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O TETO DE GASTOS E O PROBLEMA FISCAL BRASILEIRO

Você entende como funciona a arrecadação e os gastos da máquina pública? Sabe o que é o teto de gastos? Por que essa medida é tão impactante e quais são os efeitos de sua implementação? O que muda em meio ao cenário da pandemia? Entenda tudo isso e mais no texto de hoje, escrito por nosso redator Rafael Coquejo.

Quase todo mundo já ouviu a máxima “não se deve gastar mais do que ganha” alguma vez na vida. De fato, se alguém mantiver despesas que ultrapassam sua renda por um longo período, sua dívida crescerá cada vez mais e logo essa pessoa encontrará problemas para honrar os compromissos financeiros mais básicos – seu nome estará no SPC, no SERASA e ela não conseguirá crédito com ninguém.


O governo, assim como uma pessoa, tem sua receita e seus gastos, porém, na maioria das vezes, gasta mais do que arrecada - o Brasil, por exemplo, não registra superávit primário (receitas menos despesas sem considerar os juros da dívida) desde 2013¹. Uma das formas do governo bancar todas suas despesas é emitindo títulos públicos, ou seja, pegando dinheiro emprestado de quem compra esses títulos. Contudo, quanto mais irresponsável com suas contas públicas o governo se torna, menor é a confiança de que ele conseguirá pagar os empréstimos tomados, fazendo com que seja necessário aumentar os retornos prometidos (a taxa de juros) para continuar tomando empréstimos, o que, como consequência, encarece a dívida. Caso a possibilidade de ampliar a dívida se torne inviável, outra forma de cobrir as despesas do setor público seria o aumento da base monetária - isto é, imprimir dinheiro - o que poderia levar a um descontrole inflacionário e, dado o tamanho do déficit brasileiro que será tratado aqui, um caos econômico semelhante ao do início década de 90. A responsabilidade fiscal, portanto, é muito importante para que haja capacidade de financiamento para garantir a entrega de serviços sociais básicos e as demais atividades do governo.


Para solucionar esse problema, o governo precisa aumentar a arrecadação e/ou diminuir gastos. Nesse sentido, foi proposto o teto de gastos, instituído pela emenda constitucional 95/2016, que coloca um limite em praticamente todos os gastos da União. A regra é bem simples – a despesa de um ano pode crescer no máximo o correspondente à inflação do ano passado². Por exemplo, se o governo gastar R$10 esse ano e a inflação for de 10%, no próximo ano o governo poderá gastar no máximo R$11.


A importância do teto é que ele garante à sociedade e aos agentes econômicos que o governo poderá arcar com seus compromissos – foi isso que garantiu que o Brasil praticasse juros baixos, mesmo com sucessivos déficits primários, tornando efeitos econômicos da crise do COVID-19 incomparavelmente menos impactantes do que seriam caso contrário. É importante dizer também que a emenda não retira recursos destinados à saúde e educação, que podem, inclusive, ter aumentos reais (acima da inflação), desde que haja cortes em outras áreas². O FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), por exemplo, é uma das poucas despesas do governo não vinculadas ao teto³ e teve elevação substancial aprovada na Câmara recentemente.


Com a pandemia, entretanto, o quadro fiscal do Brasil se agravou ainda mais e pode ser considerado o mais desafiador que o país já enfrentou. Segundo estimativas do IFI (Instituto Fiscal Independente), o déficit primário deverá totalizar 912,4 bilhões em 2020 - o maior da história. Para piorar a situação, a expectativa é de que haja uma queda de 5,2% no PIB desse ano e, de acordo com o economista Felipe Salto - presidente do IFI - a dívida deve saltar de 75,8% para 86,6% do PIB, e continuará aumentando nos próximos anos, passando dos 100% em 2026.


Atualmente, cerca de 95% das despesas do governo são obrigatórias, isto é, não podem ser remanejadas para outros fins, sendo as maiores delas representadas pelo pessoal da União e pela previdência, com sua soma correspondendo a dois terços de todo o orçamento primário. O problema (como se não bastasse) é que os gastos obrigatórios devem crescer em um ritmo de 2% acima da inflação nos próximos anos, situação que, caso não revertida nos próximos anos por reformas necessárias, poderá fazer com que cumprimento do teto sem que Estado deixe de cumprir serviços essenciais se torne inviável até, no máximo, 2023.


O cenário fiscal preocupante provocou divisões e discussões entre os ministros do governo. Em maio, devido à pandemia, o Congresso aprovou o chamado “orçamento de guerra”, que permitiu governo gastar além do previsto no orçamento com investimentos extra em saúde e auxílios, com a garantia de que voltaria ao teto em 2021. Contudo, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro teria sido influenciado por ministros a furar o teto de gastos, com o objetivo de se fortalecer para a campanha presidencial de 2022. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, criticou a possibilidade, chamando de “jeitinho no orçamento”, e chamou a atenção para a necessidade de responsabilidade fiscal. Para aumentar as tensões, na última semana, segundo palavras do ministro, houve “debandada” do ministério da Economia - os secretários Salim Mattar e Paulo Uebel pediram demissão, no dia 11/08, pois estavam insatisfeitos com incapacidade de levar adiante os planos de privatização e a reforma administrativa, respectivamente.


Em meio a esse cenário turbulento, a solução do Ministério da Economia para o problema fiscal foi juntar em uma única proposta duas outras que haviam sido apresentadas já em 2019: a PEC Emergencial - que em resumo permite reavaliação e contenção dos gastos obrigatórios, sobretudo referentes ao funcionalismo público e à criação de concursos - e a PEC do Pacto Federativo, que descentraliza recursos para estados e municípios¹⁰. A proposta parece ter tido aceitação de dos presidentes da Câmara e do Senado, além do manifesto de um grupo de 80 economistas a favor do cumprimento do teto de gastos¹¹. Enquanto não entra em vigor, continuam algumas incertezas a respeito do futuro da economia brasileira e do correto e responsável uso do dinheiro público.


Referências:



Foto da capa: Exame


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