Com a escassez de reservas de sangue nos hemocentros, a corrida para conseguir doadores está se tornando cada vez mais árdua, especialmente em meio ao cenário da pandemia. Neste artigo, nosso redator Miguel Guethi mostra como a homofobia contribui para a falta de capacidade das reservas e põe em risco milhares de vidas. Por que uma pessoa LGBTQ+ não pode ser doadora de sangue? Seria o sangue não-heteronormativo passível apenas de ser derramado por conta da violência? Leia para entender!
Os bancos de sangue e reservas foram alguns dos grandes afetados pela pandemia, e seus estoques diminuíram abruptamente. Mesmo em tempos sem uma pandemia, com operação regular, as reservas já não atingem toda capacidade. Por isso, são precisas recorrentes campanhas para que não falte sangue para os pacientes. Mas, sob as particularidades da pandemia, tanto os doadores frequentes como os esporádicos, deixaram de doar por medo de contaminação do COVID-19. Fato é que algumas doações não são aceitas pelos hemocentros - não pelos impedimentos temporários, como gripe, tatuagem ou alguma vacina - mas por sua origem. O desprezo de homens homossexuais para doações de sangue é muito simbólico e sinaliza que o sangue deles “não serve”, rebaixando-os a uma categoria de “menos humanos”. Como poderiam, portanto, aceitar sangue para ser usado em transfusões de pessoas assim?
A cada 23 horas no Brasil, morre uma pessoa LGBTQ+ por homofobia. O Presidente eleito diversas vezes reafirmou e legitimou esse discurso. Além disso, ter um filho LGBT ainda é um dos maiores horrores para muitos pais. As maiores conquistas da comunidade não vêm do legislativo que tem toda sua legitimidade representativa das vontades da população pelo voto. Essas conquistas na verdade vêm do judiciário que tem um papel contramajoritário nas vontades da maioria. Ou seja, essa minoria não ganhou seus direitos porque o povo concorda com eles, mas porque as cortes decidiram por sua necessidade apesar da vontade do povo.
Em maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal decidiu como inconstitucionais as normas da Anvisa e do Ministério da Saúde que limitaram a doação de sangue por homens gays. No entanto, isso não foi suficiente para mudar algo que já está naturalizado e enraizado na cabeça do brasileiro, que é o preconceito. E ele não está longe de nossa realidade, de nossos círculos ou é velado. Pouco depois da decisão, um aluno do curso de Direito da FGV teve seu direito de doação de sangue negado pelo hemocentro, por ser um homem gay.
Natan Santiago, corajosamente, não se calou. Com auxílio do CAJU (Centro de Assistência Jurídica Saracura da FGV), ingressou com uma ação de danos morais, além de reivindicar a garantia de seu direito à doação. A resistência LGBT hoje também precisa e deve ser feita à nível judicial, e graças a iniciativas como o CAJU, o acesso à justiça tem se democratizado. A resistência LGBT também significa querer lutar pelo direito de salvar outras vidas e ela precisa ser feita por todos, todas e todes.
Espero que em um momento de tanto ódio, extremismo e intolerância, sejamos como Natan. Os bancos de sangue estão vazios e precisam de doações e os sangues doados serão também de homens gays. Que o Sangue LGBT salve vidas e não seja derramado de forma vil e cruel. Convido todos à essa resistência, e que ela aconteça enquanto salvamos vidas.
DOEMOS SANGUE.
Confira todas as informações para doar no portal governamental:
Bancos de Sangue para doar:
Foto da capa: Carta Capital
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