* aviso de gatilho: violência contra a mulher*
Maria, uma mulher de trinta e quatro anos que era empregada doméstica, vivia uma vida aparentemente normal. Seu rosto sempre carregava um sorriso, mas que escondia uma história de sofrimento. Maria estava em um casamento abusivo. Seu marido, João, era um homem violento que frequentemente a agredia entre as quatro paredes de sua casa, um pesadelo que se desenrolava silenciosamente. Ele a culpava por todos os problemas em sua vida e nela descontava sua raiva. Os hematomas escondidos sob as roupas escuras eram prova silenciosa do tormento que Maria enfrentava em casa. Cada agressão que recebia deixava marcas em seu corpo e em sua alma.
As perguntas de seus patrões e suas amigas ante aos ferimentos eram frequentes e as preocupações genuínas, mas sua resposta, com o olhar baixo para esconder as lágrimas, era sempre a mesma: "Não se preocupe, são só pequenos acidentes domésticos. Eu sou um pouco desajeitada às vezes." Maria tinha medo do que poderia acontecer se revelasse a verdade, medo do que João poderia fazer com ela, medo do julgamento dos outros e de perder o pouco que tinha. Maria estava presa em um ciclo de abuso, sentindo-se impotente. Um dia, as agressões de João não terminaram com Maria chorando trancada no banheiro, estancando as feridas como de costume. Nesse dia, algo terrível aconteceu: o fim da agressão foi o fim de Maria e o ponto final foram duas facadas no peito.
Essa narrativa é forte e, infelizmente, inspirada em uma história real: a de Valéria dos Santos. Sua história foi exposta em relatos escritos na Rede Globo em 2007, quando foi morta aos trinta e quatro anos com duas facadas no peito pelo ex-marido em frente aos dois filhos do casal, de 10 e 13 anos. A história de Valéria personificada por Maria na história acima representa a realidade de grande parcela das mulheres brasileiras, as quais se encontram presas em um relacionamento abusivo do qual não enxergam escapatória.
A taxa de feminicídios no Brasil é a quinta mais alta do mundo. De acordo com o Mapa de Violência 2015, o número de assassinatos chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres. Ademais, o Balanço do Ligue 180 de 2015 revela que as mulheres negras compõem 60% das mulheres vítimas de violência doméstica. Nessa linha, o Ministério da Justiça indicou na mesma época que elas compõem 68,8% das mulheres vítimas de feminicídio. Além disso, o Dossiê Feminicídio destaca dados alarmantes: em 2010 se registravam 5 espancamentos a cada 2 minutos, em 2013, 1 feminicídio a cada 90 minutos e, em 2015, o Ligue 180 registrou 179 relatos de agressão por dia.
Nesse cenário, o Brasil sancionou a Lei 13.104/2015, que aumenta a pena para autores de crimes de feminicídio, elevando a pena mínima de seis para doze anos e a máxima, de vinte para trinta. Outro marco legal é a Lei Maria da Penha de 2006, responsável pela criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Por fim, há também a Lei do Feminicídio de 2015, que transforma em crime hediondo o assassinato de mulheres em razão da condição do sexo feminino.
A luta contra a violência doméstica não pode depender apenas de marcos legais que por vezes são limitados à teoria. É necessária uma mudança profunda que promova uma vida livre de medo e abuso para as Marias do Brasil, cujos sorrisos não precisem mais esconder um sofrimento silencioso. Cabe ao governo, por meio de políticas públicas que reforcem a aplicação de tais leis, e à sociedade, pela adesão à causa, unirem esforços em prol de um ambiente seguro e inclusivo para que todas as mulheres possam se libertar de ciclos de abuso e trilhar caminhos de dignidade.
Autoria: Giulia Lauriello
Revisão: Laura Freitas, Gabriela Veit Barreto e Anna Cecília Serrano
Imagem de capa: Street Tribe
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