas vezes com uma garota de programa – e de ficar com o máximo de mulheres possíveis, tal como uma coleção. Os homens têm sido criados espelhando-se em símbolos desrespeitosos, machistas e que colocam a mulher em um local inferior, como nos grupos de amigos no Whatsapp com conteúdo asqueroso, de objetificação do sexo oposto e com o exemplos de relação patriarcal do casamento como mais uma exploração da mulher. Admiram-se sempre entre si, mas têm com as mulheres apenas intenção sexual ou de proveito de afazeres tidos como “femininos”.


Debruçar-se sobre esses traços da masculinidade, para conhecê-los e tratar sobre suas desconstruções, é elementar na luta contra essa estrutura que violenta as mulheres. Por uma visão macro, o homem também é um produto dessa cadeia que o fez, mas isso não nos tira a responsabilidade e o nexo causal de nossas condutas. Saber qual local ocupamos nas relações interpessoais – tendo a interseccionalidade como base – e questionar esses locais é fundamental.


Vale pontuar que, assim como outras minorias, a violência estrutural sofrida pelas mulheres se dá sob duas frentes: a econômica, que as colocam em uma situação de diferenciação financeira em relação aos homens, diretamente ligada às relações de trabalho; e a cultural ou simbólica, na qual, em resumo, a prática social é a de colocar o homem como superior, invisibilizando-as. Devemos então pensar em caminhos para atuar nessas duas frentes, e por isso se faz necessário questionar os espaços dos quais fazemos parte.


No que se refere à violência econômica, agir de forma a viabilizar que mulheres ocupem locais que foram ou são majoritariamente masculinos nas relações de trabalho, e pensar em políticas de distribuição, que ajam contra a marginalização das mulheres, são o caminho. No que se refere à violência cultural, demandam-se a mudança de pensamento por parte dos homens e medidas de reconhecimento para colocar a mulher em evidência. Nesse sentido, a masculinidade precisa ser reorganizada de forma plural e sem hegemonia de um modelo. Para isso, busca-se a desconstrução da identidade masculina tradicional, fundada no machismo e no patriarcalismo. Não há, portanto, o objetivo de estabelecer um padrão a ser seguido, mas sim a estratégia de pautar nossas ações em função da promoção de maior equidade e de relações mais harmônicas, identificando condutas que mantém os padrões machistas e misóginos, desde a criação de nossas crianças até atos do cotidiano que reafirmam essas violências, como silenciamentos, não pertencimento, objetificação e inferiorização.


Como políticas de distribuição, no âmbito econômico, pode-se pensar em alguns exemplos: o bolsa família, que permite acesso a renda para mães em situação de vulnerabilidade; a PEC das domésticas que regulamentou o trabalho no sentido da conquista de direitos para uma profissão que é exclusivamente feminina e tem herança escravagista; programas de cotas para mulheres, como as parlamentares, que majoraram o acesso de mulheres na política. Esses programas, apesar de muito aquém do necessário para a garantia de seus direitos, são responsáveis por, em certa medida, diminuir a privação material que elas sofrem.


Já no que se refere ao reconhecimento, busca-se combater a violência cultural e simbólica de constante desrespeitos, injúrias, assédio e discriminação. Pode-se citar, por exemplo, a Lei Maria da Penha, que busca responsabilizar os homens pelos danos físicos, psicológicos e morais, campanhas como as expostas no metrô, movimentos pró aborto, ou mesmo distribuição de absorventes - que reverbera não apenas na esfera econômica, mas também na dignidade da mulher. Fato é que, mais do que pensar sobre a efetivação desses direitos, devemos pensar no acesso dessas mulheres a locais representativos para que possam encabeçar as mudanças. Isto é, decidir sobre a dignidade da mulher não deveria ainda estar nas mãos dos homens.



Para nós, nos nossos microambientes, assim como de forma estrutural, resta voltar a atenção a uma autocrítica da masculinidade, para mudar hábitos e violências que praticamos. Enfrentar do consumo de pornografia à objetificação, o desrespeito, discriminação e assédio cotidiano. Assim como também a paternidade machista, de como agimos quando estamos somente entre homens e do questionamento de lugares que estão pouco ocupados ainda por mulheres como reflexo dessa estrutura.


Como homem, a responsabilidade sobre a nossa desconstrução e mudança é nossa. Cabe a nós nos conectarmos com outros homens e buscar tais reflexões. Sair de uma zona de conforto que mantém as estruturas e questionar nossos atos e daqueles ao nosso redor é um ponto de partida para essa mudança estrutural. Não sair desse lugar é ser conivente com a violência.



Autoria: Miguel Guethi

Revisão: João Vedrano e Julia Maciel de Rodrigues

Imagem de Capa: Autor desconhecido









bottom of page