Prima-prova-parcial-pandêmica
Foi, foi numa manhã de sexta-fria.
Depois, depois do passar de tarde anterior,
pouca alegria, cheio de dor,
desconfortável, eu, fizera involuntária feitoria.
Não houvera sentido, mas motivo.
“Colinhas” fora a instaurada democracia,
achada por pessoas de maestria,
para que o severo estudar se tornasse digestivo.
Entretanto, com o agora pandêmico desconsolar
– absurdo e revelador –, claro,
algo ganhava sua vontade, seu espaço.
Pássaro! Passava a voar sem hesitar.
O que nasceu dali foi para o sempre:
precisava haver prova na incerteza.
Faculdade imperou sua “justeza”.
Fria. Cega. Rápida. -Mente.
Professor resolveu: poderíamos viver um de dois exames.
N’um: agora, pra “saudável”;
n’outro: quando e onde, “vulnerável”.
E, mal sabia o que viria; mentiras aos enxames...
“Tio do meu pai está suspeito de covid”
“Prima-prima-prima de vó minha tosse grave suspeita”
“Suspeita anônima distante sujeita”
Coro de risadas e silêncios - pura-bajulice.
Ousar leva junto muita coisa... Rumo-cima-baixo
Ora pomba, o desencadear das maldades.
Ora corvo, nutre-se da ausência de inconformidades.
Oro: “Acordem, o mundo-fora-dos-eixos...”
Movimentação
Alguém dissipou o ilusório mérito
- tão pequeno, tão banal, tão inexistente.
Era caminho de gente que queria ser gente,
Mérito, cracia: mecratocia - rito.
Agora, para alívio, se esvaiu,
pois afrouxou-se todas as presilhas, é terra de ninguém.
Narciso vai junto, o sonhar também:
os valores mudaram – todo esforço é vil.
Na parede, um quadro.
Ele mede a honra - só gente bonita:
gente que rouba, gente desapercebida,
gente exibida, gente de teatro.
Gente. Mas, que fácil apontar o dedo!?
Do cálice da inocência, ninguém bebeu.
Nem eu, às minhas maneiras – só véu!
Nem ativistas: muito sofá - medo.
Isso porque tudo se tornou tabu.
Sentindo na carne o gosto e o desejo,
reprimindo a autoimagem pavorosa do sujeito,
colocamos os silêncios num grande museu.
Dos isentos, teve luta, mas de interno.
Teve, também, receio de cumplicidade suspeita.
Tolos, santos e bestas:
“Nunca colei, a mim não darão o Inferno”
Outros, fé ingênua na tecnologia:
cegos, falavam de bondade coletiva,
por meio de microfones e câmeras mantida.
Mas não aconteceu. Delineou-se a história – sem magia.
Hoje, tudo já é normal.
Quer dizer, estranheza passou – incorporação.
Mas, fica: injustiças já são frequentes nesta nação
- um jeitinho travestido de inocente-formal.
Nessa moçoroca, índio quer saber:
“O que é que se passa nesta terra anticivilizada?”
- Na banalização e naturalização da cola, a Máquina Desajeitada;
o impossível se cria, se identifica, se entreolha. Faz-se ser.
Eu, de-olho
Continuo certo-seguro em desespero nessa vida.
Descubro: feliz é saber o que tem;
não, não é saber-frequente da falta de algo ou alguém.
Quero ter mais-sem-mais dívidas.
Quitar? E eu mais sou o que, depois de tudo?
Sou nada. Se sou, sou o não-agir.
Não, não sou. Sou o quis: queria devir.
Mas, agora, olhos-perdidos falam e descansam. Mudo, fui mundo.
Dirão que a terra condiciona o homem,
que éramos reféns. Mas não,
a luta delineia-se de pé e mão.
Coragem... Coragem? Coragem!
Careceu-se de vontade.
Morreu-se em vontadezinhas e pensamentos.
Sem vontade – com pequenos ganhos -, padece movimento;
“Sem movimento, não há luta.” Ambiguidades...
Mirando em dores, se-diz-se: se-canta-se apenas a realidade...
Mas, que se-seria se-minha vida
se-se não se-tivesse-se em mim massa colorida
para se-se se-cartar-se sonhos de uma subjetividade?
Gabriel Linares, 2021
Autoria: Gabriel Linares Fernandes; Revisão: Julia Maciel de Rodrigues & João Vitor Garcia Vedrano; Imagem de capa: Hieronymus Bosch, "A Nau dos Loucos", pintura sobre madeira, 1500-1510.
Kommentare