FIM.
- Arthur Quinello
- há 5 dias
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Fim.
Sim, começar com o fim. Acabou de começar.
Ai que horror! Tenho medo do fim. Não sei lidar direito, confesso, com esse conceito. Encerramento, finais, despedidas. Fim. Só isso, mais nada.
Pra mim, chegar ao fim de algo é doloroso. Sei lá… A ideia de encerrar algo, de deixar isso para trás, no passado, me assusta um bocado. Sou do tipo que se apega, se envolve e se transforma nas coisas que faz e que gosta. Abrir ciclos é um presente, penso eu. Encerrá-los, uma tarefa amarga.
Tinha seis anos e 56 dias quando encerrei o primeiro grande ciclo de minha vida, me agarrando nos braços da minha professora do jardim de infância, sem querer dar tchau, dizendo que a escola ia ser assustadora e eu não ia gostar. Tinha 14 anos e 34 dias quando encerrei o segundo, me despedindo dessa mesma escola que outrora fora tão assustadora para mim; dando tchau a amigos da vida toda sem saber o que esperar dali pra frente, migrando, outra vez, rumo ao desconhecido. 18 quando chorei na sala de aula do Ensino Médio, abraçando aqueles que marcaram os anos desafiadores que enfrentei na nova escola. Choro, abraços e temores. Quando penso no fim, é o que vejo. Sempre foi assim.
É preciso reconhecer: há algo encantador no fim. Aquele sentimento agridoce do deixar para trás, a excitação disfarçada de receio pelo que está por vir. A depender da ótica, o fim é, na verdade, ponto de partida para outras coisas maravilhosas.
É o que dizem por aí, acho. “Para algo começar, algo precisa acabar” — ou qualquer baboseira dessas. Não sou muito de pensar assim, mas qualquer coisa vale para preencher as linhas deste texto e adiar o fim. Não quero encerrar, mas divagar também não pega bem. Vamos lá, foco.
Não sou mais especial que ninguém. Não é só a minha vida que foi marcada pelo fim. Ele faz parte de todos nós, de todas as experiências e emoções que escolhemos viver. É a moeda de troca das aventuras nas quais nos arriscamos. Se vivemos, amamos, sentimos e nos envolvemos, é sempre sabendo do risco quase que certo de se chegar ao fim.
Para mim, quando o fim está longe, com muitos dias corridos até sua chegada, faz sentido a ideia de acabar as coisas. Nada é imutável, óbvio. Quando o fim é só o futuro é muito fácil pensar assim. E quando o fim é agora? E quando ele chega e, sem piedade, joga para trás tudo aquilo que conhecemos?
E o agora chegou. Mais um fim. Nesse, devo confessar, já não tenho a vontade de espernear e correr para um abraço. Agora, não há mais aquela pontinha de familiaridade com a próxima etapa — seja por um rosto conhecido ou um grau de ensino excitante. Não há. Mesmo sem chorar, acho que esse fim assusta mais.
O fim do ser aluno, do ser jovem ainda respaldado pelo aprender. No jardim de infância, no fundamental, no ensino médio ou na faculdade, não importa. Esse é o grande fim de uma parte imensa do que sou — em breve, do que fui.
Aqui, nesta velha Fundação, me arrisquei em tudo o que podia, como sempre foi de praxe para mim. Meu raciocínio era claro: se chegar ao fim, que seja em grande estilo, com muita bagagem acumulada. Doloroso, claro. Quanto mais se acumula, mais difícil é dizer tchau.
Uma velha frase, famosa até, diz que o passado é como “um país estrangeiro”. Concordo. No passado, as coisas eram feitas de forma diferentes, o olhamos com certa curiosidade, recorrendo a ele para entender o que vem aí. Nem sempre isso dá certo, é verdade. O país estrangeiro que é o passado dá lugar para o país estrangeiro que é o futuro, cheio de novidades a serem descobertas e dificuldades próprias, que nem sempre podem ser resolvidas replicando o que experienciamos antes.
O fim é o agora. Antes dele, é tudo passado. Depois dele, é tudo futuro. Duas terras estrangeiras. O que fiz e o que farei. Prossigo divagando para evitar descobrir quem fui e quem serei. Trágico.
Ainda há muita coisa boa a ser feita, vivida, pensada e sentida. Por que não, então, se arriscar nesse novo lugar depois do fim — onde tudo ainda precisa ser escrito, revisado e editado? São possibilidades infinitas que podem surgir do depois do fim. Ah, o fim. Fim que, na verdade, é inicio. Início de novo, de novo.
Até hoje fui de tudo. Inventei de brincar de aluno, de amigo, de filho. Me arrisquei como artista, dançarino e professor. Tentei ser popular, descolado e autêntico. Fui a fundo na ideia de fingir ser jornalista, escritor e contador. Empresário, gestor e conselheiro. Tudo isso, penso eu, veio antes, durante e depois do fim. Não serão essas três letras temidas que tirarão o que cada um desses devaneios me trouxe.
Mas, confesso, me arrependo de começar muitas coisas. Se comecei, tenho de terminar. Regra clara. Não tem como fugir.
Ao longo dessa jornada que chamamos de faculdade, comecei várias e encerrei várias. A última delas, além da graduação em si, está aqui, materializada em um texto de não sei quantas palavras, que peno para terminar. Preciso finalizar o vínculo com esta singela revista estudantil, na qual pude brincar de repórter e escritor. Aqui deixei agonias, devaneios e interesses.
Lembro de cada vírgula ou ponto final usado. Lembro de cada vez que depositei nos textos emoções que pelavam a testa. Lembro de sempre rir sozinho quando percebia que, na verdade, minha leitora mais fiel era minha mãe. Por que, afinal, é tão difícil chegar ao fim?
Estou divagando, evitando. Preciso terminar. Preciso conseguir terminar. Fim. Simples, rápido. São três letrinhas.
Mas e o depois? O que fica depois dessas três letrinhas? O que começa depois do fim? Sempre tive a oportunidade de espiar, de enxergar de relance o que me aguardava. Agora, não mais. Sou o que sou no presente e tenho medo do que não serei no futuro. Fim, ao menos para mim.
Tinha 21 anos e 296 dias quando chorei me agarrando às memórias que fiz. E agora? Não quero o fim.
Esse é o perigo. Não temos que querer nada, ele chega. Precisa chegar, para o bem e para o mal. A moeda de troca que cobra seu preço de forma voraz. Você que se dane. Eu que me lasque. Chega. Fim. Acaba.
Nesse país estrangeiro que é o passado — que fica antes do fim, muito longe de nós, a uma longínqua memória de distância — reside um eu diferente. E outro, e outro. Sempre depois do fim, olho para trás e vejo meus eus estrangeiros, que já não são mais do que memórias.
Ah, o passado. O antes do fim. O tudo. Bem, para ser honesto, não sou muito dado a estrangeirismos. O melhor é aceitar.
O que deixa saudade no fim é o que valeu a pena. Que seja, então. Que fiquem as memórias, os sorrisos e os aprendizados. E que eu os leve comigo para depois do fim.
Sou melodramático, é da minha natureza. Por isso, não poderia só chegar ao fim. Precisei rodear cada centímetro de memória para escrever mais uma vez. Escrever sobre o fim. Escrever para o fim.
Faz um leve frio enquanto escrevo este parágrafo. Tempo bom para um bolo, talvez. Celebrar o fim. Contemplar o depois do fim.
Que bobo eu sou. Com tanto medo do fim, não percebi as tantas vezes que eu acabei chegando nele enquanto escrevia, tentando, em vão, driblá-lo para me estender de forma prolixa neste um segundo de despedida. Agora já deu, não acha?
É isso, terminei de escrever e irei preparar um bolo. De chocolate, claro. É o que dá pra fazer quando chega o fim: seguir em frente com o que temos. Gosto da ideia. Acabou essa parte de mim, começa a nova. Recomendo que você, leitor, também encare o fim assim.
Me pergunto qual recheio farei. Fim. Chega.
Talvez eu ouse na cobertura. Acaba.
Ou melhor, acho que vou tomar um sorvete.
Fim.
Texto: Arthur Quinello Revisão: Ana Carolina Clauss e Giovana Rodrigues Imagem de capa: Fim do Carnaval. Autor desconhecido/ Reprodução blog Papo de Bar, 2014.
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