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A OUTRA FACE DA MOEDA

No texto de hoje, nossa redatora Daniela Carlucci apresenta um olhar completo e profundo sobre o histórico das moedas, desde sua concepção até o seu uso como mecanismo de auxílio social. Aprenda e aprofunde-se mais sobre este tema e entenda o quão vasto é o universo deste meio de troca e a maneira como ele pode ser aplicado na modernidade.

Não é de hoje a imagem em que uma nota de certa quantia viaja de mão em mão, passando por diversas pessoas em diferentes contextos. Desde os primórdios da humanidade, contempla-se a presença de uma história marcada por trocas. De escambos simples até a utilização de sistemas computacionais complexos, as maneiras que estas se estabeleceram foram se modificando ao longo da evolução humana e se transformam constantemente, sempre buscando atender às novas necessidades vigentes.


Diante disso, de maneira inovadora, a moeda surge à vista das novas oportunidades marcadas por uma especialização dos seres, mostrando-se necessária à existência de trocas mais complexas. Dessa forma, o dinheiro se manifesta como algo de valor sistemático. Assim, as pessoas o utilizam com o propósito de trocar bens e serviços. É essencial compreender, então, sua função na atualidade, além de enxergar outros lados possíveis desses meios de câmbio.


A utilização de bens desprovidos de valor inerente como forma de troca, como no caso das ligas metálicas, e atualmente das bitcoins e das criptomoedas, exigiu que as pessoas confiassem em algo sem valor biológico. Para que essa confiança fosse estabelecida, foi necessária a consolidação de complexas redes de relações de longa duração. De forma que, na modernidade, vive-se em um contexto no qual da quantia total de dinheiro no mundo, cerca de 60 trilhões de dólares, 90% existe apenas em servidores computacionais. Portanto, entende-se o dinheiro como sendo um eficiente sistema universal de confiança mútua, uma das maiores invenções da humanidade, baseado na credibilidade social que possui e no seu valor cultural.


Com o intuito de intensificar as atividades econômicas, baseado principalmente na confiança, observa-se a criação na contemporaneidade de moedas complementares às oficiais, cuja circulação se configura de maneira paralela, as moedas sociais e as locais. Estas se estabelecem como sendo unicamente um meio de troca com determinado fim, diante a um acordo coletivo em uma área específica. Em busca de estimular economias de uma maneira geral, essas moedas se configuram como sendo uma forma de fortalecimento de certas comunidades, além de uma possível opção para momentos de crises financeiras, como a que se vive atualmente, diante à pandemia do coronavírus.


A moeda social é criada por bancos comunitários. Como essas instituições não prestam serviços para o mercado especulativo, além de não visarem lucro, servindo assim, apenas para estimular a economia no local em questão, estas não se configuram como instituições financeiras. Dessa maneira, deturpações no sistema financeiro nacional são dificilmente ocasionadas por essa economia solidária.


Alguns dos exemplos são de cidades, como as canadenses, as americanas e as italianas, que introduziram moedas locais para a realização das trocas, além de comunidades brasileiras que a percebem como uma oportunidade para o vácuo de investimentos e de instituições financeiras em áreas mais carentes. Diante disso, evidencia-se que as principais vantagens da criação de uma moeda própria estão na valorização da comunidade além de seu comércio local, já que o dinheiro circula pela própria região, sendo reinvestido na mesma. Além disso, outro ponto de suma importância é de que, para não afetar o sistema monetário nacional, a relação entre essas moedas e a oficial deve ser de um para um.


Muito além do que se imagina, no Brasil são 117 moedas locais circulando em paralelo com o real. Entre elas, vale ressaltar a moeda Palmas e o Cocal. Primeiramente, o Banco Palmas, pioneiro na área de economia solidária no país, surgiu em 1998 com o intuito de oferecer de maneira inovadora um novo modelo de instituição bancária a partir do oferecimento de microcréditos e serviços financeiros para a comunidade de Palmeiras, em Fortaleza. O principal objetivo era estabelecer um sistema capaz de estimular a economia local de forma que o pouco dinheiro que circula, antes gasto fora da região, permaneça nela para seu próprio progresso.


Referência de atuação no Brasil e no mundo, o banco permitiu o desenvolvimento da região, que hoje é reconhecida como um bairro com mais de 47 mil moradores. Operando como correspondente bancário, em 2006, a instituição se uniu ao Banco do Brasil, possibilitando a criação de contas, transferências e poupanças. Posteriormente, moradores puderam receber auxílios governamentais, como o Bolsa Família, no dinheiro local, palmas, após a aproximação com a Caixa Econômica Federal em 2010. Além disso, assim como o real que se adaptou para o mundo virtual, moedas sociais ganharam forma digital através do e-dinheiro e do desenvolvimento de aplicativos para auxiliar nas atividades.


Outrossim, o primeiro banco nesse modelo no Piauí surgiu em 2007 em São João do Arraial, buscando dar acesso a recursos financeiros para pessoas de baixa renda, o Banco dos Cocais. A região é marcada, principalmente, por atividades de extração, como a de babaçu, e atuação do banco buscou estimular e dar visibilidade para a economia local. Segundo Mauro Rodrigues, diretor da instituição, hoje são cerca de 500 estabelecimentos que aceitam o Cocal, isto é, quase a capacidade máxima do local. Atualmente, a cidade pouco conhecida fora da região, ganhou bastante visibilidade, sendo reconhecida pelo banco e por suas atividades. Assim, observa-se que quanto mais se investe na economia local, mais desenvolvimento e posteridade da região é contemplado.


A atuação desse tipo de instituição se extende para diversas regiões do mundo, como por exemplo em Calgary, no Canadá e em Bristol, na Inglaterra. O Calgary Dólar e o Bristol Pound surgiram como alternativas ao sistema tradicional, atuando de maneira complementar ao dólar canadense e a libra esterlina, respectivamente. Essas moedas buscam o desenvolvimento de uma economia local mais integrada e o estabelecimento de uma vida mais intensa nessas regiões.


Além do fortalecimento de comunidades locais, observa-se, atualmente, a criação de moedas sociais, diante à crise econômica gerada pela pandemia do coronavírus, como uma alternativa para um aquecimento econômico de atividades financeiras em algumas regiões fragilizadas pelo vírus. Castellino del Biferno, no sul da Itália, e Tenino, em Washington, são exemplos relevantes. Com a economia bastante fragilizada devido às consequências dos regimes de isolamento social que foram decretados desde março, a pequena cidade italiana buscou a criação do Dulcati para estimular o consumo local, através de auxílios governamentais para que se gaste em comércios da região, fazendo com que o dinheiro circule nela. Além disso, com notas com elementos culturais específicos da cidade, o prefeito enxerga a oportunidade diante à crise como uma maneira de intensificar o sentimento de pertencimento em Castellino.


Com dificuldade da manutenção do comércio da região diante à pandemia, Tenino, cidade estadunidense, procurou a criação de sua própria moeda para que famílias em situações de complicações econômicas recebessem um auxílio emergencial da prefeitura no valor de U$300 mensais. As notas, compostas de placas de madeira, não buscam competir com o dólar, e sim aquecer a economia local. A estratégia adotada pela cidade acabou atraindo diversos olhares, fortalecendo também o turismo na região.


Destarte, circulam pelo mundo muito mais moedas do que apenas as oficiais dos países e uniões econômicas como tido por muitas pessoas. A moeda social surge como uma possibilidade fortalecer pequenas economias locais, desenvolvendo a região, além de uma alternativa para momentos de crise como a que vive-se atualmente devido ao coronavírus. Assim, as trocas na modernidade não se restringem à moeda tradicional, possuindo, dessa forma, a outra face da moeda.



Foto de capa: Nico H. Brausch

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