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EM TEMPOS DE CONSERVADORISMO, O RETORNO DO POWER DRESSING

Um dos aspectos mais cativantes da moda é a sua capacidade de moldar e, ao mesmo tempo, traduzir a essência de uma era, sociedade ou cultura. No atual cenário global, a tendência da vez é o retorno à alfaiataria clássica e a uma estética profissional marcante – que os mais práticos amam e a geração Z gourmetiza no Tik Tok. Mas, se olharmos além do atrativo visual, encontraremos um reflexo poderoso de uma dinâmica social subjacente.


O que a internet chama de “office core” foi criado como “power dressing”, estética que ganhou força na segunda metade da década de 1970 e se consolidou nos anos 1980. Essa estética representa muito mais do que uma simples escolha de roupas: é um estilo emblemático que afirmou a presença das mulheres em ambientes profissionais. Inspirado por manuais visionários, como “Dress for Success” e “Women: Dress for Success”, de John T. Molloy,  o famoso "terninho" tornou-se um verdadeiro uniforme de poder feminino, simbolizando uma nova era de confiança e ambição profissional para as mulheres.


Hoje, quase meio século depois, os desfiles de moda continuam a ecoar essas transformações culturais. A mais recente coleção da Saint Laurent, sob o olhar atento de Anthony Vaccarello, reinventa o conceito de “power dressing” com uma abordagem audaciosa e contemporânea. Vaccarello trouxe à passarela uma visão revitalizada do estilo que Yves Saint Laurent imortalizou, oferecendo silhuetas que exalam poder e sofisticação. Críticos na indústria, como Tim Blanks, destacam como essas apresentações não apenas ressoam na moda, mas estabelecem a alfaiataria e a ousadia como ícones de uma nova era no vestuário feminino.



O Power Dressing tomou novas formas na mais recente coleção da Saint Laurent. Foto: Divulgação YSL.
O Power Dressing tomou novas formas na mais recente coleção da Saint Laurent. Foto: Divulgação YSL.

Nos Estados Unidos, onde as decisões estéticas e políticas frequentemente reverberam globalmente, a moda também se firmou como uma forma de expressão em tempos desafiadores. O “office core” emerge não apenas como uma tendência, mas como um reflexo direto das ameaças crescentes aos direitos das mulheres, especialmente em um cenário onde figuras, como Donald Trump, moldam políticas conservadoras que impactam a igualdade de gênero. O ressurgimento dessa estética não é apenas uma busca nostálgica pela estética retrô; é uma forma de comunicar o empoderamento e dar confiança às mulheres, à medida que enfrentamos normas que tentam restringir nossas liberdades. O estilo se constrói para além do vestuário, é a criação de armaduras elegantes que comunicam dignidade e influência.


Relembrando as palavras de Lasar Segall – pintor do movimento modernista de extrema importância para o desenvolvimento cultural do Brasil: “Cada homem é filho de seu tempo e sua expressão é a expressão desse tempo”, percebemos que a moda é uma dessas formas de expressão, que se transforma em uma poderosa ferramenta de resistência cultural. Assim, enquanto o universo da moda evolui, o estilo office ultrapassa uma mera passagem, marcando um movimento vibrante que captura não apenas a estética, mas também a essência da luta contínua por equidade e justiça feminina. 


Ou seja, ao passo que a sociedade enfrenta desafios como a ascensão da extrema-direita e a incerteza econômica, o vestuário se torna uma ferramenta de afirmação. Esse estilo, que enfatiza silhuetas estruturadas e formas que transmitem autoridade, permite que indivíduos se expressem e desafiem normas estabelecidas. Com a influência de ícones contemporâneos e a crescente visibilidade de movimentos sociais, o “power dressing” emerge como uma forma de resistência e identidade, ressaltando a necessidade de um espaço mais representativo. Assim, a moda continua a ser um espelho das realidades sociais, refletindo não apenas o momento atual, mas também nossas aspirações por mudança e inclusão. O que se veste vai muito além de solucionar o antigo problema de cobrir o corpo – é uma declaração de quem somos, em que momento vivemos e de como desejamos nos expressar no mundo.


Autoria: Rafaella Butori

Revisão: Artur Santilli e Isabelle Moreira

Imagem de capa: Sonny Vandevelde via ELLE

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