top of page

Carpe Diem ou o Nono Andar


No filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989), ambientado no internato fictício Welton Academy, quatro princípios sustentam a filosofia da escola: Tradição, Honra, Disciplina e Excelência. É nesse cenário, marcado por hierarquia, meritocracia e conservadorismo, que o professor John Keating — interpretado por Robin Williams — propõe uma ruptura. Na sua primeira aula, leva os alunos até um mural com fotos antigas de ex-alunos e pede que olhem para aqueles rostos congelados no tempo. Com voz baixa, diz para que ouçam o sussurro que atravessa as décadas: “Carpe Diem. Seize the day, boys. Make your lives extraordinary.”


ree

Quem já subiu ao nono andar do prédio antigo da EAESP sabe que existe ali um mural semelhante. Rostos sérios, ternos alinhados, cabelos bem penteados — a fotografia oficial do que já foi a juventude de outras gerações da FGV.


ree

          

ree

Formei-me em Administração de Empresas no meio de 2024, e foi apenas no meu último semestre que comecei, de fato, a parar diante daquele mural. Percebi que, por mais que os rostos fossem diferentes, o prédio em si quase não havia mudado. As paredes, o piso, a estrutura — tudo parecia ter atravessado o tempo intacto, guardando ecos de gerações passadas. Em suma, os tempos eram obviamente outros, mas a sensação era a mesma.

Agora, com os prédios novos, a estrutura da FGV se transformou. Ambientes mais amplos, equipamentos modernos, salas interativas, a promessa de um espaço “inovador”. Mas, de onde vem, de fato, a inovação? Ouso dizer que não nasce da arquitetura, da quantidade de andares, elevadores ou salas híbridas, e sim do espírito que habita cada corredor.

E aí fica o questionamento… Esse espírito, como está?

Para existir inovação, de verdade, é preciso criar espaços que dêem abertura ao ócio. Não ao ócio da procrastinação, mas aquele em que a mente vagueia, conecta ideias, testa hipóteses e encontra caminhos não óbvios. Ócio criativo. Em outras palavras, sem tempo livre para pensar, refletir e experimentar, a formação se resume a repetir fórmulas já conhecidas, o que pode dar certo para Cálculo I, Cálculo II… Mas e no “vamo ver” da vida real? 

Quando assisti Sociedade dos Poetas Mortos pela primeira vez, estava no terceiro ano do ensino médio, e o filme me marcou demais. Achava que a escola super tradicional e puxada em que eu estudava era a própria Welton Academy da minha vida. Na época, o que eu mais queria era entrar na FGV. Dito e feito, entrei. Mas como tudo na vida, quando você realiza um sonho, outros aparecem, e os desafios desse sonho conquistado também. Entretanto, sinto que durante toda minha formação, a voz de Robin Williams sussurrando falando para os seus alunos aproveitarem o dia e fazerem de suas vidas extraordinárias foi meu próprio mantra na FGV. 

No geral, acredito que o Carpe Diem de Keating nos lembra que tradição e ousadia não precisam se excluir. É possível honrar o que veio antes sem deixar que isso engesse o que está por vir — ou pior, resuma carreiras a ramificações previsíveis entre mercado financeiro, marketing ou consultoria. É importante lembrar sempre que inovação real não se mede pelo brilho das paredes novas, mas pela coragem de questionar, experimentar e reimaginar o próprio caminho.

É ter espaço para olhar para si e perguntar: o que eu realmente quero fazer? É poder seguir contra a corrente, se for isso que se deseja, sem medo de ser a exceção. Todos os cursos da FGV oferecem possibilidades amplas, então por que afunilar? Pensar na quantidade de gente boa e ousada que acaba moldando seus sonhos ao que “se espera”, seja por pressão, conveniência ou inércia, é algo que entristece. Não me entendam mal: não há problema algum em seguir carreiras mais tradicionais. Mas que seja por genuína vontade, e não por trilhar um caminho apenas porque ele já está pavimentado.

E, olhando para trás, percebo: gostei muito de fazer GV, mas gostei mais ainda de ter tido a coragem de seguir caminhos não tão óbvios, mesmo quando tudo à minha volta apontava para o contrário. Essa coragem, para mim, foi o verdadeiro exercício do Carpe Diem.

Por isso, acredito na importância dos espaços onde diferentes cursos se cruzem, onde interesses se misturem, onde possamos ouvir e aprender com áreas que não são “as nossas”. Afinal, “universidade” vem de universitas, a totalidade, o conjunto. Na Grécia Antiga, o aprendizado era uma prática coletiva, uma troca contínua entre mestres e aprendizes, entre disciplinas e modos de pensar. Me pergunto, quando isso se perdeu? 

Como diria Keating, “I stand upon my desk to remind myself that we must constantly look at things in a different way”. Em outras palavras, que nunca percamos a prática de olhar as coisas com outras perspectivas, e não deixemos com que o título da nossa formação se torne uma prisão, e sim um ponto de partida. Porque o verdadeiro valor do que aprendemos está em manter a mente aberta, em cruzar fronteiras e em não deixar que nenhuma bolha, por mais confortável que seja, limite o tamanho dos nossos verdadeiros interesses e vontades.

Talvez seja isso que o painel do nono andar verdadeiramente representa: que o mundo é grande demais para caber em um único enquadramento. Cabe a nós, então, subir na mesa, mudar o ângulo e, quem sabe, encontrar novas formas de ver o mesmo horizonte.

ree

Por: Gabriela Melo 

Cineclube FGV 

Revisão: André Rhinow e Artur Santilli





Fonte imagem 1: 

WEIR, Peter. Sociedade dos Poetas Mortos. Burbank: Touchstone Pictures, 1989. Fotografia de cena.


Fonte imagens 2: 

VILLALBA, Gabriela Melo. [Mural na FGV EAESP – foto 1]. São Paulo, 2025. Fotografia de autoria própria.


Fonte imagem 3: 

VILLALBA, Gabriela Melo. [Mural na FGV EAESP – foto 2]. São Paulo, 2025. Fotografia de autoria própria.


Fonte imagem 4: 

WEIR, Peter. Sociedade dos Poetas Mortos. Burbank: Touchstone Pictures, 1989. Fotografia de cena. 


Comentários


bottom of page