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DO SOFÁ DA SALA, NÓS



Com os últimos jogos da Copa do Mundo sendo televisionados e a infeliz eliminação da nossa Seleção, tenho dificuldade em não pensar incessantemente nas Copas passadas.


Não me leve a mal — nasci um ano depois da última vitória do Brasil, e as três Copas seguintes foram assistidas em casa, sentadinha no sofá da sala, sem nenhum entendimento do que era o futebol, das regras do esporte ou de quem era quem. Eu gostava era do álbum de figurinhas (apesar de não fazer ideia de quem eram aqueles caras), da bagunça toda e da animação dos adultos ao meu redor.


O meu pai sempre foi torcedor roxo na Copa e nos outros trezentos campeonatos de futebol que têm por aí, acompanhando todas as ligas e assistindo a todos os jogos. Eu não enxergava muito objetivo na época, nem mesmo quando ele me levava ao Estádio Walter Ribeiro lá em Sorocaba, onde eu morava e ele ainda mora, pra ver os jogos do São Bento. Na infância, acho que eu ia assistir ao meu São Bento jogar pelo menos uma vez por mês. Não lembro do coitado do time ganhar nenhuma partida, mas lembro de comer pipoca doce e amendoim na arquibancada com o meu pai e, quando um pouco mais velha, com o meu irmão também — felizmente, as comidas eram mais marcantes do que as derrotas.


Já a minha mãe é um pouco diferente: não sabe de futebol, não gosta de assistir no dia a dia, não acompanha os jogos. Aí chega a Copa do Mundo, óbvio, e ela anda pra lá e pra cá de camisa do Brasil, gritando com a televisão e xingando até a décima geração dos pobres árbitros. Animação e competitividade não faltam, e as dela sempre foram contagiantes.


Minhas lembranças sobre a Copa são as mais variadas (incluindo encarar a TV com completa desesperança naquele fatídico dia em 2014), mas, no todo, mantêm-se majoritariamente positivas, senão levemente insignificantes. Ora, e tem lá tanta graça assim ver um monte de homens adultos correndo atrás de uma bola?


Tem. Tem sim. E eu descobri a graça toda em 2018.


Eu lembro do primeiro jogo do Brasil naquela Copa do Mundo com tanta clareza que, se tentar o suficiente, recordo até mesmo a sensação daquele tapete cinza na sala de estar da Luana sob meus pés e dos cookies que o Felipe levou pra gente dividir. Foi a primeira vez que assisti a uma partida da Copa sem a minha família, e, com todo respeito e carinho aos meus pais e ao amor deles por gritar com os árbitros pela TV, não sei se existe coisa tão boa quanto ter 14 anos, pegar carona pra casa da Luaninha e passar a tarde comendo salgadinho e fingindo entender de futebol. Enfim, não tem mesmo como o Alisson fazer gol no meio do primeiro tempo?


Brincadeiras à parte, é ato de grandeza épica, quase reverenciável, ao pé de única, pintar o rosto de verde e amarelo para acomodar umas oito pessoas em um sofá de três lugares e sentir aquela emoção toda só para que o Brasil empatasse com a Suíça no primeiro jogo da fase de grupos. Acho que, mesmo se a gente tivesse perdido feio ou ganhado bonito, o momento ainda teria sido tão especial quanto foi. Afinal, em 2018 que entendi toda a graça da Copa do Mundo — não o futebol, não a bandeira, muito menos a vitória, mas gritar o nome dos jogadores errados só para ouvir aquele meu amigo que realmente entende do esporte reclamar enquanto os outros dão risada, jogar pipoca uns nos outros durante o intervalo pro segundo tempo e pendurar a bandeira do Brasil no lustre da sala, porque “onde mais vai ficar parado isso aí?”.


Pouco mantenho contato com a maior parte dessas pessoas hoje em dia. Alguns mudaram-se para São Paulo, como eu, outros permaneceram no interior, e mais uns dois foram para outros estados. A distância e a ausência daquela rotineirice do colégio de se ver todo dia e de sentar junto no pátio para comer a esfiha de carne oleosa da cantina foi um tanto demais para nós. Acho que foi um pouco só a vida também — não éramos mais tão próximos no fim do Ensino Médio quanto éramos em época de Copa do Mundo. É estranho pensar que visitamos tanto as casas uns dos outros só pra ver futebol aos 14 anos e apenas um deles esteve presente no meu aniversário de 19. É estranho pensar que todo aquele companheirismo não vingou, não por incompetência ou inimizade ou raiva, mas porque o tempo passa, e o Brasil não ganha todas as Copas.


Mas foi ato de grandeza épica, quase reverenciável, ao pé de única, poder aprender a amar a Copa do Mundo com aquelas pessoas. Ter 14 anos, pegar carona pra casa da Luaninha, pendurar a bandeira no lustre da sala, ficar descalça naquele tapete cinza, comer os cookies do Felipe e passar a tarde fingindo entender de futebol. O Brasil empatou com a Suíça e, em 2022, eu acompanho cada partida com tanto entusiasmo e afinco quanto eu via nos meus pais, sentadinha no sofá de casa. Sinto o peso do Estádio Walter Ribeiro e das risadas de quatro anos atrás na carteira toda vez que ouço falar de futebol. Animação e competitividade não faltam.


Embora os jogos do Brasil dessa Copa tenham sido assistidos cada um em um lugar diferente e com as mais variadas companhias, a emoção é sempre a mesma, o meu sorriso refletido no rosto daqueles que eu amo é sempre igual. Independente de qualquer resultado, cada dia usando a camisa da Seleção e xingando os árbitros (tudo com carinho, tudo no espírito esportivo! Ou quase isso!) é mais uma coleção de memórias para guardar no peito e levar na alma. Dessa vez, o Brasil não foi campeão — mas no fundo foi, sim. Sempre é, depois que a gente aprende a amar até os mais sem graça dos empates, até as mais inconvenientes das disposições de lugares em um sofá.


Autoria: Anna Cecília Serrano

Revisão: Beatriz Nassar, Guilherme Caruso e Gustavo Cossoniche

Imagem de capa: Pinterest

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