top of page

QUEM É SVIATLANA TSIKHANOUSKAYA?

Em 24 de fevereiro de 2022 o mundo foi abalado por notícias que começaram a emergir do Leste Europeu. Aparentemente, a Rússia havia iniciado uma invasão em larga escala da Ucrânia, que estava com tropas a quilômetros do centro de sua capital, correndo um sério risco de não só perder a guerra, mas também de que seu governo sofresse um “ataque de decapitação” e fosse substituído por outro, submisso aos interesses russos. Felizmente, o governo ucraniano não foi eliminado tão facilmente e, após algum tempo, foi capaz de absorver o impacto e elaborar uma resistência contra a invasão que surpreendeu o mundo. O que poucas pessoas comentaram, no entanto, é que o norte do país só pôde ser acessado tão facilmente pelos russos porque foram apoiados pela Bielorrúsia, ou Belarus, que ofereceu acesso livre ao seu território, a partir do qual Putin abriu uma das frentes de batalha. Inclusive, talvez o que Putin desejasse com aquela invasão, dentre tantas outras coisas que são incessantemente debatidas, fosse ter uma Ucrânia tão submissa quanto Belarus já era naquele momento. 


A Bielorrúsia é um país de tamanho médio, com somente 10 milhões de habitantes e sem grande relevância econômica mundial. Por outro lado, situada entre a Rússia e a Polônia, é a primeira linha de defesa entre Moscou e a OTAN e, por isso, sempre recebeu especial atenção dos governantes russos e, nas últimas décadas, de Putin e seu governo. O país é comandado desde 1994 pelo mesmo homem, Alexander Lukashenko, descrito como “o último ditador da Europa”. Considerando que ele está há cerca de 30 anos no poder, não é difícil de se concluir que esta declaração é verdadeira, ainda que ele a negue. 


Lukashenko venceu as primeiras eleições livres do país logo após a queda da União Soviética e a consequente independência da Bielorússia. Prometeu uma aproximação com a Rússia, o combate à corrupção e o aumento da taxação sobre os ricos. No princípio ele foi um líder popular, no qual a população depositou suas esperanças após o caos dos últimos anos. Contudo, as coisas degringolaram muito rápido. Tendo o poder em mãos, em um país que, ao longo de sua história, jamais tinha experienciado democracia, Lukashenko não objetivou fazer as coisas de uma forma diferente. Aliás, muito pelo contrário: progressivamente fechou o regime, se tornando um ditador e criando um ambiente hostil à oposição e à imprensa. De acordo com o Freedom House Index, Belarus é classificado como um dos regimes mais fechados e autoritários do mundo. 


Definitivamente não há imprensa livre no país e, nesse sentido, a imprensa organizada e institucional é a que mais sofre, ainda que a internet seja extremamente controlada também. Nesse contexto, em maio de 2021, o jornalista Roman Protasevich se encontrava em um avião que voava de Atenas para Vilna, capital da Lituânia. Parte da rota passava pelo espaço aéreo bielorusso, o que foi a oportunidade perfeita para que Lukashenko pessoalmente ordenasse que o avião fosse interceptado pela força aérea, sob a desculpa de que haveria uma ameaça terrorista do Hamas. Com base em quê? Em um email que só foi enviado 24 minutos após o piloto ser informado da ameaça. Ou seja, este claramente foi um ato ilegal com o objetivo de prender Protasevich, o que de fato ocorreu, apesar de suas súplicas ao piloto: “Não faça isso! Eles vão me matar!”. O jornalista tornou-se um preso político e, evidentemente, nenhum vestígio da ameaça terrorista foi encontrado. Este foi só um pequeno exemplo dos diversos absurdos perpetrados pelo regime. 


Mas por que Protasevich era um alvo? Sobretudo devido ao seu trabalho jornalístico em 2020, ano conturbado na Bielorrúsia, visto que a pandemia de Covid arrasou o país ao passo que Lukashenko negava a existência do vírus. Em consequência disso, de seus autoritarismos e de decisões erráticas, protestos surgiram de forma aguda em todo país, que se levantou contra o ditador logo em um ano de eleições. Com a imprensa formal restringida, a internet, tal como na Primavera Árabe, foi um dos principais meios utilizados para alertar a população a respeito do que estava acontecendo e para mobilizar uma resistência. Nesse contexto, Syarhei Tsikhanouski, um youtuber, recebeu cada vez mais atenção. Crítico ao regime, comparecia em protestos e os gravava, incentivando a população ao levante. Com o tempo e de forma orgânica, Syarhei tornou-se um líder para milhões de bielorrussos e, nessa esteira, ele foi chamado a concorrer à presidência nas eleições de 2020. O resultado foi, obviamente, sua prisão antes que as eleições começassem. Isso, por sua vez, seria o fim de jogo para a oposição, que entraria em uma eleição com somente um candidato: Lukashenko. 


Todavia, o inesperado aconteceu: Sviatlana, sua esposa, assumiu seu lugar como candidata à presidência. Subestimada pelo ditador, só pôde concorrer porque Lukashenko pensou que as pessoas jamais votariam em uma mulher. No entanto, não foi isso que aconteceu, e sua candidatura foi vista como uma esperança pela população, que se uniu em torno de sua figura. Sendo uma pessoa simples, ela se apoderou de sua origem: ela não era política, era somente uma esposa que tinha assistido ao seu marido se tornar um preso político. Como mãe, ela queria um futuro melhor para seus filhos. Como dona de casa e cidadã bielorrussa, ela queria um futuro melhor para seu país. Sua plataforma também era simples e direta: como não almejava poder político e não se considerava a pessoa certa para tal, desejava tão somente libertar os presos políticos e convocar eleições gerais para formar uma constituinte que elaboraria uma nova constituição e chamaria por eleições livres, viabilizando a democracia no país. Ainda, objetivava um distanciamento do país da Rússia, forte apoiadora do regime, e uma aproximação à União Europeia e à OTAN. Após isso, deixaria o poder. Ou seja, prometia um governo de transição que teria algo entre alguns meses e 2 anos de duração, bem diferente do estilo de Lukashenko de governar. 


O movimento, agora liderado por ela, já não podia mais ser parado. Sviatlana foi eleita de lavada, ainda que a disputa fosse assimétrica. No entanto, os resultados foram divulgados apontando uma vitória para Lukashenko, que teria recebido mais de 80% dos votos em uma eleição que, evidentemente, foi fraudada. Imediatamente, a reação internacional, sobretudo dos países da União Europeia, foi de repúdio contra a fraude e de reconhecimento da vitória de Sviatlana, que foi impedida de tomar posse. Na sequência, os protestos se intensificaram e, com isso, a repressão também. Assim, não houve alternativa para a presidente eleita, que se exilou na Lituânia, país vizinho em que passou a organizar a oposição ao regime. Com o contexto de escalada, houve esperança de que o impasse pudesse ser solucionado com a deposição de Lukashenko e a posse de Sviatlana, que recebeu o apoio diplomático da maior parte do continente europeu que, inclusive, agravou as sanções econômicas sobre o regime. Contudo, do outro lado, Lukashenko era segurado no poder por Putin, que não poderia perder o Estado-tampão para o ocidente. 


Passados alguns anos da eleição, Sviatlana continua atuando no exílio e a ditadura de Belarus ganhou outro peso, tornando-se um problema cada vez maior para a União Europeia e, ainda, um aliado cada vez mais vital para Putin, que utiliza a ajuda logística, política e econômica do país no seu esforço de guerra contra a Ucrânia. Nesse novo contexto geopolítico instaurado desde a invasão de fevereiro de 2022, a Bielorrúsia ganha nova importância e, consequentemente, Sviatlana também. Entretanto, sua figura parece ter minguado frente à comunidade internacional, que não  lhe dá mais tanta atenção quanto uma vez deu, e a esperança e euforia iniciais em torno de sua imagem parecem ter dado espaço a uma certa melancolia. Ainda que permaneça atuante, conforme o tempo passa, menores são suas chances de obter sucesso em sua empreitada, ao passo que Lukashenko se fortalece e o número de presos políticos aumenta. Nessa disputa entre o Ocidente liberal e a Rússia de Putin, resta saber que fim levarão a Bielorússia e a Ucrânia, e qual será o papel de Sviatlana nesse processo. 

_______________________________________________________________________


Autoria: Linneo Christe Adorno Scanavacca

Revisão: André Rhinow e Laura Freitas

Imagem de capa:


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS














bottom of page