AFINAL, O GRANDE AMOR EXISTE?
- Carolina Setten
- 16 de mai.
- 9 min de leitura

A ideia de encontrar um grande amor sempre me fascinou muito. Diversas vezes fui seduzida pela ideia de duas pessoas se conhecerem e começarem uma vida juntas, guiadas pelo desejo de partilharem as pequenas e as grandes coisas, os momentos bons e os difíceis, sem filtros ou eufemismos. Mas será que eu me fascinei pela ideia de um amor ou estava simplesmente tentando fugir da realidade que volta e meia voltava a ser algo maçante?
A minha questão é: de Rita Lee e Roberto de Carvalho à Bela e a Fera, dos filmes hollywoodianos mais mentirosos aos relatos mais sinceros, durante a vida inteira ouvimos que iremos, um dia, encontrar o grande amor de nossas vidas. Agora, a pergunta que lhes faço é: será que este um dia chega? Conversando com a minha avó, senhora que não tirou a aliança um dia sequer depois do falecimento do meu avô, a resposta é sim. Ouvindo os relatos de uma desconhecida no banheiro da balada, a qual nunca tinha visto e mesmo assim emprestei o meu batom, não. Além delas, como se a vida já não fosse composta de incontáveis “e ses”, existem aqueles que dizem que a vida é feita de pequenos e constantes amores. Outros ainda acreditam que o amor é, na verdade, as verdadeiras amizades que fazemos ao longo do caminho. Há os que concordam com todas as definições acima e ainda defendem a teoria das almas gêmeas. E, no final, quem está certo?
Ao conversar com as minhas amigas, na nossa típica ida ao bar das sextas à noite, a conclusão é de que tentar conceituar o amor é muito complicado. Chega até a ser uma distorção tentar colocá-lo em palavras, de tão imprecisa qualquer definição passa a ser quando fica lado a lado do sentimento. Este, que possui tantas camadas e cores, jamais poderá ser reduzido a palavras que provavelmente perderão seu significado ao longo dos anos, nos quais a inocência também vai embora. Voltando para a mesa de bar: concordo com todo esse conhecimento mobilizado pelas minhas amigas e sinto que estou com as pessoas mais inteligentes do mundo por chegarmos nesta tão incrível conclusão que, em questão de dias, iremos então decretar que é mais uma das nossas incontáveis imprecisões sobre a vida. Reflito sobre tudo isso enquanto eu tomo mais um gole do meu drinque superfaturado de quarenta reais, pensando como a indústria cultural ainda é capaz de utilizar essa errônea conceitualização para lucrar! Me sinto acima do sistema, o próprio prisioneiro fugitivo da caverna de Platão.
Porém, como eu disse anteriormente, tudo muda em poucos dias: quando vou ao Cinemark sozinha assistir aos romances mais água com açúcar do mundo – oh como eu amo a pipoca do cinema – percebo como estava sentindo falta do dulçor de ser influenciada pelos filmes hollywoodianos para adolescentes e de acreditar que o príncipe encantado está, sim, logo ali à minha espera. Não consigo parar de pensar, seria o ser humano uma criatura tão ingênua a ponto de se deixar iludir com propostas de afeto que nem estão perto de sua realidade? Seria assim o grande amor algo tão inalcançável? Seríamos tão incapazes de viver sem o amor romântico que passamos a almejá-lo como uma necessidade e personificá-lo em alguém que nem sequer sabemos se vamos conhecer?
Quando eu comecei a escrever este texto, liguei para a minha mãe e me senti idiota. Ela fez questão de abalar todas as minhas recém criadas crenças com sua inquestionável elegância, atitude que renderia o assunto do bar da semana que vem. Entendi, por meio de suas falas carregadas de afeto e calma, atributos apenas capazes de se ter com muitos anos vividos, que amar é, na verdade, o sinônimo de cuidado. E, finalmente, tudo fez sentido na minha cabeça: eu estava tão cega procurando a versão romântica do amor que esqueci como este, o amor em si, está comigo desde o meu nascimento. Quando meu tio me ensinou a surfar (o hobby que ele mais ama), quando a minha mãe compra os livros que um dia que eu comentei com ela para me dar de presente e quando o meu pai volta do trabalho com um guaraná porque sabe que é o meu refrigerante preferido, não seriam estes os pequenos amores da vida com os quais eu deveria estar preocupada? Não consigo deixar de pensar como o ser humano, mesmo sendo tão complexo, consegue ser tão simplório e se render a versão mais frágil do afeto, o amor romântico. Será que um grande amor não é, na verdade, uma relação recíproca entre duas pessoas que buscam a felicidade uma da outra? Me recuso a acreditar que seja uma coisa exclusiva e que apenas terei acesso ao conhecer um ser humano específico, com o qual a vida nos juntará através do destino. Seria o amor uma coisa de alma? Mas e se eu decidir não acreditar mais nisso? Estaria condenada a viver só, sem um parceiro para passar a eternidade?
Ao ouvir a história dos meus avós, entendo as convicções da minha avó: Marilda e Laudo se escolheram. Meu avô era motorista de ônibus e, segundo Marilda, o solteiro mais cobiçado da cidade. Apesar de ter a atenção de todas, Laudo se apaixonou por ela e eles viveram uma linda história de amor, eternizada nos álbuns que a minha avó guarda no mesmo armário há cinquenta anos. Escutando a Eduardo e Mônica, penso que o amor vence as dificuldades e que, quando deve ser, vai ser. Todo amor é um respiro, uma vida que se inicia e termina com beijos ternos ou batidas de porta. Sou contemplada com tantas histórias mirabolantes. Seriam os pequenos amores nada? Estaríamos nos apoiando na ideia de “um grande amor” para nos consolar das dores de um coração partido por aquela pessoa que achávamos que ia ficar para sempre? Há uma certa melancolia nas paixões; nos amores. Para mim, eles transportam consigo uma mensagem intrínseca do tipo: você vai embora, mas uma parte de você sempre será minha. E você não pode fazer nada sobre isso. Esta parte, a impressão de você que ficará eternizada no meu coração e que eu sentirei falta, talvez suba novamente para a minha cabeça em um dia bebendo com as minhas amigas no bar, e me permita entender como eu nunca realmente poderei prever o que está à minha espera. Em teoria somos seres livres mas jamais vi alguém ser racional perante às amarras que o amor coloca sem ao menos pedir licença. Nunca vi alguém se libertar delas sem ser obrigado a olhar para si.
Para falar de amores eu sempre cito Maria Bethânia, mas acho que nada representa mais a suposta existência de um grande amor do que as músicas Quase Um Segundo, dos Paralamas do Sucesso, e O Que Será (À Flor da Pele) de Milton e Chico. Duas composições capazes de traduzir a ardência de um amor que insiste em ficar. Um amor que gruda na pele, traiçoeiro a ponto de se tornar tão óbvio que transborda pelo corpo, tornando-o palco dos afetos que dispensam métrica. Herbert Vianna escreveu a sua depois de seu término com Paula Toller, fortemente marcado por turbulências. Na música, ele expressa a sua incapacidade de deixá-la ir. A voz de Milton e os olhos cristalinos de Chico denunciam a brutalidade do amor que deixa o indivíduo suscetível aos estímulos mais instintivos, que aguça todas as percepções a ponto de cada detalhe ganhar uma tonalidade única. Ao ouvir essas faixas, sinto que eles vivem um luto, uma agonia embutida à paixão que permeia o coração daqueles que se entregam à admiração. Uma dor que, por mais que tenha sido causada por amantes desconhecidos, me faz lamentar sobre o que este amor poderia ter sido. Acredito que sejamos permeados por lutos, pesares não superados que são constantemente abafados por situações que transformararão a nossa vida de alguma maneira. Um grande amor pode demandar grandes esforços, seja para posteriormente esquecê-lo ou simplesmente entender que ele não foi tudo aquilo criado por nossas mentes. Estas, que insistem em projetar comportamentos para amaciar a realidade, que só o tempo permite processar. Seria o amor tão doloroso assim?
E, para nós, a geração do imediatismo, na qual tudo tem a duração de um reels, será que temos a capacidade de desfrutar um grande amor que não cabe em um post do instagram? Somos capazes de nos entregar ao outro? Cada vez mais percebo que o amor está nas pequenas coisas, nos detalhes, e que amar pode acarretar em um processo que demanda mais do que resiliência. Mas será que nós, da modernidade líquida, conseguimos nos desdobrar pelo o outro? Esta é uma incerteza que cada um carrega dentro de si, lembrando dos momentos com aquela pessoa que sempre retornam à mente entre a vigília e o sono. Por eu mesma fazer parte dessa geração, às vezes me pergunto: Será que, na ânsia de performar, será que eu deixei minha alma gêmea passar? Gosto de pensar que todos sonham com um grande amor. Mas não sei se isso é apenas uma das tentativas da minha psique de fazer com que eu não ache o outro tão desinteressante.
Acredito que a diferença reside onde posicionamos este tão sonhado “grande amor” em nossas respectivas realidades. O quão profundo se pode amar? Edith Piaf fez a performance de sua vida ao cantar uma de suas clássicas que, em tradução livre em português, lê-se “eu te tenho na pele”. E isso é difícil de admitir. É difícil levar aqueles que te machucaram com você; apesar deste fato ser inevitável. Penso muito sobre aqueles que têm os nomes de seus ex-amantes tatuados de fato. Há como fugir da lembrança daquela figura que te viu em todos os seus momentos e, mesmo assim, decidiu ficar? E existe uma forma de superar as promessas nunca cumpridas, os olhares cúmplices, os momentos de intimidade que colocam à prova o nosso sentimento de independência? Temos como fugir das nossas próprias expectativas quanto ao que aquilo poderia ter sido? Quanto de mim você levará com você e como você lembrará de nós? Você me assombrará como um fantasma ou voltará como uma miragem, um respiro do cotidiano que dependendo do dia é difícil de carregar?
Acredito que, no fim, o significado e o espaço do amor na vida de cada um é construído paulatinamente, sofrendo mutações durante a vida. Nunca estamos livres das dúvidas do amor ou das formas que ele pode assumir. Mas, afinal, o amor verdadeiro provoca dúvidas? Ele é um dos raros tópicos que, apesar de uma tentativa sistemática de teorização, continua a abrigar a natureza humana em seu mais puro estado. Ele eternizou a nossa subjetividade, o nosso estado de vulnerabilidade capaz de estimular a produção daquilo que vivemos para: arte, memórias e risadas. E talvez por isso seja que a humanidade chegou onde chegou e fez o que fez. Lidar com o vazio da reciprocidade abandonada afeta a todos, independentemente de como eles decidam agir sobre. Sentir a necessidade de partilhar aquilo que transborda em você é a confirmação de que o ser humano, mesmo que distraído, ainda não perdeu a sua essência.
Cada um conclui por si só se o amor é uma escolha, um compromisso ou um sentimento incontrolável. Cada um decide se já teve o seu grande amor, se o terá um dia ou se esta porcaria sequer existe ou não. Creio que o amor reside e faz morada nos corações daqueles que vêem o outro como ele realmente é e apreciam os detalhes, as respectivas singularidades sem querê-las de outra maneira. Você não manda no amor, ele simplesmente vem te encontrar. Todos têm aquela pessoa que, de uma maneira até meio mística, mexe com você e te atrai, como um ímã. Me pergunto onde reside essa força de atração, que é reforçada pelas primeiras experiências dos vinte anos, nas quais tudo é aguçado por vivências que, às vezes, só apreciamos porque o outro nos abriu os olhos. A expectativa do primeiro encontro. Não saber o que esperar e ser surpreendido. Sorrir e receber flores. Tudo isso nos faz refém de uma confiança imperativa no acaso e que é responsável por nos lembrar sobre como a vida é boa.
É a partir disso, das experiências que às vezes acabam acarretando em uma desilusão, que escolhemos se o amor é algo exclusivo dos filmes ou dos fins de festas. É por meio dos contatos mais despretensiosos e dos encontros que apenas as coincidências podem proporcionar que o indivíduo decide se o grande amor é uma questão de sorte ou destino. Alguns amores, de fato, são eternos. Outros, só duram até o amanhecer. Alguns amores cicatrizam antigos, outros abrem feridas novas. Mas isso já sabemos pelos sertanejos universitários e pela figura da Ana Castela. Alguns amores nunca nascem, fazendo morada em apenas um coração. Existem aqueles que são uma das necessárias provas da vida de que ainda somos capazes de ter fé. Fé no outro, fé na gente, fé no amanhã. Amar exige a capacidade de compreensão e, com ela, a maturidade de perceber que nem tudo é oito ou 80, preto ou branco. O amor, como outras coisas boas da vida, dispensa o maniqueismo. E repito o que um dia escutei em um aúdio do Tik Tok com uma música triste de fundo: amar nunca é um desperdício. Amar, é cuidar, é se desafiar, é deixar ir. O amor é a natureza em seu mais puro estado.
O amor, que nos faz nos perder no outro e nos faz depois voltarmos para o nosso âmago ainda mais ávidos, mais cheios de vida. Às vezes sinto que a vida é apenas um grande labirinto que busca nos ensinar que ele já está em nós. Amar, verbo que reside nos momentos mais despretensiosos, cheios de vulnerabilidade e coincidências. Momentos tão delicados que são levados pelo tempo, esquecidos pela péssima seletividade da memória. Mergulhamos dentro de nós e acabamos encontrando tantas coisas que um dia amamos ou características de pessoas que já foram o mundo para nós que acabamos percebendo que, talvez, nós sejamos o nosso próprio grande amor.
Revisão: Ana Carolina Clauss, André Rhinow
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