As universidades e institutos federais de ensino estão em greve há mais de 50 dias, e as perspectivas para o fim das paralisações são, no mínimo, preocupantes.
Até o momento, apenas a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aceitou a proposta do Governo Federal para dar fim às paralisações. Enquanto isso, muitas das mais prestigiadas faculdades do país estão com suas atividades estagnadas desde 15 de abril: UFSM, UFG, UFABC, FURG, UFC, UFMS e UnB são apenas alguns exemplos de universidades federais que aderiram à greve até o momento, sem contar também outras instituições de ensino como o Colégio Pedro II e os Institutos Federais espalhados pelo território nacional. Praticamente metade do semestre de alunos e professores de mais de 55 instituições foi jogado fora.
Essa não é a maior greve já ocorrida no setor. A de 2012 durou 124 dias, enquanto a de 2015 alcançou a impressionante marca de 134 dias. Mas a greve das federais de 2024 coincide com o infeliz impacto que a pandemia deixou no ensino médio, já que os atuais ingressantes do ensino superior público são, majoritariamente, estudantes que passaram pelo fechamento das escolas devido à Covid-19 e que se vêem novamente diante de um entrave nas suas perspectivas de estudo, formatura e futuro no mercado de trabalho. A incerteza diante de uma negociação com os grevistas tem preocupado diversos setores da sociedade que foram prejudicados pelos atos e o Governo Federal sente-se cada vez mais pressionado para lidar com o que já se tornou um escândalo de relações públicas e um baque contra uma de suas tradicionais bases de apoio, os sindicatos e a academia. O próprio presidente Lula tem ciência dessa situação complicada, comentando para sua ministra da gestão e inovação, Esther Dweck, que ele “não sabe como ela não foi vaiada” após uma palestra na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) pelo fracasso das negociações iniciais que pretendiam encerrar a greve.
No dia 5 de junho, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES) compareceu a uma audiência no Senado, representada pela primeira tesoureira do grupo, Jennifer Webb:
“Faço um registro importante de que essas entidades aqui representadas: Fasubra vai completar 90 dias de greve no dia 11; Sinasefe completou 60 dias de greve no último dia 3; e o ANDES-SN também vai completar 60 dias de greve no dia 15. Esperamos não precisar estar mais de greve. Esperamos que, no dia 14, o governo reabra o diálogo que a gente tanto reivindica. Temos, na mesa, a possibilidade de avançar nessa negociação e não somos nós os intransigentes. É importante que a sociedade possa entender isso. Não é a categoria da Educação Pública Federal que quer fechar a negociação de forma unilateral. Nós queremos, e precisamos, negociar para sair dessa greve, mas precisamos avançar na pauta”
O comentário é de uma natureza passivo-agressiva justificada: Os sindicatos estão munidos de argumentos para apontar o que eles consideram como um descaso às demandas dos grevistas e uma continuidade do sucateamento do ensino superior. Mas ao mesmo tempo, o ANDES não tem articulado movimentos significativos que indicassem uma abertura às discussões com o executivo. A maior demonstração desses pontos é a rejeição dos acordos propostos pelo governo federal por parte dos sindicatos até então. A resolução negociada entre o Planalto e o Proifes, ou Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico, foi anulada pela justiça no dia 29 de maio após a ANDES e a Sinasefe(Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica.) recorrerem à 3ª Vara Federal de Sergipe. As duas entidades afirmaram que o Proifes não tem legitimidade para negociar com o executivo por representar menos de dez por cento dos trabalhadores da categoria, mas também não demonstraram uma tendência à coordenação com outras organizações sindicais participantes da greve. Enquanto a categoria tentava emplacar um reajuste salarial ainda em 2024, o acordo derrubado propôs um aumento em benefícios, mas descartou qualquer mudança no salário ainda neste ano. O Proifes entrou na justiça nesta sexta-feira (07/06) para tentar reverter a decisão e ressuscitar o acordo, em uma queda de braço política pela representatividade da categoria que está longe de acabar e vai atrasar ainda mais o fim da greve.
Politicamente falando, o governo Lula está perdendo uma chance de solidificar sua base de apoio no momento em que sua popularidade enfrenta uma queda vertiginosa. A situação não é tão crítica quanto outrora foi a de Dilma ou Temer, mas para um político que começou sua carreira na presidência com mais de 80 por cento de aprovação, 47% de rejeição é um alerta vermelho que tirou o sono do gabinete presidencial.
Era no mínimo plausível assumir que, com a polarização política ainda em alta, os setores sindicais mostrariam convergências com os interesses da gestão encabeçada pelo, indiscutivelmente, líder sindical mais famoso da história do Brasil, mas a situação na educação se mostrou um desafio maior que o esperado para o PT. Primeiro, os resultados do exame PISA deste ano, uma avaliação do desempenho de estudantes de 81 países organizado pela OCDE, não foram nada animadores, e o país está novamente abaixo da média em matemática, linguagens e ciências. Com certeza, em segundo lugar, o corte de R$332 milhões no orçamento da educação básica e superior não colaborou para uma imagem positiva do presidente em relação à educação, pelo contrário, inflamou as demandas dos docentes por reajustes salariais, aumento nos investimentos e revogações de políticas implementadas durante gestões passadas.
Enquanto a greve se desenrola, a oposição sente uma oportunidade de forçar o executivo a mais uma derrota legislativa, aproveitando-se de uma esteira de desentendimentos entre a Câmara dos Deputados e a presidência. O presidente da comissão de educação da casa é justamente Nikolas Ferreira (PL/MG), que recentemente publicou em em seu perfil no X (antigo Twitter) que irá protocolar um grupo de trabalho para debater a greve na comissão e criticou a presidência, colocando que “A falta de diálogo do Governo Lula não é só com o Congresso Nacional, mas também com os profissionais da educação e alunos.”
Nikolas pode não ser o deputado mais ameaçador que a oposição tem a mobilizar, e, regimentalmente, nem cabe a ele o poder de protocolar grupos de trabalho, mas essa movimentação é um indicador que a direita está sentindo mais uma oportunidade de fragilizar o apoio legislativo e, no limite, afastar mais ainda Lula de seus apoiadores na base sindical. Obviamente, os sindicatos nunca vão concordar com uma palavra sequer dos políticos bolsonaristas, que frequentemente atacam docentes e instituições de ensino e apoiaram cortes similares (e até maiores) no orçamento das universidades federais, tal qual recentemente, mas é inegável que uma pressão multilateral pode virar uma bola de neve perigosa para um governo que já teve um começo difícil.
Para os estudantes, a briga política entre Brasília, os sindicatos e o Congresso não fez mais do que prejudicar e angustiar as centenas de milhares de alunos que não sabem quando vão voltar a estudar. Na UFF, algumas aulas ainda estavam sendo dadas, mas o fechamento do restaurante universitário que oferecia refeições a menos de R$1 inviabilizou a rotina de muitos dos estudantes mais pobres. No Pará, cerca de 100 mil alunos estão fora das aulas, e o número no Distrito Federal é de mais de 60 mil. No Mato Grosso do Sul, 46 mil.
Seria maniqueísta afirmar que a greve é irresponsável e um soco no estômago injustificado na educação, mas também é cinismo falar que ela não tem impactos negativos para a sociedade civil. Desorganizada e imprevisível, a greve das federais ainda vai causar muitas polêmicas nos próximos dias – e não há muito que possamos fazer, se não torcer para não acabar em “feijoada”, ou não acabar.
Autoria: Guilherme Neto
Revisão: Artur Santilli e Ana Carolina Clauss
Imagem de capa: Divulgação ANDES
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