O NOVO PADRÃO DE LUXO: DA EXCLUSIVIDADE DE PRODUTO ÀS EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS
- Rafaella Butori
- há 3 dias
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Por muito tempo, o luxo foi sinônimo de ostentação, um símbolo de status por meio de bens caros, raros e exclusivos — bolsas Chanel, relógios Rolex, carros de marca. Era uma maneira de mostrar poder, distinção social, um símbolo de conseguir algo que a maioria não tinha acesso. Mas, de tempos para cá, essa cena começou a mudar, e a verdade é que o conceito de luxo passa por uma transformação profunda. Hoje, tudo indica que a valorização do que é só “possuir” está cedendo lugar a algo mais complexo e mais emocional.
Vivemos na era das redes sociais, onde a estética de alto padrão virou uma linguagem universal. A exposição massificada a esse universo criou uma mudança de perspectiva: o que antes era garantido por uma combinação de preço alto e escassez, deixou de valer tanto. O consumo de falsificações de alta qualidade e de símbolos vazios de status mostra que o luxo está em crise — ou pelo menos em revisão.
Esse cenário faz com que o próprio conceito de exclusividade também se revista de novos significados. Hoje, há uma forte aposta na criação de experiências que fiquem na memória, na construção de histórias pessoais, na imersão cultural e no significado emocional. Para entender essa evolução, olhar para o universo da gastronomia de luxo parece interessante. Não se trata mais apenas de comer bem — embora isso ainda seja fundamental. Espaços como o “Le Dîner” da Hermès, em Paris, inaugurado em 2022, exemplificam bem essa tendência: são lugares onde a comida se torna uma experiência artística, uma imersão no universo da marca, um momento de conexão emocional. Chefs como Massimo Bottura criaram pratos que contam histórias, tornando a gastronomia uma experiência artística e emocional, elevando o valor de uma refeição além do sabor.
Da mesma forma, o Ralph’s, restaurante da Ralph Lauren em Nova York, transforma uma refeição em uma continuidade da narrativa de estilo de vida clássico e sofisticado que a marca representa. Na Itália, o Beach Club Miu Miu na Riviera é um exemplo perfeito de como as férias de luxo foram transformadas em experiências culturais, de bem-estar e de moda. O foco virou o momento, a história, a cultura; eles cercam o visitante de experiências que elevam o conceito de exclusividade a um nível mais profundo. Nessa lógica, tanto a gastronomia quanto o turismo ocupam um papel central no novo mapa: pontes entre culturas, histórias e saberes. Podem ser experiências que enriquecem e expandem horizontes — ou máscaras de status vazias, instrumentalizadas para reforçar uma imagem de distinção.
Essa mesma lógica se aplica às marcas de moda e beleza que investem em retiros de bem-estar, experiências personalizadas, eventos culturais e espaços de imersão. Dior, por exemplo, não se limita ao produto — investe em experiências que unem estética, saúde e cultura. Seus retiros de spa e programas de bem-estar reforçam que o luxo, agora, está na capacidade de provocar transformação interior, de criar momentos que “elevem a alma”, e não só o status externo.
No mais, é interessante perceber como essa exclusividade vai se construindo através de diversos artifícios, seja na instrumentalização da comida, onde marcas como Rhode abusam das propagandas desperdiçando alimentos e utilizando esse bem – cada dia mais caro – como prop – ou no discurso das redes sociais que está cada dia mais voltado ao estilo “old money” e outras tendências que, implicitamente, dizem que não basta comprar o seu espaço na elite.
Com a superexposição das redes sociais e o fácil acesso aos bens de luxo (através de locadoras, falsificações, etc.) nem as marcas, nem o mundo fashion ou nem mesmo o máximo do poder aquisitivo podem trazer a sensação de exclusividade. Assim, o mercado se volta a uma outra direção, tornar as marcas um veículo para que o consumidor sinta a exclusividade de uma outra maneira e de um jeito mais profundo. No centro de tudo isso, uma troca de valores acontece. Os luxos tradicionais, baseados na ostentação, parecem cada vez mais distantes do que realmente importa. Agora, o que faz a diferença é a capacidade de criar significado, de construir uma história com propósito.
Nessa mesma linha, outro aspecto que merece atenção é a tendência do “hype intelectual”. Muitas marcas, festivais, exposições, eventos culturais e debates se tornaram estratégias para reforçar uma ideia de bom gosto, de conhecimento, de bom posicionamento social. O investimento do mercado de luxo em exposições de arte e atividades que reforçam a ideia de que o conhecimento é uma forma de status é, na realidade, uma estratégia para moldar a percepção social de uma nova elite cultural, que valoriza o entendimento, no lugar da superficialidade do consumo imediato.
A lógica de companhias como LVMH, Kering e outras que estão investindo cada vez mais em espaços de experiência, lançamentos de eventos culturais, pop-ups imersivos e retiros exclusivos centra-se no objetivo de ser maior do que vender um produto. A ideia é criar uma ligação, uma vivência que representa um estilo de vida, uma história que o público se identifica e deseja – muito – fazer parte. Nesse cenário, o valor não está mais na posse de um item, mas sim na experiência de fazer parte de algo maior, de um universo cultural que reforça a identidade e o status.
Analisando mais profundamente esse movimento, nota-se como essa mudança de paradigma reforça uma lógica elitista, que muitas vezes faz a distinção social parecer mais marcada do que nunca. Quem consegue acessar esses espaços, esses momentos, se diferencia ainda mais daquela parcela da sociedade que não tem esse mesmo acesso. E é exatamente isso que o mercado de luxo almeja, fazer com que, você, consumidor, se sinta cada vez mais exclusivo.
Ou seja, ao refletir sobre o impacto social disso tudo, conclui-se que essa nova lógica que se constrói valoriza experiências exclusivas e culturais, reforçando uma distinção social mais acentuada. As circunstâncias de acesso a esses espaços, eventos e experiências são propositalmente muito concentradas, perpetuando um círculo onde a elite tem ainda mais distinção de quem está à margem. Isso reforça uma visão de mundo mais segregadora, na qual o valor intelectual ou cultural se transforma em símbolo de status, ampliando a distância entre os diferentes estratos sociais.
As marcas perceberam que, se quisessem recuperar o público de altíssimo padrão – que parou de valorizar tanto os símbolos mais óbvios do luxo –, teriam que fazê-los se sentirem mais pertencentes ao mundo do luxo e se diferenciarem de alguma forma. Construir experiência gera uma sensação de pertencimento, crucial para a marca continuar vendendo. Para continuar comprando, é preciso se sentir mais “merecedor” de usar um símbolo da Gucci do que aquele que tem menos poder aquisitivo que você, e é assim que o mercado de luxo sobrevive.
Diante dessa transformação, é importante reconhecer que, embora a sociedade caminhe cada vez mais rumo à valorização de experiências e significado, a busca por distinção social permanece como conceito fundamental. O mercado de luxo continua a desempenhar um papel crucial ao oferecer símbolos e narrativas que reforçam hierarquias e diferenças, mesmo que esses produtos sejam cada vez mais acessíveis ou substituídos por vivências pessoais. No futuro, portanto, a partir de um desejo fundamental da sociedade de se diferenciar, se consolida uma nova percepção de luxo – criada por grandes corporações – que valoriza a vivência, o significado e a conexão. E com isso, a distinção não desaparecerá, mas se adaptará a uma nova dinâmica, onde o valor social ainda será redefinido por elementos externos, mas camuflados no discurso de “evolução pessoal” e “ampliação de conhecimento”, advindo de um mercado que precisa consolidar e reforçar essas fronteiras. Texto: Rafaella Butori Revisão: André Rhinow e Artur Santilli Imagem de Capa: divulgação Ralph Lauren ©